Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


quinta-feira, 29 de julho de 2010

Kapitel C – A Torre, os Tomos e o Baile

Este é o centesimo Conto Fantástico. Trata de terça-feira, um dia de busca na biblioteca em que acabei dançando. Literalmente, aliás. Acabaram minhas aulas na Universidade de Frankfurt, mas isso não significa que terminaram minhas obrigações acadêmicas. Terei um curso de verão em Bruxelas em setembro, para o qual preciso enviar um artigo até o final de agosto.

Resolvi, então, buscar alguns textos na biblioteca da universidade, para ver se me davam pistas sobre que tipo de dados seria interessante de se obter. Procurei no sistema on-line da biblioteca textos do dinamarquês Esping-Andersen e do catalão Carles Boix. Encontrei os três livros do Esping-Andersen que eu buscava, além de um do Boix.

Este último eu deveria pedir on-line, e, algumas horas mais tarde, passar lá para pegar, no prédio da biblioteca perto de Bockenheimer Warte. Já os de Esping-Andersen não poderiam ser retirados, mas eu poderia ir consultá-los na “torre”, edifício onde tive aulas de Politica Comparada, que fica ao lado de onde estão localizadas as salas do instituto de ciência política (ou seja, ao lado do prédio FLAT, que deu o nome ao nosso vitorioso time de futebol; ver Kapitel XCI).

Parti, então, inicialmente para o décimo-sétimo andar da “torre”. Li no balcão da entrada um aviso aparentemente sobre alguma proibição relacionada ao laptop, que não entendi bem. Não compreendi perfeitamente, mas o suficiente... Como eu já tinha apurado antes, pode-se ir lá sem problemas com o laptop, mas, para minha desagradável surpresa, o aviso indicava que o mesmo não valia para a bolsa do laptop.

Isso tem a ver com uma coisa que me chocou logo de cara aqui na Alemanha (tanto que abordei tal fato no Kapitel IX): enquanto, por um lado, eles não fiscalizam um monte de coisa, supostamente por confiarem uns nos outros, por outro às vezes se preocupam com besteira. É o medo de roubarem a caneca na cafeteria, é a preocupação que os alunos furtem livros da biblioteca escondendo-os na bolsa do laptop... É tão mesquinho isso!

Eu não tinha uma bolsa, apenas uma capa de proteção para o computador. O funcionário da biblioteca disse que ela também não podia, e que eu precisaria guardá-la no locker. Fui colocá-la, então, mas ele não fechava. O rapaz disse que era preciso pagar dois euros para fechá-lo. Naquele momento eu fiquei realmente contrariado. Cheguei a pensar em ir embora da biblioteca. Dois euros para guardar uma capinha fininha de laptop porque suspeitam que vamos roubar livros?! Perguntei: “Preciso mesmo colocar ali a capa?!” O funcionário, sem-graça com o absurdo da situação, mudou de opinião e disse que eu não precisaria, que bastava colocá-la numa cestinha.

Enfim, consegui entrar na biblioteca! Mas a saga apenas começava. Um dos livros estaria naquele andar, enquanto para ver os outros dois eu precisaria subir uma escada. Lá, cada um procura os livros com os respectivos códigos por conta própria, e eu não conseguia encontrar o primeiro deles de forma alguma. Fui, então, para o outro andar e, após algum esforço, encontrei os dois livros, que fiquei pesquisando. Acabada essa missão, desci as escadas e pedi àquele funcionário para encontrar o livro para mim. Ficou claro que não era desatenção minha: ele buscou em cinco estantes diferentes, e nada. Depois, olhou uma pilha de livros no balcão, e também não estava lá.

Ele me disse, então, que o livro estava emprestado. Mas espera aí! Esse não era um dos livros que não podem ser emprestados, que não podem sair da biblioteca? Além disso, por que ele foi concluir que estava emprestado não depois de consultar o sistema, mas depois de procurá-lo e não achá-lo? Tudo muito esdrúxulo.

Restou-me, então, ir à biblioteca perto da Bockenheimer Warte, para pegar o quarto livro, aquele que eu tinha clicado no botão do site para reservá-lo. Ao chegar lá, a funcionária me disse que já estava reservado. Imaginei que fosse a minha reserva, por ter solicitado o livro pelo site, e pedi para que ela conferisse. Pois não era. Apesar de o site indicar que o livro estava livre e ter mudado de status somente depois que eu cliquei, a reserva estava em nome de outro. E pior: até janeiro! Mais de uma pessoa já me perguntou, assombrada: e se pode reservar por tanto tempo? Bem... pelo visto, pode... não sei se todo mundo, mas alguém pode...

A biblioteca, portanto, foi menos proveitosa do que eu esperava. E mais uma vez a burocracia alemã mostrou suas peculiaridades. Tentei reservar o livro mas acabei dançando. Aliás, horas depois seria a vez de dançar literalmente. Marhyen, a venezuelana, e Lara, a alemã que fala um perfeito português da Bahia, me chamaram para ir a um bar onde tocam salsa, bachata e merengue. Já era a terceira vez que me convidavam; na primeira eu não tinha ouvido o celular e só fui ver o recado dois dias depois, e na última eu estava em Berlim. Desta vez, não havia escapatória: teria que medir quão vexatório seria o meu desempenho na pista.

Até que não foi dos piores. Danço mal, mas dançar mal para um brasileiro é equivalente a dançar razoavelmente para um alemão. Os caras, em geral, são muito duros, passam mais tempo contando os passos do que ouvindo a música. O bar estava cheio de estrangeiros, muitos deles latino-americanos. E os que dançavam melhor eram os que menos pareciam alemães. Do nosso pessoal, estavam lá também o namorado de Marhyen (chamado Jens; não confundir com meu professor e amigo), Xenia, Lucia e Nikolai.

Um suposto minicurso de dança, que durou cinco minutos e com o qual não aprendemos nada, custou três euros de cada um. Mas está tudo bem, cada dia o bar inventa uma desculpa diferente para cobrar os três euros; na verdade, é o preço da entrada, mas eles não querem dizer. O bar nem foi tão caro, e os coquetéis estavam a quatro euros, 2,50 abaixo do valor do cardápio.

Acho, sim, que o bar devia ser menos quente e, claro, falhas no som, como as que aconteceram, não são aceitáveis em um bar de dança. Mas como posso reclamar? Pelo menos ninguém ficou desconfiando, como na biblioteca com os livros, que esconderíamos os copos ou as caixas de som dentro da bolsa...

domingo, 25 de julho de 2010

Kapitel XCIX – Ali Babá e o Espectro

Vivemos em uma sociedade capitalista. Já era para, após três décadas, eu ter me acostumado a isso, talvez, mas ainda me choco (a propósito, ver Kapitel LXXVII). Quando eu ia de trem a Berlim (ver Kapitel XCV), uma senhora com cara de rabugenta – e, pelo visto, com jeito de rabugenta também – resmungou com uma família que estava sentada próxima a mim que aquele era o seu assento. Causou-nos estranheza, afinal, ninguém tinha dito para eles nada de numeração de lugares. A mesma situação tinha ocorrido comigo na França. Quase todo mundo no trem se senta em qualquer lugar vago mas, de vez em quando, aparece alguém – sempre com cara de poucos amigos – reivindicando ser o seu assento e expulsando quem estava viajando tranqüilamente.

A família começou a buscar o número de seus assentos, e nada de encontrá-los. Tentei ajudar mas também não achei. Aliás, não encontrei número nem mesmo na minha própria passagem. Foi então que o pai da família perguntou ao controlador e ouviu a seguinte resposta: os assentos, a princípio, não têm número, mas como pode ser que o trem encha e não tenha lugar para todo mundo, é possível reservar um lugar pagando-se apenas cinco euros a mais. Não é fantástico?! Eles vendem a garantia para o passageiro de que ele não viajará em pé, como se o preço da viagem fosse uma bagatela.

Marx disse que um espectro rondava a Europa, o espectro do comunismo. Pois hoje, o espectro do capitalismo, em meio a todas as escandalosas crises, está totalmente assentado. Aqui, os bancos sempre mandaram. E trabalham muito mal, como tenho deixado claro nestes Contos Fantásticos quando trato do drama da minha bolsa – que, acredito, está a poucos dias de se resolver (ver, por exemplo, Kapitel LXXVIII e XCIV). Por exemplo, já requisitei três vezes que o Postbank me devolvesse quinze euros que foram descontados da minha conta corrente devido ao envio de um segundo cartão; afinal, não perdi o primeiro, ele simplesmente jamais chegou à minha residência por culpa do correio.

Todas as vezes eles dizem que me devolverão a grana, mas minha conta segue com quinze euros negativos. Sim, porque, por uma série de trapalhadas, até hoje não entrou dinheiro na minha conta corrente alemã. Na última vez em que fui ao banco reclamar, disse exatamente isto: que eu desconfiava que não tinham devolvido o meu dinheiro porque minha conta estava vazia, pois se estivesse cheia da nota eles teriam muito mais respeito por mim.

Outra coisa que me impressionou quando cheguei aqui foi a questão dos conglome-rados. Cedo percebi que não poderia continuar comprando no pequeno mercadinho dos turcos, pois era mais caro, e me rendi ao supermercado Rewe (ver Kapitel XXX).

Pois logo conheci também quais eram os produtos baratos. E há um atalho: se a marca é “Ja!”, o produto é barato. Dessa marca são as garrafas de litro e meio de água mineral que sempre compro, a vinte cêntimos, contra cinqüenta ou mais das concorrentes. Os queijos, salames e outros frios (Würste) geralmente também são. Outro dia, olhei na geladeira e constatei que o suco de laranja de caixinha do Manfred também era Ja!.

Até aí, tudo mais ou menos coerente. Mas fiquei assustado quando fui comprar o papel higiênico da casa e vi que a marca mais em conta era... Ja!. Papel higiênico?! “Ja!” era! Não demorou muito para que eu visse à venda também guardanapos Ja! e, no caixa, na hora de pagar, isqueiros Ja!. Que Google ou Micro$oft que nada, o Ja! vai dominar o mundo!

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Kapitel XCVIII – Os Dois Templos

Meu último dia em Berlim foi de muita correria. Florian havia marcado a Mitfahr-gelgenheit (o esquema de carona, que sai muito mais barato que viajar de trem) para mim às 18 horas, e eu ainda queria, antes, ir a pelo menos dois lugares: Charlottenburg e Scheunenviertel. O primeiro é um bairro da antiga Alemanha Ocidental, enquanto o segundo é um antigo bairro proletário que era onde havia a maior concentração de população judia na cidade.

Comecei por Charlottenburg, que, na verdade, é bem menos interessante do que a parte leste de Berlim. É marcante a quase ausência de prédios antigos, anteriores à Guerra. Muito legais, no entanto, são a área da praça Breitscheidplatz e da igreja Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche. Por esses dois lugares – especialmente pelo último –, um localizado ao lado do outro, a ida a Charlottenburg é obrigatória para quem vai conhecer Berlim.

A Breitscheid- platz conta com uma fonte e várias estátuas, todas bastante modernas e estilizadas. Não é que sejam muito bonitas, mas é impossível ficar indiferente a elas. Realmente chamam a atenção. A grande quantidade de turistas ali é que me incomodava um pouco; Berlim atrai muito mais turismo do que eu supunha.

A Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche é impressionante. Trata-se de uma igreja que não foi reconstruída após a Segunda Guerra, mas que foi duramente afetada por ela. O templo, portanto, preserva as marcas do bombardeio e está parcialmente em ruínas. Dentro, uma mensagem diz que é para que as pessoas nunca se esqueçam de que o melhor meio de resolver as coisas é pela paz. A entrada lá é gratuita, e estão expostos vários objetos religiosos e de exaltação ao imperador Wilhelm II, que mandou que a construíssem na década de 1890 e lhe deu o nome de seu avô (o Wilhelm I). O teto preserva, ainda que incompletos, lindos mosaicos, com grande presença da cor dourada.

A velha e machucada igreja já não funciona mais para atividades religiosas (tornou-se um memorial). Para isso foi construído entre 1959 e 1963, ao lado, um templo moderno anexo. Completamente diferente, é um lugar, a seu modo, também intrigante. Por fora, parece um prédio comum. Por dentro, é um templo negro com vidro índigo. Uma imagem moderna estilizada de Jesus Cristo na cruz aparece no altar, enquanto, no outro extremo, localiza-se, no alto, um órgão.

Os demais lugares que vi em Charlottenburg não merecem o mesmo destaque. E eu também esperava mais do outro bairro, Scheunenviertel. Para um bairro judeu, acho que faltam muitas referências. Nada a ver com o bairro judeu de Paris, vizinho ao Marais, por exemplo. É claro que há um motivo um tanto óbvio para o desaparecimento dos pontos de cultura judaica. Ainda assim, acho que, nos que existem, deveria haver mais claras sinalizações e destaque.

Passei pelo cemitério, pelo centro de cultura, por alguns outros pontos, tudo excessivamente discreto, na minha opinião. Algumas referências presentes no livro-guia eu nem mesmo consegui encontrar. O que realmente chamou a atenção é que todos os pontos de cultura e importância histórica para os judeus tinham câmera de vídeo e uma placa avisando que eram policiados. Não tive o desprazer de ver neonazistas, mas é fato que eles existem.

Um lugar em Scheunenviertel, no entanto, merece ser destacado. É a Neue Synagoge, que eu já havia visto com o Florian no primeiro dia de bicicleta (ver Kapitel XCVI). É um dos templos mais belos que já vi e, entre as sinagogas, é de longe a mais bonita que avistei na minha vida. Só não pude entrar. Berlim é muito grande, é preciso muito tempo para conhecer tudo. Ficam para a próxima vez a entrada na Neue Synagoge e a ida ao Estádio Olímpico e ao Palácio Charlottenburg (estes dois últimos eu queria muito conhecer, mas ficam meio longe).

Voltei a tempo de fechar minha mochila e chegar pontualmente no local marcado para pegar a “carona”. Era meio afastado, um cinema perto da estação de Seestraße, de modo que me obrigou a pegar três trens diferentes. Nos dois primeiros, foram trechos curtos de viagem, mas no terceiro atravessei quinze estações! Ainda assim, cheguei na hora exata. Só que a motorista não estava lá.

Esperei um pouco e uma mulher perguntou se eu era o passageiro. Respondi afirmativa- mente e ela me levou ao carro, onde havia outras duas passageiras. Eu não teria nunca como adivinhar: o carro era prata, mas o Florian havia entendido que ela tinha dito preto. E olha que as palavras são bem mais diferentes em alemão do que em português: “silber” e “schwarz".

Na volta, apesar do GPS, ela se enrolou para achar Frankfurt. O resultado é que cheguei uma hora e meia depois do previsto. Ao colocar o pé diante do meu prédio, tive a desagradável surpresa de que perdera minha chave de casa. Precisei tocar a campainha e acordar o pobre do Manfred, já quase à meia-noite. Já procurei por toda parte nada de achar a chave. Florian também não a encontrou no apartamento em Berlim. Se ela não aparecer, terei um baita prejuízo para mandar fazer outra. É alto o preço de ter cabeça-de-vento.

Kapitel XCVII – Casinhas de Tijolos, Cortina de Ferro

Na terça-feira, saí com Florian para comprar alguma coisa para o café-da-manhã. Eu vestia uma camiseta azul que comprara no dia anterior, com a inscrição DDR (sigla para República Democrática da Alemanha) e o brasão da antiga Alemanha Oriental. Era, afinal, a primeira vez que visitava a parte leste do país, onde fica não apenas o bairro onde mora Florian – Neu Köln – como também Potsdam, que eu visitaria mais tarde. Usava a camiseta não por apoiar o repressivo regime que vigorou no extinto país, mas simplesmente porque gosto do símbolo e era minha primeira vez lá (eu vestiria também uma camiseta do antigo Zaire ou da Coreia do Norte, se fosse o caso...). Todos que me conhecem sabem que sou de esquerda sim mas, também, um defensor da democracia representativa parlamentar eleitoral. Entretanto, esse não era o caso de um senhor que passava pelo quarteirão do prédio de Florian...

O homem começou a gritar comigo, furioso. E eu não entendia nada! Depois, Florian me explicou que ela reclamava que aquele “era um regime injusto”. Acredito que tenha sofrido bastante antes da queda do muro, perdendo parentes, ou sendo preso. Caso contrário, não se justificaria uma reação tão impressionante. As feridas da cortina de ferro ainda estão abertas. Florian respondeu algo que não entendi mas, pelo tom de voz, devia significar algo entre “pega leve, deixa de besteira” e “vai catar coquinho”, e seguimos em frente.

Tomamos o café, mostrei a ele dois curta-metragens no meu laptop (o clássico “Ilha das Flores” e o ótimo alemão vencedor do Oscar do não passado, “Spielzeug-land”) e saí para a viagem. Peguei, então, o trem para Potsdam, capital do estado de Brandemburgo. Próxima de Berlim, trata-se de um tradicional ponto de visitação para turistas que estão na maior cidade da Alemanha. Residência dos reis da Prússia até 1918, Potsdam é conhecida por seus jardins e palácios. Além disso, lá funciona a universidade onde Jens lecionava quando foi meu professor no mestrado no Iuperj. E também lá Florian cursou o Diplom (sobre os tipos de cursos na Alemanha, ver Kapitel XXVIII).

Quando chego à ferroviária, vejo a exibição de vários enormes bonecos de monstros mitológicos, alguns bem-feitos, outros constrangedo- ramente ridículos. Começo a passear por Potsdam, que tem uma cara de cidade pequena, bem diferente de Berlim ou Frankfurt. Passei pelo Portão de Brandemburgo (bem menos imponente que seu homônimo em Berlim) e pela área do Alter Markt. A primeira coisa que me impressionou, no entanto, foi a grande quantidade de casinhas de tijolos. Há ruas inteiras com casas assim. Depois vim a saber pela Wikipedia que se trata do “quarteirão holandês”, que reúne 150 casas e é o único do tipo na Europa.

Andei muito até chegar ao Parque Sanssouci, a área mais bela da cidade. Só que o parque é mal sinalizado e o meu mapa resumido também não ajudava (muito menos o meu senso de direção). Então, andei erraticamente, conhecendo os pontos totalmente fora de uma ordem geograficamente racional. Vi os palácios Neues Palais, Orangerieschloss e Schloss Sanssouci. O primeiro, apesar de, oficialmente, só não funcionar às sextas-feiras, estava fechado ao público em plena terça! O segundo eu pude visitar e, após tirar algumas fotos, fui avisado pela guia que eu precisava comprar o direito de fotografar (?!); tive, então, que guardar novamente a câmera. O terceiro, já estava fechado quando passei por lá.

Vi ainda a – muito dourada – Chinesisches Teehaus (Casa de Chá Chinesa), o Neptune Grotto, o obelisco, o Historische Mühle (moinho histórico) e a Igreja da Paz (Friedens-kirche), perto da qual um grupo de cisnes tranqüilamente repousava. Mais bonitos do que todos os palácios são os jardins que os cercam e seu conjunto de estátuas e piscinas. Na volta, já com pressa, passei ainda pelo Heiliger See (ou lago sagrado), onde do outro lado da margem se podia avistar o palácio de mármore, e pelo Tiefer See, onde havia barcos a vela e pescadores.

A volta não foi tranqüila. A viagem dura uns quarenta minutos, mas levei muito mais tempo. O transporte público em Berlim, apesar de eficiente, é mais complicado que o de Frankfurt (Florian não concorda, mas acho que é pela implicância que os alemães não-frankfurtianos têm com a cidade). Como se não bastasse a loucura que são suas nove linhas de metrô U-Bahn e as quinze de trem urbano S-Bahn (diferentemente de Frankfurt, onde as linhas de metrô são as centrais e os S-Bahn levam para áreas mais afastadas, em Berlim são os S-Bahn que atravessam a cidade de leste a oeste, enquanto os U-Bahn levam para norte e para sul nos mais variados pontos), ainda por cima todos os mapas da rede de transporte público chamam a estação central de Lehrter Stadtbahnhof, apesar de, lá, todas as placas a chamarem de Hauptbahnhof. Adivinhar fica difícil, não é?

Eu estava meio que cochilando quando vi que tinha chegado à estação central de Berlim. Saltei, mas não sabia que trem pegar para ir à linha 8 de metrô, que é a que leva à casa do Florian. Telefonei para meu amigo-anfitrião, que, após breve pesquisa na internet, indicou-me um trem. Estava em frente a ele, quando, subitamente, mudaram a destinação do trem e avisaram pelo alto-falante alguma coisa que eu não tinha a menor chance de compreender. Eu estava ferrado! Tentei ligar novamente para Florian e percebi que meus créditos tinham acabado. Eu teria que resolver essa parada sozinho.

Pesquisei muito até que, após perguntar a dois policiais, eles me indicaram o trem urbano S-15. Chegando à plataforma, vi que havia um trem que iria para a estação de Bellevue e outro para a de Friedrichstraße. Achei estranho. Afinal, tratavam-se das estações seguintes em cada um dos sentidos. Deduzi que, como não era possível que o trem andasse apenas mais uma estação, já que havia muitas para os dois lados, eles simplesmente estavam indicando os dois sentidos, só que mencionando as estações seguintes em vez das estações finais. Deduzi errado, era possível sim... Chegando à Friedrichstraße, ouvi pelo alto-falante que aquela era a estação final daquele trem, e que eu precisaria descer. Ou seja, tive ainda que pegar mais dois trens para voltar. Cheguei duas horas depois de sair de Potsdam.

Apesar de exausto, a noite ainda demoraria a acabar. Eu e Florian saímos com Rocco e Jacqueline, companheiros de apartamento dele. De bicicleta, é claro! Fomos a um bar chamado pelo peculiar nome Tristeza. Lá bebemos cerveja e uma versão de Blood Mary chamada Mexikaner, e jogamos totó (chamado Kicker por aqui). Florian me disse que, em Berlim, todos são, no mínimo, semiprofissionais em totó. Por sorte, jogamos quase todas as partidas entre a gente. Quando fomos enfrentar os caras, não deu nem para a saída. Vencê-los é mais complicado do que andar de bicicleta (sobre as bicicletas, ver o Kapitel anterior).



As imagens de Potsdam.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Kapitel XCVI – As Bicicletas de Berlimville

Quando se fala sobre algo que nunca se esquece, diz-se que é como andar de bicicleta. Só que esta é uma meia verdade. De fato, nunca se esquece como se anda de bicicleta, mas o tempo de inatividade tem um inegável impacto sobre o desempenho do ciclista.

Como eu narrei no Kapitel XX, as pessoas vão a todas as partes de bicicleta na Alemanha (e, quando estive na França, vi que lá não é diferente). Quando cheguei a Berlim, portanto, meu amigo e anfitrião Florian me emprestou sua bicicleta, pegou a de sua namorada, e nos pusemos a pedalar. Ele assegurou que não há melhor forma de conhecer a cidade do que sobre duas rodas. E assim me apresentou os principais lugares de Berlim nos meus dois primeiros dias lá.

Só que fazia anos que eu não pedalava. Foi, portanto, um relativo desastre. É verdade que melhorei um pouco ao longo desses dias, e também que fui capaz de segui-lo. Mas era surreal o tempo que eu levava para conseguir subir na bicicleta (que me parecia excessivamente alta, apesar de Florian, seu proprietário, ser mais baixo que eu) e sair pedalando. Pior foi quando eu me estabaquei na rua ao prender a roda no trilho do bonde. Lamentável...

Mas foi divertido. Passamos pelo Checkpoint Charlie (local onde as tropas russas e estadunidenses se encontraram e quase entraram em conflito), pelo parlamento Bundestag, pela sede do governo Bundes-kanzleramt (apelidada popularmente como máquina de lavar, devido a sua aparência), pelo Portão de Brandemburgo (havia tantos turistas que me senti como se estivesse em Paris; odeio outros turistas que não eu!), pela rua Unter den Linden, pelo Deutscher Dom e pelo Französischer Dom, pela Catedral de St. Hedwigs, pela Universidade Humboldt, pela estátua de Frederico o Grande, pela Ilha dos museus (Museumsinsel), pela Neue Synagoge (certamente, a sinagoga mais bonita que eu já vi!) e pela East Side Gallery, que reúne pinturas em uma parte não destruída do muro de Berlim. Depois, nós nos encontramos com vários amigos do Florian, todos muito bacanas, no bairro alternativo de Kreuzberg. A ideia era almoçarmos uma comida preparada por alguns deles em um restaurante lá – mas estava tão cheio que acabamos matando a fome no árabe do outro lado da rua mesmo.

No dia seguinte, eu e Florian fomos ao espetacular Pergamon-museum, onde estão expostas várias obras mesopotâ-micas, islâmicas e gregas. É realmente incrível ver pessoalmente esculturas e mosaicos que pareciam não poder ser contemplados fora dos livros. Em todo o mundo se podem ver – sejam eles melhores ou piores – museus de arte moderna, de esculturas, de história natural, de pinturas, de folclore... mas um museu como o Pergamonmuseum é muito raro!

Situado na Ilha dos Museus, o Pergamonmuseum não apenas apresenta esculturas, joias, tapeçarias e estátuas como reconstrói vários locais, como a magnífica Porta de Ishtar, o Altar de Pérgamo e a Porta do Mercado de Mileto (os dois últimos, ambos do século II a.C., foram extraídos em escavações arqueológicas e transportados da Turquia no começo do século XX; é questionada a legitimidade de sua posse pelo museu e se argumenta que deveriam voltar para seu país de origem). A Porta de Ishtar, da antiga Babilônia, é sem dúvida o que mais me impressionou: até vendo em fotografias nos livros eu sempre babei com seus tons de azul e dourado e imagens de leões, dragões mushhushshu (ser mitológico com as pernas dianteiras de felino e as traseiras de águia), touros e flores.

Depois, fomos com dois dos amigos de Florian – Johannes e Mulan – comer hambúrgueres. Johannes, que fala bem português, já morou em Belo Horizonte, onde estudou ciência política. Bebi pela primeira vez a cerveja inglesa Newcastle Brown Ale; o preço estava bom e eu queria experimentar. Nada contra as cervejas alemãs, até porque também bebi nessa viagem a Flensburguer, a Krombacher, e provei a de trigo Schneider Weisse, a escura Märkischer Landmann, e as locais Berliner Kindl e Berliner Pilsner – esta última inferior a anterior, mas também tomável).

Lá no restaurante, pegamos um jornal e nada de Johannes e Florian encontrarem a programação de cinema. Surpreenden- temente, eu, que falo um pífio alemão, peguei o jornal e rapidamente encontrei! Fomos, então, a um cinema ao ar livre em Kreuzberg, só que o filme que estava passando não era o planejado. Vimos “Same, same, but different”, um filme alemão sobre um turista germânico que se apaixona por uma prostituta cambojana. Não consegui entender os diálogos em alemão, mas deu para entender bem a história porque havia muitos trechos falados em inglês (que contavam com legenda em alemão).

Na segunda-feira, Florian ficou em casa para adiantar seu projeto de tese. Saí, então, sem bicicleta (imaginem que perigo – para mim e para as demais pessoas – eu, sozinho, circulando de bicicleta por uma cidade que não conheço!). Voltei a alguns lugares onde tinha estado antes para tirar fotos, como o Bundestag, a “máquina de lavar” e a East Side Gallery. Tinha planejado entrar no Bundestag, de onde, lá do alto, tem-se uma bela vista. Na véspera, havia uma fila que, segundo Florian, duraria uma hora e meia. Ele achava que seria tranqüilo que eu visitasse o parlamento no dia seguinte. Mas estava enganado: a fila estava três vezes maior! Desisti, é claro. Mas tinha muito mais lugares para conhecer.

Fui ainda ao Deutscher Dom, de onde, do alto da cúpula, pode-se ter uma bela vista da cidade. Em seguida, comi uma Currywurst. Já a havia provado em Frankfurt e não tinha gostado. Como é típica de Berlim, dei uma segunda chance. Estava melhor do que a que comi em Frankfurt, mas ainda acho que há opções bem melhores de comida na Alemanha.

Visitei, depois, o Museu Histórico, que tem muita coisa interessante. Merecem destaque os pôsteres políticos dos anos trinta – que mostram a tensão daquelas eleições envolvendo nazistas, social-democratas, comunistas e centristas – e os brinquedos infantis com motivos nazistas, como uma casa de bonecas com a foto de Hitler na parede! Andei bastante e passei pelo Nicolaiviertel, área muito diferente, que parece uma cidade do interior. Lá, tomei uma sopa de Gulasch e comi um sanduíche de Berlin Bratwurst.

Tinham se passado três dias de maratona na capital alemã. No dia seguinte, eu iria a Potsdam, a 24 quilômetros de Berlim. Ainda havia muito o que conhecer. E mais quilômetros para percorrer de bicicleta!

domingo, 18 de julho de 2010

Kapitel XCV – Antes de Partir

A última sexta-feira foi um dia de encerramentos. Primeiro, pela manhã, após faltar, por diferentes razões, as últimas cinco ou seis aulas de alemão, fui ao campus de Westend para assistir à última. A aula foi curta e, ainda assim, entendi tanto quanto na maioria das aulas anteriores: ou seja, não entendi nada! O professor distribuiu certificados; os alunos os pegavam em branco, preenchiam seus nomes e os davam para que ele assinasse. Eu não quis o meu. Não preciso de nenhum comprovante de proficiência em alemão, sigo longe de tê-la, não aprendi basicamente nada no curso e ainda faltei à beça no final.

Depois da aula, estudei um pouco e almocei com João Guilherme, o italiano Jan e outros amigos deles. Os dois me chamaram para um piquenique que ocorreria no Grüneburg-park, à noite. Segundo João, seria mais um “Trinknik”, pois beberíamos (“trinken”) muito mais do que comeríamos.

Tomei um café com o pessoal – pelo menos o que sobrou depois que deixei um bocado do meu cair no chão – e segui para o outro campus, o de Bockenheim. Seria a última aula do curso Politik und Gesellschaft in Brasilien, em que fui assistente do Jens. Não sei se por estar cansado, mas, apesar da afinidade com o tema, entendi ainda menos do que de costume o que todo mundo dizia. O resultado foi que entrei mudo e saí calado dessa última aula de política brasileira. No balanço do final do curso, um dos alunos chegou a comentar que achou muito bom haver um brasileiro ajudando na aula, e todos os alunos demonstraram concordar com ele. Isso é legal, mas sei que certamente eu teria sido muito mais útil e ajudado bem mais se compreendesse tudo o que foi dito na aula ao longo do semestre. Mas tudo bem, nada é perfeito, fiz o melhor que pude.

Depois da aula, Jens convidou a todos para irmos ao bar Albatros para bebermos alguma coisa e conversarmos. Foi ótimo, uma parte considerável da turma compareceu, inclusive alguns alunos com quem não tive contato – os sempre presentes Lara, Xenia, Lucia, Nikolai e Maryhen também foram, é claro. E, como descobriram recentemente a existência destes Contos Fantásticos, devem estar comentando o fato de seus nomes terem sido mais uma vez mencionados.

Voltei para casa, tomei um banho e, obviamente, eu me atrasei. Havia marcado de me encontrar com João Guilherme às 8h20 na estação de metrô da Hauptwache para, de lá, irmos nos encontrar com os demais em Bockenheim – exatamente o bairro onde eu havia estado uma hora mais cedo! Eram umas 8h15 e eu ainda estava em casa. Telefonei avisando que não chegaria a tempo; ele disse que esperaria e brincou que estava com saudade da pontualidade brasileira.

Nós nos juntamos ao Jan e, depois, aos demais. Os planos foram mudando. Ninguém foi a parque algum, acabamos todos ficando mesmo no pátio do alojamento universitário. Também não era propriamente o que eu chamaria de piquenique. Era o que, no termo técnico utilizado no Brasil, denominaríamos “farofada”. Além de muita cerveja, o povo chegava com vasilhas cheias de comida, com uma misturança danada.

Esta foi, possivelmente, a maior aglomeração de pessoas que se conheciam que eu vi desde que cheguei na Alemanha. Estavam lá todos os milhões de italianos do curso de alemão, além de pessoas das mais variadas partes, como Hungria, Polônia, França, Coreia do Sul... O motivo da reunião era a despedida de um dos italianos, Paolo, que voltaria no sábado para seu país. Até o hino da Itália o pessoal cantou!

O plano era, depois, irem a uma boate, CafeKoz. Desde o início decidi que eu não iria, pois viajaria para Berlim no sábado de manhã. Na verdade, só saí naquela noite porque imaginei que seria algo leve e que acabaria cedo. Só que saí bem tarde, fiquei lá até uma e meia. Fui embora preocupado se ainda haveria metrô funcionando. Não havia. Desde que comecei a comprar os bilhetes mensais de transporte público, fiquei mais preguiçoso e faço muito menos coisas a pé, sempre pegando o metrô. Fazia tempo, portanto, que não trilhava a pé o percurso de Bockenheim até Dornbush, onde moro. Coube-me fazê-lo de madrugada. Por sorte Frankfurt é uma cidade muito segura e, apesar de minha lendária desorientação, consegui me lembrar de várias referências e achei o caminho até minha casa.

Não sei por que, quando tenho uma viagem, tendo a, em vez de descansar na véspera, dormir pouco. O resultado é que faço várias coisas nas viagens já com o corpo cansado e, como não quero perder tempo descansando quando estou fora, na volta eu estou sempre completamente estragado. Fui dormir a umas duas e meia e acordei às sete. Mas isso não importa; finalmente vou conhecer Berlim. Meu amigo Florian tem casa na cidade e me ofereceu para ficar lá.

Florian fez ainda mais: como aqui há um sistema institucionalizado de caronas – Mitfahrgelgenheit –, que sai muito mais barato do que viajar de trem ou avião, ele marcou uma para mim. Sairia a 25 euros apenas, para uma viagem de quatro horas. Nada mal. Mas conheci um possível efeito colateral do Mitfahrgelgenheit: as caronas têm muito mais chance de furar do que os trens. E foi o que aconteceu. Quarenta e cinco minutos antes da hora marcada – 8h30 na estação central de trem – o sujeito me mandou um torpedo desculpando-se que não poderia ir a Berlim. Minhas opções seriam, portanto, tentar marcar outra carona e, portanto, perder pelo menos um dia, ou ir de trem. Fui de trem. A diferença? A passagem me custou absurdos 113 euros! Quase noventa a mais do que sairia a carona... Vejamos se, na volta, o motorista não vai dar para trás e conseguirei economizar na passagem.

No trem, eu escrevia este “conto fantástico” que vocês estão lendo e um garoto, que estava sentado ao meu lado, perguntou se o idioma era espanhol. Expliquei que era português, e que eu era brasileiro, e isso foi suficiente para seguirmos a viagem conversando até Berlim. Era um garoto novo, ainda a quatro anos de terminar o colégio, que quer ser cirurgião e estudar medicina, mas, no momento, parece estar mais interessado em música e em jogos de computador. Mas foi muito interessante porque conversamos muito mais em alemão do que em inglês, e ele pacientemente falava devagar, repetia quando eu não entendia e traduzia as palavras que véu não conhecia. Meu alemão continua fraco, mas talvez estejam ocorrendo progressos. Quem sabe também falarei em alemão na carona de volta para Frankfurt, não é?

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Kapitel XCIV – A Bolsa e os Espiões

Hoje, um estrangeiro sem dinheiro foi abordado pela polícia na Alemanha. Não, não estou falando de nenhum imigrante ilegal ou criminoso. Estou falando de mim mesmo! Explicarei.

Minha conta bancária continua no negativo, porque minha bolsa de estudos está há dois meses atrasada e o dinheiro que o banco descontou por causa do envio do segundo cartão – o primeiro extraviou por culpa do correio – e disse que me devolveria não foi devolvido (detalhes da tragédia no Kapitel LXXVIII). Eu havia telefonado para o CNPq e tinham me dito que o dinheiro estaria depositado na minha conta no dia 28 (do mês passado! Já com atraso!). Eu estava na França e fui conferir minha conta alguns dias depois, já de volta a Frankfurt. Ao me deparar com a desagradável surpresa de que minha situação era a mesma do mês anterior, somada ao fato de que eu precisava pagar mais um aluguel, telefonei para o CNPq novamente.

A responsável pela minha bolsa me garantiu que, certamente, o dinheiro estaria na minha conta no início desta semana. Eu ainda perguntei: “Dia 12 ou 13, então, com certeza?”. Ela respondeu afirmativamente, mas é claro que, no dia 13, não havia dinheiro algum. Assim que cheguei em casa, telefonei novamente. A responsável pela minha bolsa disse que ia falar com o setor financeiro e pediu para eu telefonar cinco minutos depois. Esperei doze e liguei. Ela não estava. Perguntei se tinha ido embora ou apenas dado uma saída. Não sabiam responder com certeza mas sugeriram que eu telefonasse um pouco depois. Fiz isso e me responderam que ela tinha precisado sair um pouco mais cedo.

Não é incrível? Disse para eu ligar um pouco depois e se mandou! A situação continuaria bizarra. Expliquei para outra pessoa a minha situação e ela me passou para a chefa deles. Alguém atendeu – suponho que a chefa – e eu perguntei “com quem eu falo?”. Ela desligou na minha cara! Muito esdrúxulo! Telefonei novamente, um cara atendeu e me passou para uma mulher, que – enfim! – efetivamente me atendeu: ela não transferiu a ligação para mais ninguém, ouviu o meu problema, pesquisou o que estava acontecendo e ficou chocada com o tamanho da confusão. Explicou-me que o dinheiro é dado ao Banco do Brasil e que ele, então, envia a grana para os bancos da Europa e dos Estados Unidos onde os bolsistas têm conta. E o dinheiro, segundo constava lá, efetivamente tinha ido para o Banco do Brasil no dia 28. Só que, dezessete dias depois, não há nem sinal dele na minha conta. Ela disse que encaminharia naquele mesmo dia o problema para o setor financeiro, para que se investigasse o que havia ocorrido.

Só me resta esperar. De todo modo, mesmo sem dinheiro em minha conta alemã eu precisava pagar meu aluguel. Então, no dia seguinte – que foi ontem – eu fui ao banco perto da minha casa para pegar dinheiro da minha conta do Banco do Brasil. Eis que o caixa eletrônico do Kommerzbank me informou que eu não podia pegar a quantia que eu tinha pedido, mas que eu poderia sacar dez euros. Espera um pouco... o que diabos eu vou fazer com dez euros?! Comprar seis picolés? Fui hoje a outro banco perto da universidade e finalmente peguei o dinheiro para o aluguel.

Chegamos, então, à segunda parte da aventura. Na terça-feira eu havia tomado uma cerveja com o Jens na Bockenheimer Warte, perto da universidade, e, por isso, entrei na estação do metrô pelo outro lado. A estação de Bockenheimer Warte é peculiar, pois ela dá acesso a duas linhas que fazem o percurso leste-oeste e é também o ponto final da linha U4, que, diferentemente das outras seis linhas de metrô, faz um U em vez dos percursos leste-oeste ou norte-sul. Normalmente, pego o U4, pois também me serve e, a partir da entrada mais próxima da universidade, preciso andar menos lá dentro. Só que eu tinha entrado pelo outro lado e não me dei conta de que estava pegando a outra linha. Esta também me serviria, se não fosse pelo fato de eu tê-la pegado no sentido errado. Minha distração me tomou algum tempo mas também me levou a uma estação de metrô que me deixou intrigado: a Kirchplatz.

Eu nunca havia estado nessa praça, que, a julgar pelo tema das paredes da estação de metrô, deveria ter diferentes igrejas. Pensei: “hoje quero voltar logo para casa, mas, qualquer dia destes, volto aqui para conhecer esta praça, que deve ser interessante”. Resolvi fazer isso hoje. Saltei lá e fiquei olhando, como um bobo, para ver se via as igrejas. Só vi uma, nada de mais. Mas acredito que chamou a atenção essa postura de nunca-estive-aqui-antes-e-não-sei-para-onde-vou.

Um homem veio em minha direção e me chamou. Achei que iria perguntar alguma coisa; mas não exatamente... Mostrou um documento e disse que era da polícia, sendo imediatamente acompanhado por outro homem e uma mulher, todos à paisana. Falaram alguma coisa que não entendi, e retruquei interrogativamente: “desculpa...”. Ele respondeu um pouco mais asperamente e disse que queria ver meu passaporte.

Normalmente estou com ele e, por sorte, hoje não foi uma exceção. Mas não podia deixar de pensar nas vezes em que o deixei em casa, por não imaginar que poderia se passar tal situação. O cara olhou o passaporte e disse: “ah, é brasileiro!”. Naquele instante, achei que tinha sido uma interjeição neutra, mas pouco depois suspeitei que, nas entrelinhas, houve certa conotação não muito positiva.

Ele me perguntou quando eu tinha entrado no país e, quando respondi que em março, ele começou a fazer contas na minha frente, como que ironizando pelo fato de o tempo de permanência dos turistas já ter expirado. Mostrei a ele, então, o visto no meu passaporte. Só então eu deixei de ser um suspeito. Ele mostrou para o outro a explicação de que eu sou um pesquisador-visitante convidado pelo professor Jens para estudar na universidade de Frankfurt. Eles não escondiam sua expressão, que era um misto de surpresa com certa admiração. Disse que estava tudo certo – “Alles klar” – e me desejou um bom dia.

Ou seja, sem qualquer razão aparente, eu, que estava apenas andando pela rua, fui abordado por policiais disfarçados, como se fosse um filme de espionagem. Se eu estivesse sem o passaporte, apenas com minha identidade, certamente teria uma dor de cabeça tão grande ou até maior do que a da falta da minha bolsa. Bem, minha situação com a polícia não foi das mais agradáveis, mas se resolveu logo. Vejamos se minha desagradabilíssima situação com o Postbank e com o CNPq não demora muito mais para se resolver também.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Kapitel XCIII – Era Outra Vez...

Pela terceira vez consecutiva, meu despertador não tocou. Descobri que nas duas primeiras, isso havia acontecido porque marquei a hora P.M., ou seja, à tarde, quando queria marcar A.M., de manhã. Ontem, antes de dormir, marquei a hora certa, mas me esqueci do trivial detalhe de que precisava travar o relógio para ligar o alarme. Das três vezes, uma delas apenas me fez acordar uma hora mais tarde, sem qualquer problema prático. Nas outras duas, uma na sexta-feira passada e a outra hoje, acordei aproximadamente às 9h40, sendo que minha aula de alemão começa às 9 horas e dura apenas uma hora e meia. Juntando-se tal descuido a minha viagem de dez dias à França, isso significa que não vou à aula de alemão há muito tempo. E o pior é que tenho que pagar dez euros pelo bolão (que, obviamente, perdi) para o João Guilherme, e uma cerveja para o Dritan por ter apostado que a Espanha não passaria da primeira fase (e acabou campeã, tsc tsc tsc).

Minha irmã e minha mãe têm a teoria de que, na verdade, é meu subconsciente que me faz marcar errado o despertador, porque não tenho efetivamente vontade de ir à aula de alemão. Eu não chegaria a tanto, mas, de fato, trata-se de uma aula muito desestimulante, em que não aprendo nada. O que Frau Ännchen competentemente me ensinou no Brasil, eu reconheço nas aulas daqui; o que meus dez meses de estudo no Rio foram insuficientes para que eu chegasse a saber, continuo sem entender (sobre meu drama lingüístico, ver os Kapitel XXXV e XLV).

O dia continuaria bem pouco emocionante. No auge do meu cansaço, com braços, pernas e costas doloridos do futebol de dois dias antes, eis que era meu dia de faxina. Na verdade, era minha semana. Cada um de nós aqui no apartamento precisa fazer uma por mês. Em geral é no fim-de-semana, mas por causa do torneio de futebol de sábado (Kapitel XCI) e do aniversário do Jürgen (Kapitel XCII) no domingo, sobrou para esta segunda. Enrolei, fiz várias pausas, mas cumpri minha obrigação mensal.

Hora de descansar? Que nada. A geladeira vazia, sem nem mesmo uma garrafinha de água mineral, não me dava alternativa a não ser ir ao supermercado (bem, beber café ou cerveja no lugar seria uma alternativa, mas achei mais saudável ir ao mercado). Quando desço o elevador, eu me deparo com uma baita chuva que há tempos não via. Volto para pegar o guarda-chuva, e não encontro. O som da chuva fica mais forte. Tenho que esperar.

Finalmente pude ir. De mochila cheia de garrafas vazias fui de metrô ao supermercado. Estava morrendo de fome, já que passava das dezoito e eu só tinha comido um sanduichinho no café-da-manhã. Lá no supermercado Rewe pode-se pedir comida alemã quente a bons preços. Comprei um Scheinehaxen, joelho de porco. Só que há um detalhe: eles dão talheres de plástico para quem come lá. Já experimentaram desossar um joelho de porco com garfo e faca de plástico? Lamentável. Foi tanto esforço que, no fim, eu já nem estava mais com muita vontade de comer.

Trouxe para casa a pesada mochila com as compras, incluindo três litros de leite achocolatado e nove de água com gás. Depois de guardar tudo, enfim estava livre para tomar meu banho. Talvez eu ainda assista a um filminho no computador... Mas não sei, são dez horas, o dia já está acabando. Nem tive tempo para descansar. É incrível como há dias em que não se faz nada de mais que cansam muito mais do que outros em que estamos cheios de ocupações. Pelo menos amanhã não tenho hora para acordar. E que se dane o despertador!

Kapitel XCII – A Rede e o Polvo

Neste domingo, Jürgen, professor da Universidade de Frankfurt, comemoraria seu aniversário, e fui convidado. Seria em sua casa, que não fica em Frankfurt, mas em Bad Nauheim, cidadezinha de 30 mil habitantes localizada 35 quilômetros a norte. Peguei o trem para lá na estação West com Bertram e Marion Reiser. Jens chegou em Bad Nauheim um pouco depois, com Suzanne e Leon.

Os últimos dias tinham sido de correria: cheguei de viagem da França, tive aulas, joguei futebol... Este domingo era tudo o que eu precisava. Descanso! Ficamos todos no jardim, neste dia ensolarado, comendo bolos e, depois, um delicioso churrasco alemão. Fora isso, muita cerveja: primeiro uma Paulaner, depois uma Licher, depois uma Franziskaner. Foi tudo ótimo e tranqüilo. Para completar, deitei-me em uma rede. Até cochilei!

Quando chegou a hora da final da Copa, assistimos ali mesmo. Vestido com uma camisa laranja de goleiro do Brasil, eu não escondia minha preferência para aquela partida. O gol espanhol na prorrogação não estava nos meus planos. Nem nos do Bertram, que também preferia a Holanda e reclamou: “merda de polvo!” Pois é, o polvo-oráculo alemão acertou todos os seus palpites de quem venceria partidas da Copa, inclusive que os espanhóis derrotariam os holandeses. Eu, sinceramente, não imaginava que algum dia a Espanha poderia ficar com a taça. Mas é bem verdade que também nunca imaginei que algum dia assistiria à final de uma Copa do Mundo em Bad Nauheim.

Mais imagens aqui.

domingo, 11 de julho de 2010

Kapitel XCI – O Campeão

A Copa do Mundo só se define neste domingo, na final entre Holanda e Espanha, mas neste sábado já tivemos um campeão, aqui em Frankfurt. É que foi organizado um torneio de futebol institucional, com professores, pesquisadores e alguns alunos da Universidade de Frankfurt e até de universidades de outras cidades, como Munique e Mainz/Mogúncia.

O torneio Institutsbolz Weltmeister-schaft aconteceria todo neste sábado, no Real Sport Entertainment GmbH (em Frankfurt, mas em um lugar bem afastado), de meio-dia até umas oito da noite (quando ainda está claro, pois aqui só escurece bem depois das nove!). Era um torneio misto, em grama sintética, com algumas regras bastante específicas. Jogavam times de quatro jogadores, podendo-se fazer quantas substituições desejássemos.

Nossa equipe, que reunia o pessoal que trabalha com o Jens e era organizada por Florian e Marion Reiser, tinha quatorze jogadores e sempre substituímos de três em três (o goleiro húngaro Christian nunca saía, é claro). Para garantir que nenhum time tivesse mulheres apenas para constar, todos deveriam ter pelo menos uma mulher em campo. A bola nunca saía pela lateral ou pela linha de fundo (havia parede) e uma das poucas regras era a de que só se podia fazer gol a partir da linha de meio de campo. O absurdo, no entanto, era que não havia árbitro, o que, é claro, pode gerar muitos problemas (e gerou).

Nosso time jogava de camisas azul-celeste (é bem verdade que não havia muito padrão, e alguns foram com camisas bastante escuras, mas a ideia era ser azul claro) em referência ao estilo uruguaio com que pretendíamos jogar. O nome da equipe, nascido acidentalmente em uma conversa de bar no Albatros após a minha palestra na universidade (ver Kapitel LXXIX) era FLATmengo. O prédio onde ficam nossos escritórios e algumas salas de aula no campus de Bockenheim se chama FLAT e, claro, todos já estavam cansados de me ouvir falar sobre o Flamengo. Daí o nome, que os alemães têm enorme dificuldade de pronunciar, sempre falando “Flatmenco”, provavelmente por causa da dança.

A competição reuniu doze equipes, divididas em dois grupos de seis. Os quatro primeiros se classificavam para as quartas-de-final, em que jogariam o primeiro de cada grupo contra o quarto da outra chave, e os segundos contra os terceiros. Os jogos duravam doze minutos na primeira fase em um único tempo, e dezesseis minutos em dois tempos no mata-mata. Estreamos com uma derrota, por 2 a 0 para os United Brühls, que jogavam com camisas brancas confeccionadas para o torneio, com alusão às Nações Unidas. O pior é que entrei no final, o time perdia por 1 a 0, eu estava correndo muito para tentar o empate e, numa extrema infelicidade, chutaram uma bola em mim e ela foi parar no fundo da rede. Do nosso lado. Fiz um gol contra. Dois a zero para eles. Lamentável e frustrante.

A sorte, no entanto, estaria do nosso lado. Os United Brühls venceriam ainda três partidas seguidas, só perderiam a última na primeira fase, e acabariam em primeiro no grupo A, de modo que nossa derrota não foi tão ruim assim. Depois, vencemos o Cluster of Mediocrity por 1 a 0 e o Turmhoch Überlegen por 3 a 0. O segundo gol foi meu (a favor!), em um chute de média distância no canto direito do goleiro. Foi bom ter podido zerar meu saldo, que estava negativo com aquele gol contra do primeiro jogo.

Nem tudo, no entanto, correu bem neste jogo. Martina, nossa melhor jogadora feminina, que inclusive tinha feito de cabeça o terceiro gol, levou uma forte bolada e quebrou o pulso! Teve que ser atendida, foi triste. Os últimos minutos de jogo nem foram realizados. Marion Reiser foi com ela para o hospital. Ou seja, ainda perdemos uma segunda mulher. Só tínhamos, a partir de então, duas mulheres para se revezarem, Janeth e Dana, o que seria exaustivo para elas. Duas que faziam parte de equipes já eliminadas, Katja e Mona, entretanto, reforçaram nosso time e pudemos seguir no torneio sem esse problema.

Derrotaríamos ainda o Team HSFK II, de Mogúncia, por 3 a 1, com incríveis dois gols de Florian e garantimos nossa classificação. Acabamos, no entanto, caindo de segundo para terceiro lugar no grupo por causa do saldo de gols, devido à derrota para o Team Augsburg por 5 a 2. O mais triste é que o último gol deles saiu no finalzinho, quando eles já estavam brincando, sem levar o jogo a sério: um cara chutou a bola de letra para o lado, o outro chutou também de letra e a bola entrou.

Teríamos que encarar nas quartas-de-final o segundo colocado do grupo B, o Master ISFK. O primeiro do grupo B havia sido o Team Forst, do qual faziam parte meus amigos Filipe, Julian e Vítor. Este último, aliás, também se contundiu. Torceu feio o tornozelo e não pôde seguir na competição. O Team Forst, assim como o United Brühls no nosso grupo, tinha feito uma campanha quase perfeita, de quatro vitórias e uma derrota. O inusitado é que tinham perdido apenas para o (até então) saco de pancadas do grupo B, o Team Naase.

Não seria o fato mais inusitado do campeonato. Vi a mais cristalina confirmação da lei-de-ferro do ludopédico: “o futebol é uma caixinha de surpresas”. Os dois primeiros da primeira fase e os dois segundos colocados foram derrotados nas quartas-de-final pelos terceiros e quartos. Os quatro times que, em tese, eram os melhores, estavam eliminados. A semifinal envolveria, portanto, os times que tinham ficado em terceiro e quarto, com campanhas bem menos brilhantes, com números equivalentes de vitórias e derrotas.

Vencemos o Master ISFK por 2 a 1. Filipe, Julian e companhia seriam eliminados com o seu Team Forst ao perder por 2 a 0 para o Turmhoch Überlegen, que mais cedo nosso FLATmengo tinha goleado. O bicho-papão do nosso grupo, o United Brühls, caiu por 2 a 1 diante dos bávaros do Stella Rossa Monaco. E o Team Augsburg, que tinha feito um monte de palhaçada na partida contra a nossa equipe, apanhou de 5 a 2 para o HSFK.

A semifinal foi tensa. Os azuis do Turmhoch Überlegen não demonstravam muito fair play. Quando o placar estava 1 a 1, marcaram um gol que pessoas do meu time alegaram ter sido feito de trás da linha do meio de campo (a proibição disso era uma das raras regras do torneio). Eles insistiram e acabamos considerando, a contragosto, o gol deles. Por sorte, Jonas, um grandalhão do nosso time, estava destinado a fazer gols nos momentos mais difíceis e, imediatamente em seguida, empatou a partida.

No finalzinho, o goleiro pulou em cima da Florian para pegar a bola e o derrubou na área. Nosso time pediu pênalti, e eles recusaram. Era a segunda vez no jogo em que a falta de um árbitro neutro se mostrava um problema, e a segunda vez em que eles se beneficiaram com isso. A decisão foi para os pênaltis. Nosso supergoleiro Christian defendeu a primeira cobrança, mas Fabian também perdeu a dele. Eles converteram a segunda, mas Robert, nosso artilheiro junto com Florian, também cobrou bem e marcou. O terceiro batedor deles chutou para fora, e nosso heroico guardarredes Christian acertou a última cobrança.

Incrivelmente e contra todos os prognósticos, estávamos na final. Nosso adversário seria o HSFK, onde jogava Jonas Wolf, um alemão gente-boa que conheci no congresso de Toulouse. Ele fala muito bem espanhol e é pesquisador em uma instituição na cidade de Frankfurt. A final foi tranqüila. Goleamos por 4 a 1. O primeiro gol foi do sempre decisivo Jonas, é claro. Jens, que tinha feito o passe para o segundo gol (que foi do Fabian), marcou o terceiro em um lance de muito oportunismo. O FLATmengo certamente não era o time com os melhores jogadores, mas era o legítimo campeão do Institutsbolz Weltmeistershcaft, torneio que tinha um formato parecido com o da Copa do Mundo.

Já com nossas medalhas e troféus, pudemos comer nosso churrasco alemão (muito porco e salsichas), beber cervejas Licher e Franziskaner e assistir à decisão de terceiro lugar entre Alemanha e Uruguai, vencida pelos germânicos por 3 a 2 em partida equilibrada. Vestidos como uruguaios, terminamos mais bem colocados que o Uruguai original. Hoje, meu corpo todo dói, mas foi bem melhor do que eu podia esperar. FLAT-MEN-GOOOO!


As imagens do título.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Kapitel XC – A Princesa e o Palácio

Comecei meu segundo dia em Paris, finalmente, conhecendo o Champs-Élysées (ver Kapitel anterior), e o Arco do Triunfo, é claro. Depois, fui me encontrar com uma encantadora francesa chamada Julie e sua mãe, Catherine. Não as conheci nesta viagem, a história é mais longa. Nós nos conhecemos em Santiago do Chile, no ano passado, quando fui ao Congresso Mundial de Ciência Política e, por acaso, elas estavam no mesmo albergue. Mantivemos contato e, apesar de elas serem de Toulouse, acabamos nos encontrando em Paris, que é onde Julie trabalha, como professora de espanhol.

Foi um dia formidável! Marcamos o encontro na praça de St-Michel, almoçamos no Marais (comi um confit de canard), passeamos pelo bairro judeu, Cathedral de Notre Dame, Jardin du Luxembourg, Pantheon, Senado, Odéon, praça da Sorbonne, e vários outros lugares até, por fim, irmos a Montmartre, onde passamos pelo Moulin Rouge, pela Rue Lepic – onde se ambientou parte do filme de Amélie Poulain – e, claro, subimos até a Basilique du Sacre Cœur.

No dia seguinte, havia coisas que eu não podia deixar de fazer. Como ir à Torre Eiffel, por exemplo! E foi essa a minha missão pela manhã. Sim, porque as quilométricas filas tomam um tempo considerável. Minha ideia era subir a pé, pois não me lembro se foi o Cattapa ou a Joana que me disse que era mais barato e as filas eram menores. Pois quando percebi, após muito esperar na fila, eu estava em uma para o elevador. Dados o tempo já gasto e a quantidade de pessoas que chegaram depois de mim, resolvi ficar ali mesmo e subir de elevador.

Lá em cima, enquanto via a bela vista e tentava não me irritar com a enorme quantidade de pessoas atravan-cando a passagem, eu não conseguia parar de me questionar sobre a freqüência em que câmeras que caem lá de cima da torre. Todo mundo tira fotos colocando as mãos por fora da grade; é, portanto, impossível que nunca aconteça de a câmera escorregar e se espatifar lá embaixo. Portanto, deixo aqui a dica: evitem ao máximo ficar passeando na área debaixo da Torre Eiffel!

À tarde, fui dar uma última passeada pela cidade. Era o dia perfeito para ir a um museu, mas o Louvre estava fechado. Joana me indicou um menor, o Musée de l’Orangérie, onde há várias pinturas impressionistas, mas também fecha às terças. Eu já havia desistido e caminhava a esmo quando vi uma placa para o Museu Rodin. E não é que estava aberto? Passei algumas horas vendo o Pensador e companhia antes de voltar para a casa da minha querida anfitriã Joana, que acabei não podendo encontrar. Ela só voltaria de um casamento em Marselha à meia-noite e, como trabalharia durante todo o dia seguinte, não pude estar com ela.

Preparei minhas coisas e fui à casa de Julie, situada em um lindo vilarejo medieval a quarenta minutos de Paris chamado Moret-sur-Loing. Lá, passei um bom momento com ela e Catherine, jantamos um delicioso pato e bebemos vinho. No dia seguinte, passeei pela cidadezinha com Catherine. Na antiga igreja de Notre Dame de la Nativité, fomos surpreendidos por uma exibição privada de música sacra no órgão do século XVI.




Depois, fomos os três a Fontainebleau e, em seguida, ao palácio de Versalhes. Encaramos uma fila com sol de rachar e, então, visitamos as inúmeras salas, vimos os jardins e obras-de-arte. Depois, almoçamos em um restaurante próximo, onde comi um bom prato de carne crua, chamado tartare de bœuf. Com isso, em dez dias eu conheci sete cidades na França! Impressionante!

Voltamos a Paris, onde peguei o metrô para o aeroporto. Ainda
cheguei a tempo de ver, lá no Charles de Gaulle mesmo, o segundo tempo da derrota alemã para a Espanha.

Estou pior que o Mick Jagger: todos os times pelos quais eu torço vão sendo eliminados na Copa do Mundo. Foi assim com o Brasil, Portugal, Paraguai, Gana, Uruguai e, claro, a Alemanha.

Foi uma viagem inesquecível. E os últimos dias foram mesmo especiais. Mas antes que os leitores imaginem coisas, não aconteceu nada do que alguns podem estar pensando. A encantadora Julie tem namorado. Contos de fada não existem na vida real... Nem mesmo em um lindo passeio pela França.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Kapitel LXXXIX – A Corrida para a Luz

O domingo começou com fortes emoções. Acordei cedo, para não haver risco de me atrasar para o trem rumo a Paris. Mas queria aproveitar os últimos momentos de internet gratuita no albergue. Então, respondi e-mails, pesquisei a localização exata do prédio da minha amiga Joana, onde eu ia me hospedar, e esvaziei as fotos da câmera. Saí tranqüilo, comprei uma garrafa d´água, um croissant e um pain au chocolat e fui caminhando rumo à estação. De repente, ocorreu-me que eu estava fazendo uma confusão: o trem chegaria a Paris às 14h40 e não sairia de Toulouse às 9h40; sairia às 9h22! Logo, eu estava, sim, atrasado!

Comecei a correr desesperadamente. Não há táxis andando por toda parte em Toulouse, como há em outras cidades. Foi preciso um esforço hercúleo para correr metade do caminho com um mochilão pesadíssimo e uma bolsa com quase um litro de água, um laptop e dois livros.

Cheguei à estação às 9h25, ouvi um apito, corri na direção, vi uma porta aberta, entrei e perguntei: “À Paris?” Sim, era o meu trem. Partiu menos de um minuto depois. Ufa! Eu me senti o próprio Indiana Jones. Levei tempo para parar de suar e respirar normalmente de novo. Li um pouco, dormi muito, e cheguei à cidade-luz. Precisava telefonar e só conseguir achar um cartão de telefone com 120 créditos. O que vou fazer com 120 créditos?! Assim, o dinheiro vai embora.

E vai mesmo. Paris é muito mais cara que Toulouse, que é muito mais cara que Frankfurt. Fui provar o crêpe (pedi um doce, de licor Grand Marnier) e, sem recheio algum, só massa, era quatro euros. Depois de comprar o crédito e não conseguir telefonar, fui procurar no mapa a localização e constatei que a Joana mora razoavelmente perto da estação de trem de Montparnasse. Desisti do metrô e fui a pé mesmo. Para quem correu com a mochila, essa caminhada seria fichinha.

Ao chegar ao prédio, fui pegar a chave com a vizinha, conforme o combinado. Pois se existisse uma copa do mundo de vizinhas simpáticas, dona América seria seriíssima candidata ao caneco. Cubana (mas com sotaque compreensível, pois não fala correndo como os cubanos em geral), casada com um francês, mãe de um egiptólogo e moradora de Paris há meio século, ela é incrivelmente gentil e prestativa. Não bastasse ter ficado à disposição para me dar a chave, deu para mim também um mapa de Paris, me mostrou a localização dos lugares e as linhas de metrô, e ainda ofereceu cafezinho. Apesar de nunca recusar café, abri uma exceção, pois já estava com vergonha.

Parti, então, para minha primeira exploração de Paris. A ideia era atravessar os Champs-Élysées, mas, saltando na respectiva estação de metrô, andei para o lado errado. Os Champs-Élysées ficaram, portanto, para o dia seguinte. Conheci o rio Sena, o Jardim das Tulherias, a Assembleia Nacional, a praça da Sorbonne, o Louvre (só o exterior e a parte central interna, pois as exposições já estavam fechadas), entre outros lugares. A Torre Eiffel eu vi de longe, de vários ângulos, tanto de dia como, iluminada, à noite.

É interessante como Paris, Toulouse, Bordéus/Bordeaux e Carcassonne são cidades totalmente diferentes. Enquanto Paris tem prédios grandes como uma grande cidade, mas tem espalhados pela cidade muitas grandiosas obras arquitetônicas evocando às antigas civilizações e outras aos heróis da Segunda Guerra, com muito branco e dourado, Toulouse se caracteriza pela simplicidade, com um ar simpático de tudo o que imaginamos ver em uma antiga cidade francesa. Carcassone, por outro lado, preserva ao máximo uma atmosfera anterior, medieval, enquanto Bordéus também tem grandes espaços e grandiosidade, como Paris, mas é mais sóbria. Estou gostando de minha passagem francesa neste período da Europa.