Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

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quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Kapitel CXI – Antes das Bodas

Mal voltei a Frankfurt da viagem à Baviera e já estava cheio de compromissos. Era aniversário da Lara, a alemã que fala português perfeitamente e com sotaque baiano. Tinha marcado de comemorar no jardim atrás do Museum der Weltkulturen, onde o brasileiro Ivan Santos tocaria (já tinha assistido a um show dele, excelente; ver Kapitel CI). Menos de três horas depois de pisar na estação de trem de Frankfurt, eu estava lá, pronto para o festejo. Mas era o único! Ninguém tinha chegado, apesar de que a ideia original era marcar para uma hora mais cedo ainda do que aquela. Logo o carioca foi chegar antes dos alemães, quem diria...

Depois vieram Lara, suas irmãs, e um animado rapazinho chamado Peter, filho de uma delas. O bebezinho mexia em tudo, e deu sinais de que trabalhará futuramente com comércio ou investimentos, tamanha a vontade de tirar o dinheiro da carteira da mãe. Muito engraçado! Depois chegou um amigo de curso de inglês da Lara, gente-fina. Bebemos vinho, ouvimos música e... abrimos os guarda-chuvas! Começou a cair o maior pé-d’água! Ainda assim, resistimos até o show acabar.

Fazia parte do Museumsuferfest, um festival artístico e cultural semelhante à Noite dos Museus que descrevi no Kapitel XXXVI. De lá, seguimos caminhando pela rua que margeia o rio Main, onde nos encontramos com o namorado de Lara, chamado Jens. E mais álcool! Bebemos uns chazinhos aditivados com água que passarinho não bebe e, depois, fomos a um bar. Lá, chegaram Xenia, Maryhen e o namorado dela, Jens (Jens não é, definitvamente, um nome muito incomum na Alemanha), e a alemã filha de pernambucana chamada Ana (ela apareceu no Kapitel CV).

Lá, bebemos Apfelwein, o vinho de maçã, que é uma tradição em Frankfurt (especialmente no bairro de Sachsenhau- sen, onde estávamos, do outro lado do rio Main). Aliás, aproveitei para ter uma refeição totalmente frankfurtiana. Além do Apfelwein, pedi um Frankfurter Schnitzel, que é um filé de porco com Grüne Soße, um molho verde à base de ervas da região. É o prato mais típico de Frankfurt, e também encontrado mais facilmente em restaurantes em Sachsenhausen. Eu acho gostoso, e estava com saudade de comer isso (sobre a vez anterior em que tinha comido o Frankfurter Schnitzel, ver Kapitel XL).

Depois, demos mais uma volta e encontramos meu amigo Vítor. Havia várias barraquinhas e palcos. Eu, Lara, Xenia e o amigo de Lara dançamos em uma tendinha de música disco das antigas e em outra de salsa e ritmos latinos. Além disso, eu e Vítor mandamos ver na cerveja de trigo. Foi uma noite divertida, mas minha programação frankfurtiana não acabaria ali.

Já na noite seguinte, haveria a festa de despedida de Fabian, que fará um intercâmbio na Letônia. Por que Letônia? Boa pergunta, eu também o questionei sobre a mesma coisa, e a resposta não foi muito satisfatória. Ele não fala nada de letão, espera conseguir se virar exclusivamente em inglês, e lá não é nenhum centro em que ele tenha contatos ou que seja especialmente forte nos temas que ele estuda.

Fabian me disse que queria ir a um lugar diferente. Bem, se a ideia era essa, como disse um amigo brasileiro chamado Flávio, ele poderia ter ido fazer intercâmbio em alguma ilha paradisíaca do Pacífico, não é? Dizem que Riga, capital da Letônia, é bonita, mas ele estará lá em pleno inverno! Para vocês terem uma ideia, Fabian precisou comprar um casaco de frio, daqueles com pele de animal, porque os que ele tinha não eram suficientes para a friaca que ele encontrará lá. Vejam bem: Fabian é alemão, bávaro, e mora em Frankfurt, não estamos falando de nenhum latino ou africano dos trópicos!

Bem... cada louco com a sua mania. Apesar do aparente parafuso a menos, Fabian é um cara legal e eu fazia questão de ir a sua festa de despedida. Seria realizada na casa de um amigo dele chamado Björn, que também ia estudar fora (no e-mail de convite dizia que seria “lá onde os deuses vivem”; pelo nome dele, portanto, suponho que seja na Suécia ou algo assim). Aliás, a festa incluía entre os homenageados ainda uma terceira amiga deles, Elena, que fará o intercâmbio em Moscou.

Os exotismos geográficos não acabavam. Um dia depois de voltar de trem conversando com uma eritreia (ver Kapitel CIX), na festa de meu amigo que vai se mudar para a Letônia falei com pessoas de lugares que achei que nunca estariam mais próximos de mim do que quando eu olho um mapa-múndi. Primeiro, conversei com um alemão que falava português bem direitinho. Por quê? Porque o pai dele é de Goa! Não era brasileiro, português ou angolano... era indiano de Goa! Não é todo dia que se encontra alguém de Goa, não é? Ou filho de alguém de lá, que seja...

Depois, passei um tempo considerável conversando com uma moça chamada Olga. Amiga de Elena, ela também vai à Rússia. Estuda economia, espanhol e russo (?!). Sim, isso é o tema de um curso de graduação, por mais estranho que possa parecer. Perguntei-lhe o porquê e ela me disse que também não era alemã. Era cazaque! Veio aos cinco anos para a Alemanha, e sua língua materna é russo. Ela e seus pais não falam cazaque. Ela me explicou que o regime soviético não incentivava muito que as pessoas falassem outras línguas que não o russo, de modo que sua família não sabe o idioma próprio do Cazaquistão. Como ela estuda espanhol, tem amigos brasileiros e adora música baiana (?!), sabe falar um pouco de português e adora a sonoridade da língua de Camões.

Fui ficando na festa. Quatro cervejas, dois copinhos de tequila, um de vodca... Era bem mais do que eu esperava... Fabian foi embora, mas eu continuei lá, apesar de não conhecer nenhum dos presentes até então. Havia umas oito pessoas quando eu resolvi, por curiosidade, olhar o relógio. Eram cinco e meia da madrugada! Em estado de choque, eu me despedi de todos os sobreviventes e voltei para casa. Precisava dormir! No dia seguinte, domingo, eu teria mais um evento pela frente.

Fui com Vítor, Filipe, Fiorina e Brunela ver a ópera “O casamento de Fígaro”, de Mozart, na Neue Oper, localizada em frente à Willy-Brandt-Platz. Foi divertido: os ótimos cantores, trajados com figurinos engraçados, contracenavam em um cenário giratório. Só não deu para entender muito da rápida história das bodas de Fígaro, cheia de reviravoltas e confusões. É que uma ópera cantada em italiano com legenda em alemão não é exatamente a combinação mais compreensível para mim.

Mas, no intervalo entre os atos, Filipe e Brunela, que entendiam melhor, deram uns palpites e deu para não boiar muito. Filipe brincou que a história era meio “A Grande Família”, meio “Os Normais”. Poderia ser ainda mais complicado de se entender, é claro, como, por exemplo, se a ópera fosse cantada em mandarim com legendas em swahili... Mas depois de conhecer gente da Eritreia, de Goa e do Cazaquistão, isso já seria demais, não é mesmo?

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