Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


sexta-feira, 30 de abril de 2010

Kapitel XLI – O Javali e o Corvo

Quinta-feira foi um dia estranhamente tranqüilo. Acordei cedo, comi um queijo genérico aparentado do brie e do camembert no café-da-manhã, estudei, almocei um döner kebap, peguei o metrô para a universidade, tive aula de política comparada, estudei mais um pouco, fui com o Jens tomar uma cerveja, voltei a pé, comprei mantimentos no mercado, tomei um sorvete de casquinha de limão, cheguei em casa, bebi um café e um suco de maçã e comi uns cogumelos recheados com queijo que eu tinha comprado na feira, que acontece em frente à minha janela às terças-feiras. Tudo correu muito misteriosamente dentro da normalidade.

No bar a que fui com o Jens, comi as tipicamente bávaras salsichinhas brancas (weiß Würstchen) com pão e mostarda doce (falei sobre elas no Kapitel VII) e bebi a boa cerveja de trigo Keiler, que tem como símbolo um javali. Já que não tenho nada trágico para lhes contar sobre esta quinta, aproveito a oportunidade para abordar um assunto que lembra um primo do javali, animal símbolo da Keiler: escatologia! Portanto, aviso àqueles de estômago mais sensível para pararem a leitura neste ponto.

A primeira coisa que chama a atenção é que, aqui, ninguém tem nenhum pudor de assoar o nariz, com vontade, em qualquer lugar. No meio da sala de aula, na rua, até no restaurante, pode-se ouvir uma verdadeira sinfonia. Ninguém disfarça, nem mesmo se estiver passando aquela gatinha por perto. Pelo que já vi antes de vir para cá, suspeito que seja uma coisa dos europeus em geral. É até um hábito mais saudável do que essa coisa dos brasileiros de ficar prendendo o catarro por achar feio assoar o nariz na frente dos outros; afinal, não colocar para fora pode até gerar sinusite. Digo isso com autoridade, afinal, já operei essa maldita duas vezes. Para mim, por mais que seja estranha, essa coisa de todo mundo assoar o nariz em qualquer lugar é até bastante confortável. É que nasci com um nariz imprestável, que está sempre entupido e respira precariamente. A única função que desempenha com desenvoltura é a de suporte para os óculos.

Seguindo com os temas asquerosos, acrescento outra curiosidade, para a qual me chamou a atenção meu amigo brasileiro Vítor. Muitos vasos sanitários aqui têm uma parte adicional de porcelana, tipo um platô ou uma plataforma (não é o caso das privadas daqui de casa, mas de fato elas eram assim lá no albergue). Ele disse que elas são assim porque, antigamente, havia a preocupação de se ver como estavam as fezes, para conferir se a pessoa estava saudável. Nada contra medidas preventivas em relação à saúde, mas de fato isso é meio nojento, não é?

De todo modo, nada disso foi o que me incomodou na Alemanha. O que efetivamente me deixa desconfortável é o fato de todo mundo, em qualquer estabelecimento, mexer no dinheiro e depois manipular a comida. Nada de luva ou de lavar as mãos, e tudo agravado pelo crônico pouco uso de guardanapos (ver Kapitel XXXI). Não estou falando de vendedores ambulantes – até porque não os encontro por aqui – mas dos restaurantes, bares e cantinas. Mão na cédula, mão no pão; mão na moeda, mão na casquinha de sorvete. Isso é realmente nojento. Dinheiro é uma das coisas mais sujas que existem, e não se trata de um julgamento moral (também válido, é claro). Tento pensar pelo lado positivo: bem... não passei mal até agora, devo estar fortalecendo meus anticorpos...

Por falar em sujeira, hoje vi uma cena engraçada. Um corvo estava jogando no chão todo o lixo das lixeiras da universidade à procura de comida. Achei graça porque não era eu quem iria limpar, é claro. Mas dei risadas vendo aquele bichinho porcalhão... Só faltava ele mexer em dinheiro enquanto comia.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Kapitel XL – Caminhos Tortuosos até as Boas Novas

Hoje era o dia da verdade. Fui à universidade me encontrar com o Jens, que iria comigo até o Ausländerbehörde solicitar meu visto. Em caso de sermos bem-sucedidos, ainda passaríamos no Postbank e eu abriria minha conta bancária lá (como eu disse no Kapitel anterior, ter o visto era um pré-requisito para abrir conta em um banco alemão).

Chegando em nosso primeiro e principal destino, uma boa notícia: a bruxa não estava lá (sobre a megera que me atendeu da outra vez, ver Kapitel XXVI). Na nossa vez, Jens começou a explicar a situação para a moça que nos atendeu e, assim que lhe disse ter trocado e-mails com um funcionário lá do Ausländerbehörde, ela prontamente nos encaminhou para a sala dele. A verdade é que não era, realmente, para irmos para lá. Só que os funcionários querem acabar com sua fama histórica de extremamente lentos e, por isso, estão atendendo o mais rápido possível; mas não conseguem trabalhar eficientemente nessa velocidade. Assim, a bruxa da outra vez nem tinha olhado meus documentos direito e me disse para fazer dez milhões de coisas. A atendente de hoje, por sua vez, encaminhou-nos para o lugar errado. O negócio é se livrar o mais rápido possível de nós, para que fique registrado que o atendimento foi rápido.

A verdade é que esse erro da funcionária veio bem a calhar. Apesar de o cara que nos atendeu não ser o encarregado do assunto, ele acabou segurando o abacaxi, já que estava por dentro do meu caso, devido à troca de e-mails com o Jens. Era um sujeito daqueles meio metidos a garotão, com cabelo grisalho arrepiado para fazer estilo. O cara deve fazer mergulho, pois tinha várias boas fotos do fundo do mar coladas na parede. Entre elas a de uma intrigante lagosta azul, que eu nem sabia que existia.

Já não sou mais oficialmente um turista, nem um candidato a imigrante ilegal. O funcionário-garotão conseguiu meu visto! Não sem antes fazer um doce, dizendo que abriram uma exceção, que se tivesse levado as regras ao pé da letra eu realmente teria que voltar para o Rio de Janeiro para pegar meu visto, e blábláblá-blablablá. Também não sem antes fazer uma piadinha sobre a capacidade de trabalho das mulheres lá do Ausländerbehörde. Tive ainda que pagar uma taxa de 50 euros, o que é um absurdo, já que no consulado alemão no Rio estava claramente explicado que pesquisadores bolsistas não precisam pagar para tirar o visto. Mas não discuti, afinal, queria me livrar logo desse problema, e uma passagem de ida e volta para o Rio custaria “ligeiramente” mais caro que cinqüenta euros.

Meu passaporte agora está “carnavalesco”, com um enorme adesivo em verde e rosa (cores da Estação Primeira) ocupando duas páginas. No adesivo constam não apenas meus dados básicos, mas também a informação de que sou um pesquisador-visitante/doutorando convidado pelo departamento de ciência política da Universidade de Frankfurt. Até o nome do Jens aparece na descrição! Mais detalhado que isso, só se dissessem que calço 42, tenho sangue A+ e gosto de cinema. O adesivo “mangueirense” deixa a forte impressão de que o cara estava mesmo fazendo gênero. Afinal, se eles normalmente não dão visto e isso é uma atribuição exclusiva dos consulados e embaixadas, por que eles tinham o adesivo?

De lá fomos direto para a estação principal de trem Hauptbanhof, onde fica a agência central do banco dos correios Postbank. Toda a papelada que preenchi na outra agência no dia anterior (Kapitel XXXIX) de nada serviu, pois o funcionário perguntou tudo novamente para preencher diretamente no computador. Agora, já tenho uma conta em um banco alemão, portanto. Só que, obviamente, nada poderia ser tão fácil: só saberei o número da conta em uns dois dias e receberei meu cartão do banco somente depois de dez dias!

Após tantos finais felizes, foi a vez de resolvermos um problema mais trivial: nossa fome. Eu e Jens fomos ao bom restaurante Pielok, ali no bairro de Bockenheim, onde eu havia provado o Grünensosse (descrito no Kapitel XVII), tradicional prato frankfurtiano, com carne bovina. Pois desta vez era Schnitzeltag, o dia em que o restaurante tem várias opções de Schnitzel, o filé empanado de porco também popularíssimo na cidade (sobre o Schnitzeltag, ver Kapitel XXIII).

Fiz, então, o que há muito tempo queria fazer, pedir a tradicional combinação frankfurtiana: Schnitzel com Grünensosse. Só que o prato vinha – adivinhem! – com batatas. Disse que não queria as batatas e o garçom perguntou se eu preferia que ele viesse – adivinhem novamente! – com batatas fritas! Qual não foi sua surpresa quando respondi que queria acompanhado de arroz. O garçom era oriental, certamente está acostumado a comer mais arroz que os alemães, mas é impossível de se descrever a cara de espanto e surpresa dele quando lhe disse que queria que viesse com arroz. Segundo Jens, ele provavelmente não ouvia tal pedido há muitos anos. Comi, então, “quase” o mais tradicional prato frankfurtiano. Acho o Frankfurter Schnitzel bastante bom e, como eu já sei que não serei deportado, certamente terei muitas oportunidades de comê-lo novamente.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Kapitel XXXIX – Futebol em Dois Tempos

Na segunda-feira, ao sair da universidade, fui às compras. Na verdade, fui alimentar uma velha mania: camisas de futebol. Tinha visto que na loja do principal time local, o Eintracht Frankfurt, sua camisa estava na promoção. Como o time tem um extremo bom gosto – a camisa é vermelha e preta! – e sua cidade é aquela onde estou morando, eu já queria comprá-la desde os primeiros dias em que cheguei, e só estava esperando uma oportunidade mais economicamente viável. Além disso, vi que a loja vendia também, pelo mesmo preço, uma camisa retrô da Alemanha da Copa de 1954, que eu desejava desde o Mundial passado! Comprei ambas, e paguei ao todo sessenta euros. Não foi nenhuma pechincha, mas foi um ótimo preço para camisas não-piratas.

Esta terça-feira também terminaria em futebol, mas antes eu tinha uma questão para (tentar) resolver. Cheguei à universidade e logo fui com o Jens resolver um dos meus problemas pendentes: a conta em um banco local. Fomos ao Postbank, o banco do correio, e, após preencher tudo, eis que a atendente nos informa que preciso do visto para abrir a conta. Como o Jens disse, isso não faz sentido; que eles exijam o visto para fornecer um empréstimo, tudo bem, mas para guardar meu dinheiro?! Ou seja, mais um problema que segue pendente. O bicho-papão do visto terá que ser resolvido antes (para saber mais sobre ele, ver os Kapitel XX, XXI e XXVI).

Saí para almoçar no Mensa com Jens, Marion, Florian e Fabian, e o cardápio estava como nos seus melhores dias: comi um bolo de carne recheado com queijo, acompanhado de fusilli e molho de tomate, com mousse de chocolate de sobremesa. Depois, saí para tirar foto para o visto (se soubesse a enrolação que seria, teria trazido do Brasil a foto que eu tinha sobrando). Foram mais 12 euros perdidos por mim por causa de burocracia. Antes de voltar para a universidade, dei uma volta ali na rua, a Leipziger Straße, e passei numa padaria, onde comprei um café e um docinho chamado Florentiner, uma espécie de pé-de-moleque com chocolate que ainda leva casca de laranja na receita.

Estudei um pouco na universidade e voltei para casa. Tinha que colocar roupa para lavar (antes de ter que começar a repetir meias sujas) e, principal- mente, que ir ao mercado comprar café, o líquido precioso (para entender a importância disso, leia o Kapitel XXX)! Resolvido isso, vesti meu manto sagrado (é claro que trouxe para a Alemanha uma camisa do Flamengo) e saí novamente, para me encontrar com Fabian e Florian em um bar perto da universidade, onde veríamos a semifinal europeia entre Bayern de Munique e Olympique Lyonnais.

Cheguei atrasado e o bar estava lotado. Tanto que pouco falei com o Fabian, que estava mais perto do telão, em meio a vários outros torcedores do Bayern de Munique, como ele. Fiquei mais para perto da entrada, com Florian, que torceu pela equipe bávara mas gosta mesmo é de um pequeno time da sua cidade natal e do Borussia Dortmund. Lá também estava Emmanouil, um grego da minha turma de Política Comparada. Ele reconheceu a camisa do Mengão. O Fabian disse que ele torcia pelo Bayern, mas perguntei qual era o time dele na Grécia: Panathinaikos, Olympiakos, AEK? Ele respondeu: “Só existe um time na Grécia, o Panathinaikos”. Desprezar os rivais, afinal, é uma tradição universal do futebol.

Foi legal ver o jogo, apesar da falta de lugares, que me obrigou a ficar um bom tempo em pé. As pessoas estavam animadas, inclusive um torcedor do Schalke 04, que, infiltrado, começou a cantar no bar no meio da partida uma canção do seu time, que nada tinha a ver com a história. O time bávaro jogou muito melhor e, mesmo fora de casa, goleou por 3 a 0, com três gols do mesmo jogador, Olic. Se fosse no Brasil, poderia pedir a música no Fantástico.

Eu tomei dois copões da cerveja de trigo Schöfferhofer, a primeira clara e a segunda escura, totalizando um litro. No intervalo do jogo, fui ao banheiro e dei aquela desidratada no joelho. Mas ainda faltava meio litro de cerveja para excretar... Peguei o metrô e é claro que, quando faltavam poucas estações, minha bexiga começou a manifestar insatisfação. A vontade, obviamente, ia aumentando em progressão geométrica. Felizmente, o final desta história foi feliz: abri a porta de casa, corri para o banheiro, levantei a tábua, abri o zíper e GOOOOOL!

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Kapitel XXXVIII – Um Elevador Muito Engraçado

Hoje fui duas vezes ao bandejão Mensa, e asseguro que não foi por ser um restaurante que valha a pena ser freqüentado várias vezes por dia. Já explico a situação, mas antes é preciso voltar até o inicio do dia.

Segunda-feira é dia de aula de aula de alemão. Acordo mais cedo do que de costume e parto para o campus de Westend como um boi caminha até o abatedouro (para entender meu drama, leia o Kapitel XXXV). A aula foi massacrante como de costume, o garrancho do professor continuou incompreensível para mim e eu viajei tanto quando da vez anterior.

Saí de lá com meu colega de classe pernambucano, João Guilherme. Descemos por um elevador bizarro, que eu ainda não conhecia. Era um elevador muito engraçado, não tinha porta, não tinha nada. Ninguém podia pará-lo não, porque também não tinha botão. Ficar na ponta, então nem pensar; tinha o perigo de se estabacar. Era um elevador que descia sem pausa (havia outro, ao lado, indo no sentido contrário), de modo que era preciso entrar nele ou sair dele rapidamente; caso contrário se podia até mesmo cair no precipício. No lugar da porta, havia um grande vão que ocupava toda a entrada. Isso me pareceu perigosíssimo! Eu até tropecei na saída. Fico imaginando idosos ou pessoas com muleta. É inviável! É mais fácil (e seguro) para eles ir pela escada!

Depois, Jens me contou que o nome desse tipo de elevador é Paternoster, típico de sociedades industriais. Pesquisamos e descobrimos que os operários usavam esse elevador enquanto os chefes usavam um outro, convencional. Ele gira como um relógio, de modo que, se chegar até lá em cima ou até lá embaixo, irá pelo sentido contrário pelo outro lado. O primeiro foi instalado na Inglaterra, mas parece que acabou tendo ainda maior difusão na Alemanha. Jens contou ainda que pensaram em trocar o Paternoster por um elevador normal em Westend, mas houve um verdadeiro movimento para impedir e, então, desistiram da ideia!

João Guilherme teria aula ao meio-dia. Por isso, fomos almoçar às 11h30 no Mensa, o que me lembrou meus almoços em casa, cedíssimo, nos dias em que tinha aula no Iuperj à uma da tarde Meu quase-xará cursa Direito e veio fazer intercâmbio em Frankfurt. Tem passaporte alemão e, no colégio, também fez intercâmbio na Alemanha, só que em Bonn. Brinquei que, depois, ele vai fazer uma parte do mestrado em Berlim e sanduíche no doutorado em Munique.

Comi no Mensa um bom filé de porco, mas a falta de opções boas de acompanhamento novamente me obrigou a comer os nada saborosos noodles (a primeira vez está descrita no Kapitel XXXII). Parecia até uma eleição entre republicanos e democratas nos Estados Unidos: entre batatas fritas, batatas não fritas e noodles, elejo os últimos, e viva o direito de escolha!

Quando cheguei ao meu prédio no campus de Bockenheim, é claro que ninguém havia almoçado ainda. Jens, Marion, Fabian, Florian e Bertram iam comer no Mensa e, apesar de eu obviamente não pretender almoçar de novo, fui com eles. Lá, comprei um chocolate e um suco industrializado, o qual me levou a constatar que talvez acerola e maçã não formem a mais interessante das combinações de frutas. Depois disso, pegamos um copão de café. Em dia de acordar cedo para a aula de alemão, uma “chicrinha” não basta para ficar de pé: o combustível tem que ser aditivado!

domingo, 25 de abril de 2010

Kapitel XXXVII – O Árabe e a Loira da Cidade

Hoje acordei ao meio-dia. Foi um descanso necessário após a peregrinação museológica de seis horas, madrugada adentro, que vivenciei na véspera. Sem fome, almocei apenas um sanduíche e permaneci fazendo coisas no computador. Tudo indicava que este domingo seria um dia jogado fora, em que eu ficaria lesado dentro do meu quarto até a hora de dormir. Mas eu não podia me acomodar com tal situação! Como estar na Europa e ficar um dia inteiro sem sair de casa sem ter um motivo forte para isso? Decidi, então, já perto das 18h, sair para dar uma volta e, lá pela parte mais central da cidade, comer alguma coisa.

Caminhei bastante, até a área da Eschenheimer Tor e da Alte Oper. Ali nas redondezas, resolvi entrar em um quiosque, onde comi falafel com Humusteller, que é um prato árabe que junta bolinhos de grão-de-bico com pasta de grão-de-bico e algumas leguminosas, como pepino em conserva, tomate, e rodela de pepino. Pedi para beber uma cerveja Pils, achando que viria uma Rothaus Pils, como a mencionada no Kapitel XVIII.

Já estava acabando de comer e nada de a cerveja chegar. Quando vi a atendente, perguntei pela cerveja. Ela me disse que lá cada um se servia da bebida, mas foi buscá-la para mim. Qual não foi minha frustrante surpresa quando ela trouxe uma Binding. Trata-se de uma legítima cerveja frankfurtiana, que se orgulha de ser da cidade. Embaixo do nome da cerveja, no rótulo, vem escrito Römer Pils, em referência ao Römer, prédio histórico onde funciona a administração de Frankfurt, cuja ilustração, aliás, aparece em dourado logo abaixo da inscrição.

Já no Kapitel XI, expliquei que as cervejas do estado de Hesse, em sua maioria, e especialmente todas as cervejas de Frankfurt são ruins. Já haviam me dito que a Binding – que deve ser aquela que tem maior número de pontos de venda na cidade – é particularmente muito ruim. Logo, fugi dessa loira o quanto pude. Bebi outras cervejas, tomei outras bebidas, fiquei com sede, mas sempre evitei pedir Binding. Mas é claro que, vivendo aqui, mais cedo ou mais tarde ela me pegaria. E caí na armadilha da omissão da marca da cerveja no cardápio.

Não é impossível tomar Binding. Tampouco é prazeroso. Fiquei com o amargor na boca. Dei ainda uma volta no parque entre a Alte Oper e a Eschenheimer Tor, antes de pegar o metrô para Dornbusch, lá pelas 20h, com o céu ainda claro devido ao horário de verão. Agora sim, posso ficar enfurnado em meu quarto até a hora de dormir, sem peso na consciência.

Kapitel XXXVI – A Vassoura e uma Noite no Museu

Sábado foi um dia cheio. Comecei fazendo algumas compras no supermercado Rewe. Achei que era uma brilhante ideia comprar logo seis garrafas d’água de uma vez, assim não correria o risco de ficar com sede e precisar ir à rua emergencialmente ao longo da semana. Foi ficando claro que era uma ideia estúpida conforme eu voltava a pé para a minha casa carregando nove litros de água mineral (cada garrafa tem um litro e meio), fora as demais compras. Tanto a alça do saco plástico como a palma da minha mão deixaram claro para mim que aquele não era um peso para alguém carregar por quatro quarteirões.

Chegando em casa, foi a vez de realizar outra tarefa doméstica. Somos quatro morando aqui no apartamento, cada mês do ano tem quatro semanas, e a sujeira está sempre se acumulando. O resultado dessa equação é simples: cada um de nós tem que limpar a casa uma vez por mês. E eu completei um mês na Alemanha... Sim, era a minha vez de fazer a faxina! Não estou muito acostumado com essas tarefas do lar, mas, entre aspiradores e sabões, consegui cumprir meu dever.

Almocei em um restaurante asiático perto de casa, onde ainda não tinha ido, que tem o “orientalís- simo” nome Welcome. Pedi uma cerveja chinesa Tsingtao, que eu já havia conhecido no bairro paulistano da Liberdade, e comi um prato de carne de porco com cogumelos, bambu e molho condimentado. Realizado tudo o que eu precisava fazer pela parte da manhã e da tarde, eu estava pronto, portanto, para o grande evento do dia: a Nacht der Museen, ou Noite dos Museus.

A cidade estava em um clima diferente. Na Nacht der Museen, por doze euros, comprava-se um bilhete que permitia visitar até quarenta e oito museus em Frankfurt ou na vizinha Offenbach, das 19 horas até as duas da madrugada (sobre Offenchach, ver Kapitel XII). Além disso, havia em vários museus atrações de música e dança.

Comecei já às 19h10 pelo Museum für Kommunikation, que foi o meu preferido. Lá havia telégrafos e versões antigas e pioneiras de rádios, televisões, computadores, máquinas de escrever, telefones... Eles mostravam tudo o que se pudesse se relacionar à comunicação, como os meios de transporte usados pelo correio alemão ao longo da história, desde carroças até carros modernos. Interessante ver mensagens trocadas por passageiros e tripulantes do Titanic, desde telegramas de satisfação pela confortável viagem até um pedido de ajuda porque o navio estava afundando. Impressionante ver fragmentos de tábuas com escrita cuneiforme mesopotâmica de muitos séculos antes de Cristo.

Depois, tomei uma casquinha de sorvete de nozes e fui ao Museum für Angewandte Kunst (MAK), onde havia quartos quase vazios, com poucos móveis em exibição, o que me pareceu meio bizarro. Lá encontrei meus amigos brasileiros Filipe e Vítor. Aquela era uma exposição à parte, em um anexo. Em seguida vimos em outro bloco do museu uma exibição de móveis e porcelanas, desde antigos até extremamente modernos (e “modernosos”). O mais interessante, no entanto, foi a apresentação de quatro violoncelistas, no jardim do museu, tocando a nona sinfonia de Beethoven.

Juntos, eu, Filipe e Vítor visitamos ainda outros quatro museus: o etnográfico Museum der Weltkulturen, o teatro de ópera Schauspiel, o Museum für Moderne Kunst (MMK, museu de arte moderna) e o Schirn Kunsthalle.

No Museum der Welkulturen havia objetos contempo- râneos relacionados a povos de todo o mundo, separados por continente. Artesanatos de índios brasileiros, como cocares, estavam presentes. Havia objetos inusitados, como um cachimbo angolano com a figura de um intercurso sexual (perdoem-me, mas não sabia que termo seria mais adequado usar neste espaço). Havia também um estranho recipiente comprido usado por nigerianos, que não entendíamos o que poderia ser. Filipe leu a resposta em um folheto e disse que daria um milhão para quem descobrisse para que servia, completando, em tom de brincadeira, com a resposta: “É claro que serve para beber cerveja de banana, né?” Bizarramente, ele não estava pregando uma peça, era para isso mesmo que servia.

Apesar de ser interessante, o museu não chegava ao pés de outros em que já estive, como o Museu Pré-colombiano de Santiago, por exemplo. Vítor comentou que não havia nenhum objeto antigo, e minha resposta foi uma triste constatação: “pois é, aqui eles mostram objetos de povos do mundo todo que ainda não foram exterminados”. Depois, saímos em busca de uma cervejinha e mandamos ver em um döner kebap completo.

Já descansados e saciados, fomos ao teatro Schauspiel, onde são realizados os espetáculos de ópera (na bela Alte Oper, ou antiga ópera, são realizados concertos mas não mais óperas). Filipe estava particular- mente interessado em ir ao Schauspiel porque inauguraram lá, justamente neste sábado, uma sala de Chagall. Estava exposto seu enorme quadro Commedia dell’Arte, muito provavelmente inspirado em uma pintura de Georges Seurat, que vimos pouco depois, no Schirn Kunsthalle. No Schirn, além das obras de Seurat, em sua maioria impressionistas e pontilhistas, havia também perturbadoras pinturas de Uwe Lausen. Dentre estas, gostei de uma sobre um homem com a cabeça para fora na piscina, que lembrava a bandeira do Brasil.

No museu de arte moderna MMK havia muita coisa de que não gostei, mas também algumas obras interessantes, como gravuras de Andy Wahrol e o propositalmente repetitivo e intrigante microvídeo Time is a trick of mind, de Francis Alÿs. Em forma de fatia de bolo, esse museu é meio labiríntico, com salas em tamanhos variados, sendo algumas delas, em andares diferentes, quase idênticas, pintadas com alguma parede em mosaicos multicoloridos. O que mais me chamou a atenção, no entanto, foi o fato de eu nunca ter visto tantas mulheres bonitas trabalhando em um museu. Ouvimos uma dupla de brasileiros conversando entre si e é impressionante como faziam os mesmos comentários que a gente! Aliás, deu pena de ver os funcionários do museu, àquela hora, exaustos de ficar até tão tarde trabalhando em pé: uns bocejavam, outros se agachavam sem qualquer constrangimento, para aliviar a dor nas pernas.

No fim da noite, já se aproximando as três da madrugada, comemos umas Currywurst no Römerberg (lugar mencionado no Kapitel XX) e pegamos o metrô. Todos, em estado lastimável após tanto caminhar, com dores nas costas e nas canelas. Àquela altura do campeonato, o banco do metrô parecia ser o lugar mais confortável do mundo.

sábado, 24 de abril de 2010

Kapitel XXXV – Dois Lados da Sala de Aula, Dois Campi e Duas Macarronadas

Sexta-feira acordei cedo, antes das 8h, pois era dia da minha primeira aula de alemão. Era no campus novo, em Westend, um bairro grande, por onde passam algumas estações de metrô. A mais próxima do campus era apenas duas depois da minha, que é Dornbusch. Normalmente, eu faria esse percurso a pé (vou freqüentemente a pé ao outro campus, o de Bockenheim, que é mais distante), mas de manhã as coisas são mais difíceis: o tempo passa mais rápido e eu faço tudo mais devagar. Comprei, então, uma passagem curta de metrô (1,50 euro) e saltei na estação Holzhausastraße, que fica bem perto da universidade.

Não cheguei a passear pelos jardins do campus, mas achei bonito o prédio, que é dos anos 1920. Lá dentro, no entanto, tive dificuldades de encontrar a sala. O número tem um setor e um andar. Precisava ir à sala 4.301, mas acabei aparecendo na 3.401... Pedi informações e, por fim, cheguei exatamente às 9 horas na sala certa. Muita gente chegou depois disso e a sala, pequena, ficou completamente lotada, com muitas pessoas sentadas no fundo, apoiando os cadernos no colo por não haver mesa para todos os presentes.

Pessoas de todas as partes do mundo estavam presentes para assistir ao curso de Grammatik und Wortschatz (gramática e vocabulário). Ao meu lado se sentou, por exemplo, um sírio. Soube que havia também dois brasileiros: o pernambucano João Guilherme, que está fazendo um intercâmbio de graduação, e a mineira Márcia, que morava no Rio e faz mestrado em teatro lá.

A aula foi bizarra. Claramente o nível dos alunos era mais avançado que o meu. O professor às vezes parecia explicar e perguntar para os alunos coisas que eu já sabia, como se fossem algo difícil, mas falava usando termos que eu não entendia. Ou seja, por vezes a explicação era mais difícil para mim do que o que era explicado. Não sei se havia outros tão perdidos quanto eu. Se havia, estavam tão mudos quanto eu. Alguns alunos eram participativos, e me deixava um pouco ansioso quando muitos riam de piadinhas que o professor fazia mas eu não entendia bulhufas.

Piorava muito a situação o fato de, em vez de escrever em letra de forma ou com uma boa caligrafia, o professor usar um garrancho que bem poderia ser da escrita árabe. Tudo bem, logo percebi que aquilo que parecia um “E” era, na verdade, um “A”, que o “G” era aquela cobrinha esquisita... Mas em muitos casos, simplesmente, eu não conseguia entender o que estava escrito (não o sentido das palavras usadas, mas pior, a forma delas). É claro que não ajudava em nada o fato de ele apagar o giz do quadro negro com uma esponja encharcada, e de escrever por cima da parte molhada, às vezes sobre uma área suja de pó e com resquícios do que ele havia escrito antes.

A aula foi massacrante para mim. Já comecei a olhar o relógio quando ainda faltava meia hora para o final, ou seja, um terço da duração. Fiquei exausto depois daquilo. O Jens olhou a apostila e não gostou muito, acha que eu deveria ir para outro curso. Considerou tudo muito estranho, demasiadamente específico, e difícil além da conta. A princípio, tentarei mais uma vez na segunda-feira.

Depois, fui ao outro campus, o de Bockenheim, onde à tarde eu auxiliaria o Jens na aula de Política e Sociedade no Brasil. Almoçamos no bandejão Mensa eu, Jens, Florian, Bertram e os também professores Marion Reiser e Jürgen. Parece que as opções básicas do Mensa pioraram para mim nas últimas semanas. Entre peixe ou batata, fui pagar mais caro num prato de massa, um ravióli de queijo com molho de brócolis.

A aula foi legal. Havia algo entre 25 e 30 alunos. Jens deu explicações em alemão e eu fiz vários acréscimos em inglês. Os alunos parecem ter gostado, várias vezes sorriam em sinal de aprovação. Esta seção foi bem histórica, e os textos que passamos para eles lerem tratavam da colonização, do Império, da República Velha, do Estado Novo, da Era Vargas... No final, os alunos fizeram o de sempre, deram cascudinhos na mesa. É uma forma de aplaudirem menos barulhenta do que bater palmas. Acho simpático, vi isso em todas as aulas que freqüentei, como professor ou aluno.

Depois da aula, conversei com Jens sobre meu projeto e sobre o período sanduíche aqui em Frankfurt e, em seguida, fomos nos encontrar com a mulher dele, Suzane, no restaurante Albatros, ali próximo. Suzane é muito simpática, todos conversamos e rimos muito. Ela bebeu uma Erdinger sem álcool, eu e Jens fizemos nosso pedido tradicional no lugar: caneca grande de cerveja Lohrer. Comemos também espaguete ao pesto, enquanto Suzane pediu uma pasta de queijo Litauer.

O dia foi cansativo. Muitas aulas entrecortadas por pratos de massa. Exausto, voltei de metrô. No mundo da lua, passei direto pela estação na conexão com a outra linha, depois quase peguei o trem para o sentido errado... mas após várias confusões causadas pelo extremo estado de distração em que me encontrava, cheguei em casa. São e salvo. Mais salvo do que são, talvez...

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Kapitel XXXIV – O Véu e a Jaqueta Preta

Hoje comi um döner em um pequeno restaurante de turcos perto da universidade. O bizarro foi ver o homem e a mulher que trabalham no lugar coçando loucamente o olho antes de manusear os alimentos (eu só ficava me lembrando da mensagem do meu amigo Felipe nos comentários do Kapitel XXVII). Depois disso, tive uma aula sobre política comparada e voltei para casa.

Minha rápida refeição me lembrou de um assunto que pretendia incluir nestes Contos Fantásticos mais cedo ou mais tarde (na verdade, eu estava justamente aguardando um dia em que não tivesse mais nada para dizer): a questão dos turcos. Eles são muitos, têm mercadinhos, padarias e... claro, restaurantes de döner, deliciosa iguaria aparentada do não menos saboroso shawarma dos árabes.

Percebi em conversas que muitos alemães, realmente, sentem certo incômodo pela presença deles, que são associados a furtos em locais de muita aglomeração ou a outros delitos. Uma coisa sempre ressaltada é que eles não querem se integrar, e mesmo turcos nascidos aqui não falam alemão corretamente. “Se não gostam da Alemanha, por que não vão para a Turquia, então?” é o que perguntam.

Minha primeira impressão é de que sua integração ocorre, mas com tensão. Observo grupos de amigos em que claramente há, entre os alemães, pessoas de origem turca ou de outras partes, como negros. Também não parece haver qualquer rejeição por parte dos alemães de freqüentar restaurantes turcos, por exemplo. Mas não apenas existe esse discurso antiturco de alguns alemães (não sei como os turcos de fato veem a Alemanha, pois não tive ainda a oportunidade de conversar proximamente com eles), como também os próprios turcos fazem questão de se diferenciar.

Vejo uma relação com o que também percebo nos Estados Unidos, onde há negros que vestem as roupas o mais chamativas possível justamente para enfatizar a sua diferença. Creio que há implícito um discurso: “vocês não nos querem, pois também não queremos estar com vocês; vejam como somos diferentes, seus branquelos!”

Aqui, é óbvio que as mulheres turcas se diferenciam de forma mais radical, pelo fato de, em função da religião islâmica, cobrirem os cabelos com o véu. Isso vale para jovens ou idosas. Pelo volume atrás da cabeça, dá para perceber que, apesar de não mostrá-lo, deixam o cabelo bastante comprido. O véu tampouco é sinal de falta de vaidade: não são poucas as turcas com grandes unhas pintadas ou com forte maquiagem no rosto.

Meu argumento sobre a diferenciação (é mais um palpite, na verdade), no entanto, não se aplica tanto a elas. O uso do véu tem uma explicação religiosa, que nada tem a ver com qualquer desejo de se diferenciar dos alemães. É a diferença nos homens que me intrigou.

É impressionante a quantidade de turcos que vestem jaquetas ou casacos pretos brilhosos. É quase um uniforme, principalmente entre aqueles com menos de 50 anos de idade. Além disso, muitos raspam à máquina o cabelo, deixando maior volume no topo da cabeça (ou só deixando cabelo ali, passando máquina zero em volta). Acredito, então, que há por trás disso uma vontade de se diferenciar e afirmar sua identidade. Se isso ocorre em função de um preconceito que sofrem ou de uma vontade própria de não se misturar (ou das duas coisas, que se retroalimentam), não serão suas roupas ou cortes de cabelo que responderão.

Continuarei observando, para poder formar uma opinião mais consistente sobre o fenômeno. Por razões puramente investigativas, portanto, em nome das ciências humanas e da paz mundial, farei o enorme esforço de continuar comendo döner kebap.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Kapitel XXXIII – Perdido no Bosque do Castelo Verde

O dia estava numa estranha clamaria. Acordei um pouco mais tarde, almocei uma costeleta de porco aqui perto de casa, e fui caminhando até a universidade. Hoje, por diferentes motivos, todos os professores estavam fora. Fiz algumas coisas que precisava fazer lá e saí. Há dias não preciso consultar o mapa para ir ou para voltar da universidade. Então, meu espírito aventureiro me impeliu a experimentar fazer um caminho diferente. Dá para imaginar como esta história acaba, não?

Eu tinha um bom controle da situação até chegar ao enorme Grüneburg-park, ou “parque do Castelo Verde”. Eu já havia ido lá, na páscoa, com o Manfred (ver Kapitel XIV), só que daquela vez o dia estava feio. Hoje, no entanto, estava lindo, com as árvores e flores da primavera iluminadas pelos raios de sol. Era o percurso ideal para eu voltar para casa. Ao menos, é o que parecia...

Embrenhei-me pelos tortuosos caminhos do parque, em meio a altas árvores de variados tipos, a corvos e passarinhos. Naturalmente, não havia qualquer sinalização. Com o tempo, ciclistas, mães com carrinhos de bebê e corredores amadores foram ficando cada vez mais raros. Atravessei uma ponte e vi que passava sobre uma auto-estrada (Autobahn). Segui por um caminho entre as árvores que margeava a estrada.

Andei muito. E percebi que não tinha a mais vaga ideia se eu estava me aproximando de casa, se estava me reaproxi-mando da universidade, ou se não estava fazendo nem uma coisa, nem a outra. Quando vi, estava do lado de algo que parecia um clube. Era o centro esportivo da universidade, que não é próximo de onde tenho aula.

Comecei a pedir informações. As pessoas, naturalmente, indicavam como fazer para pegar um ônibus. Mas eu queria voltar a pé. E voltei, após andar muitíssimo. Meu retorno para casa deve ter demorado mais de duas horas. Acabei conhecendo uma parte do meu bairro, Dornbusch, onde eu ainda não tinha estado. Já na esquina de casa, entrei numa padaria-confeitaria e comprei um pretzel doce chamado Holländerbrezel. Precisava de alguma guloseima para me revigorar após tamanha aventura.

Kapitel XXXII – Os Mestres, o Mensa e o Tanenbaum

Hoje, eu, Bertram e Florian arrastamos Marion Reiser e outro professor do departamento, Jürgen Petersen, para ir comer conosco no bandejão Mensa. Ele aceitou um pouco contrariado. Não quis bancar o chato, mas argumentou que o Mensa não é tão mais barato assim para não-estudantes do que outros restaurantes próximos, e isso não significa que sua qualidade esteja próxima da deles.

Como uma praga, suas palavras parecem ter ecoado no cardápio de hoje: massa com legumes ou filé de peixe. Não podia ser mais desinteressante para o meu apetite. Tive que fazer um pedido fora do cardápio do dia, que sai ligeiramente mais caro. Pedi uma Currywurst, ou salsicha de curry. Mas as opções de acompanhamento também não enchiam os olhos: batata frita, batata não frita... Acabei pedindo os tais dos noodles, aquele subtipo de macarrão difícil de engolir para alguém acostumado a boas macarronadas. De fato, se o Currywurst estava bonzinho, apesar de eu não ter sentido nenhum gosto de curry, os noodles estavam apenas no limite do tolerável. Aquele limite em que pensamos: “tudo bem, tenho que encher a barriga, vou colocar essa porcaria para dentro”.

Ao final do dia, eu, Floran e Bertram fomos a um pub ver a semifinal da Champions League entre Barcelona e Internazio-nale de Milão. Convidamos o Jens, que se juntou a nós um pouco depois. Aliás, eu já havia ido com o Jens duas vezes a esse pub, chamado Zum Tanenbaum, ali em Bockenheim, bairro da universidade. Todos tomamos a cerveja Licher, sendo que meu segundo copo foi da versão escura (dunkel) da Franziskaner. Comi uma salsicha Rindwurst e, depois, uma versão grande de pretzel chamada Laugenbrezel.

Acho que a maioria lá no bar torcia pelo Barcleona, esperando um show do Messi, mas eu sempre antipatizei com o time catalão e sua milionária pseudorrebeldia metida a antissistema. Além disso, por mais que nunca tenha tido grande apreço pela equipe milanesa, lá há grande número de brasileiros, com destaque para o flamenguista Júlio César fechando o gol. E o Inter venceu por 3 a 1. Nada que vá mudar minha vida, mas eu gostei.

Entretanto, não gostei de outra coisa relacionada à bola. Quanto mais nomes você conhece para o jogo de mesa totó, é um sinal de que mais você viajou. Pois eu sei que em São Paulo é pebolim, no Rio Grande do Sul é fla-flu (belo nome!), no Chile é taca-taca, na Austrália é, estranhamente, fussball (como futebol em alemão). Só que eu soube da pior maneira possível que o totó é chamado na Alemanha de Kicker. Lá no pub há uma mesa de totó, e um casal foi jogar contra a dupla formada por mim e por Florian. Venceram as três partidas! Não ganhamos nem umazinha.

Não vencer no totó é algo que desde a minha infância me dá um terrível sabor amargo de fracasso. Sempre costumei ter bons resultados nesse jogo, até já tive uma mesinha pequena no meu quarto. A verdade é que preferiria comer outro prato de noodles a perder três seguidas no totó...

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Kapitel XXXI – Em Busca da Trilha e dos Guardanapos

Em função de minhas exaustivas atividades matutinas descritas no Kapitel anterior, cheguei à universidade tarde, depois de comer um Gulash com massa (era para escolher se eu queria com massa ou com batata; tudo bem que é tudo carboidrato, mas achei estranhíssimas essas opções).

Na universidade, Florian fez uma pesquisa no Google Mapas e lá se dizia que são necessários apenas 45 minutos para fazer o percurso da minha casa até lá. Só que, como contei outro dia, levei 54 minutos andando rápido (ver Kapitel XXIX). Acho que o Google está errado. Mas pode ser que eu esteja fazendo um caminho idiota. Acredito que não estou, mas os idiotas sempre acham que não estão fazendo nada idiota, não é mesmo?

De qualquer forma, fui e voltei a pé. Não precisei consultar o mapa em momento algum na volta e, na ida, demorei para ficar em apuros e precisar dele. O ponto curioso dessa caminhada de hoje foi, na ida, ver um táxi com uma enorme propaganda de um prostíbulo na porta! E ainda acham que os alemães são travados, hein?

Na volta, comprei uma casquinha de sorvete de flocos, aqui chamado pelo italianíssimo nome de stracciatella. Ele veio sem guardanapo, e foi então que me dei conta de que ainda não comentei isto aqui: é incrível como se usam poucos sacos plásticos e guardanapos na Alemanha. Muito provavelmente se trata de uma medida para evitar o acúmulo de lixo, dentro dessa preocupação ambientalista tão forte aqui. Em muitos mercados nem dão sacos plásticos: ou você leva o seu ou tem que comprá-lo (no Rewe uma sacola plástica custa 50 cêntimos!). Isso realmente faz sentido. Mas não precisavam economizar nos guardanapos nos restaurantes, não é?

Kapitel XXX – O Líquido Precioso, o Pasto e as Tampas Coloridas

Ontem foi um domingo com cara de domingo. Fiquei em casa quase o dia inteiro. Enviei minha proposta de artigo para um congresso no Brasil e fiz algumas outras (poucas) coisas. Saí apenas para almoçar.

Era dia de Schnitzeltag no Cosi Cosi, o italiano aqui perto de casa (ver Kapitel XXIII). Lá tomei um suco de cereja (que eu não acho grande coisa, mas quis variar um pouco) e pedi um Zigeunerschnitzel, ou “Schnitzel cigano”. O Schnitzel é um ótimo filezão de porco empanado, muito consumido em Frankfurt. Zigeunersauce é o nome do molho “cigano”, que leva curry, páprica, tomate, cebola... muito bom, sehr gut. Pedi sem as batatas fritas e o garçom da voz rouca, que aperta a mãos dos clientes quando eles entram no restaurante, ofereceu pão no lugar. As duas torradinhas de pão de forma vieram bem a calhar com aquele molho condimentado.

Hoje foi dia de dar conta de algumas tarefas práticas pela manhã. Precisava trocar garrafas vazias (ver Kapitel XX), comprar mantimentos e conseguir um mapa decente da cidade (no primeiro dia comprei na estação de trem principal, por cinqüenta cêntimos, um que só cobre a parte central de Frankfurt e já está todo rasgado). Meu pão de forma Weltmeister Brot (com gergelim e outros grãozinhos) ainda agüenta uns dias, mas já não tinha mais nada para beber, meu queijo havia acabado e o siğir salam (que nada tem a ver com salame e é traduzido como Rindfleischwurst, ou salsicha de boi) que eu tinha comprado no mercadinho dos turcos já estava nos finalmentes.

Comprei um bom mapa, por sete euros, que não apenas cobre Frankfurt inteira como também todas as cidades vizinhas, como Offenbach (ver Kapitel XII), Mainz, Eschborn, Friedberg, Darmstadt, Wiesbaden, Bad Homburg, entre outras. Mas estupidamente me esqueci das garrafas. Tive, então, que voltar para casa, para sair novamente, sempre com meu mochilão de viagens. Ele tem assumido múltiplas utilidades aqui. Além de ter sido minha pesadíssima bagagem de mão na vinda para a Alemanha e de ser o que pretendo levar em minhas viagens pela Europa, eu o adotei como meu “carrinho de compras” para compras maiores de mercado e é o que utilizo para levar roupas para secar. A lavadora fica aqui em casa, no banheiro, mas o lugar para pendurar as roupas fica no subsolo do prédio, que é extremamente frio. Não me admira que as roupas custem a secar e que, mesmo secas, de tão geladas eu nunca tenha certeza se realmente não estão mais úmidas.

Mario e Manfred já me alertaram que estou fazendo um péssimo negócio comprando nas pequenas lojinhas do armênio e dos turcos (ver Kapitel XXV). De fato, eu pagava cinqüenta cêntimos em um litro de água mineral enquanto posso pagar dezenove em um litro e meio na megarrede de supermercados Rewe. Tive que me entregar ao sistema. Não consegui trocar minhas garrafas mas, com vinte e um euros, comprei bastante coisa.

Primeiramente, comprei dois pacotes de café! Sim, enfim poderei tomar em casa o líquido precioso! Sou formado em jornalismo e um estudioso da ciência política, e tanto jornalistas como cientistas sociais costumam se dopar diariamente com essa cheirosa bebida completamente entranhada de cafeína. Além disso, minha família é toda viciada em café e costumamos beber xícaras e mais xícaras todos os dias no Rio de Janeiro (sem açúcar, é claro). Enfim, tenho todos os motivos para comemorar o fato de poder dar fim à minha quase abstinência.

Além disso, comprei salame (este é salame mesmo, não é como os embutidos dos turcos que têm todos o enganoso nome de “salam”), queijos, água, suco de maçã e um pacote de Schnitzel congelado. Manfred já tinha me aconselhado a comprar uns congelados, pois saem pela metade do preço de uma refeição em um restaurante simples. Qualquer dia experimento esse Schnitzel; a caixa vem com dois filés.

Comprei três queijos diferentes (o café não é meu único vício): um camembert, um Deutscher Gouda (não sei se o alemão é muito diferente dos outros queijos gouda, mas, como estou na Alemanha, tenho que provar) e um estranhíssimo queijo verde! Era até mais caro que os outros que comprei, mas fiquei curiosíssimo. Não menos bizarro era o nome dele: Pasto Gouda. Acho que estou prestes a conhecer um outro sentido para a expressão “comer que nem um boi”.

Ao voltar das compras, fiz meu primeiro café aqui! Em seguida, Manfred me mostrou as lixeiras separadas para reciclagem aqui no prédio. Lixo comum vai para a de tampa preta, plásticos ou outros recipientes para a de tampa amarela, papéis para a de tampa verde. Como nem todos os alemães são tão certinhos como às vezes supomos (ver Kapitel VI), é claro que havia papelão na lixeira dos plásticos. Mas nós fizemos nossa parte.

Só não entendi por que nossas lixeiras ficam dentro do prédio enquanto há gente que têm lixeiras na esquina. Mas são lixeiras exclusivas para eles, as pessoas não podem usar! Manfred disse que é crime jogar lixo na lixeira dos outros, pois cada um paga uma taxa para o serviço dos garis de acordo com seu próprio volume de lixo. Só que acho um absurdo haver lixeiras no espaço público que não são para uso público. Manfred deu uma risadinha, olhou para mim com uma cara de “este brasileiro é maluco” e disse em tom de brincadeira: “isto pode ser estranho no Brasil, mas os alemães acham isto muito normal”. Tudo bem. Fazer o quê? Pelo menos fiz o meu prostesto!

domingo, 18 de abril de 2010

Kapitel XXIX – Saindo da Toca

Como alguns de vocês devem ter percebido e lamentado – e outros comemorado –, não publiquei nenhum Kapitel ontem. É que, após fins-de-semana de intenso trabalho em casa, neste sábado eu, após estudar um pouco de manhã, saí à tarde para ficar o dia inteiro fora. A programação estava intensa.

Em um dia ensolarado e quente (sim, agradavelmente quente!), fui a pé até a universidade, para me encontrar com Jens, que trabalhava em pleno sábado. Pela primeira vez contei o tempo que levo para fazer esse percurso: mesmo andando rápido (com uma brevíssima pausa para comprar uma casquinha sabor trufa), deu 54 minutos. De lá, saímos para um pub lá no bairro de Bockenheim, onde bebemos cada um três cervejas Licher e assistimos à rodada da tarde da Bundesliga, o campeonato alemão. O jogo principal era Leverkusen contra Stuttgart, mas eles mostravam longos momentos de outras partidas também, como o jogo entre Werder Bremen e Wolfsburg, e a luta entre Nürnberg e Freiburg para escapar do rebaixamento.

Eu provei um estranhíssimo queijo frankfurtiano chamado Handkäse, que tem esse nome porque é feito com as mãos. Ele tem um aspecto que parece ser o de qualquer outra coisa, menos queijo. É meio translúcido, parece um plástico. Pedi o tradicional Handkäse mit Musik, cuja tradução é “queijo de mão com música”. O nome bizarro se aplica quando o tal queijo é servido com o prato cheio de óleo e umas cebolas em cima. Além disso, ainda vinham manteiga e pão. Não é ruim, também não é muito bom, valeu para provar outra especialidade local. Mas, entre as iguarias típicas e populares em Frankfurt, definitivamente o Grünensosse e o Schnitzel são muito melhores!

De lá, fui me encontrar com o brasileiro Vítor em Sacksenhausen, em frente ao rio Main. Lá conheci o pernambucano Filipe, também muito legal. Fui a pé, apesar de já estar calibrado. No caminho até encontrá-los, senti uma crescentemente desesperadora vontade de ir ao banheiro. Não se tomam três copos de cerveja impunemente, afinal. Custei a achar um lugar onde pudesse resolver o problema hidráulico. Acabei solucionando a questão em um restaurante, onde, um pouco para não ficar chato e um pouco para segurar a onda do álcool, pedi um café. Não veio muito bom, mas eles serviram leite também (como observei no final do Kapitel XVIII, muitos alemães não são chegados em café puro). Misturei os dois, afinal, como sempre digo, o café-com-leite é a melhor solução para café ruim. Antes disso, enquanto eu seguia em direção ao rio, também passei em uma lojinha turca para comprar um bolinho (de cujo nome depois não consegui me lembrar de jeito nenhum) para forrar o estômago.

Assim como um monte de alemães e turistas, eu, Vítor e Filipe ficamos sentados na grama em frente ao rio, bebendo cerveja ou vinho de maçã, e jogando conversa fora. Nós três tomamos um chope Beck’s, que é a primeira cerveja que bebo aqui que nem é muito boa, nem é ruim. É como se estivesse tomando uma cerveja brasileira das melhorezinhas.

Filipe faz doutorado em filosofia em Frankfurt. Ele e Vítor assistem juntos a uma aula com o famoso Axel Honneth, que já soube que é um cara tranqüilão, que conversa informalmente enquanto fuma seu cachimbão. Havia, à noite, uma festa de um amigo deles do curso do Honneth, e foi para lá que nós fomos, depois de algumas andanças de metrô e trem (até então só tinha andado a pé, mas acabei comprando o bilhete diário por conta disso). Era difícil encontrar o lugar!

O anfitrião era um finlandês da parte da Finlândia que fala sueco, de modo que é nativamente bilíngüe. Mora com ele um espanhol, e ambos fazem mestrado em Frankfurt e a aula com Axel Honnneth. Na festa ainda havia gente de outros cantos além da Alemanha, como Estados Unidos e Romênia. O pessoal todo me pareceu bem legal. Brasileiros, no entanto, éramos apenas os três, e eu era, certamente, aquele com alemão mais rudimentar. Ainda tomei duas cervejas Altenmünster Brauer Bier antes de pegar uma carona de volta para casa.

Três Licher, uma Beck’s no copo grande, duas Altenmünser... não dava para escrever nenhum Kapitel ontem, né?

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Kapitel XXVIII – Achados e Perdidos

Comecei o dia com uma trapalhada. Geralmente, vou até a estação de metrô de Dornbusch, perto de minha casa, por uma galeria subterrânea (como aquelas que temos em alguns lugares no Rio, como o Aterro; só que aqui você não é assaltado ao passar por ela). Hoje, no entanto, resolvi ir por cima. O resultado de ter ido por um caminho diferente foi que eu peguei o metrô no sentido errado.

Totalmente desligado, entrei no metrô e as estações foram passando. Em determinado momento, finalmente me dei conta de que não fazia sentido eu estar por tanto tempo vendo o céu de dentro do vagão se: (1) eu pretendia ir no sentido sul, e (2) entre as estações em que o metrô passa pela superfície, Dornbush é a estação mais a sul. Não era necessário nenhum brilhantismo para entender que eu estava indo para norte. E fui longe! Andei cinco estações no sentido errado, passei até pelo outro rio que corta Frankfurt, o Nidda (o Main é o rio principal). Saltei na estação Heddernheim, que é a última antes de as linhas U1, U2 e U3 do metrô, que até ali fazem o mesmo percurso, separarem-se. Hoje eu simplesmente alcancei o ponto mais setentrional da minha vida, nunca tinha estado em uma latitude tão alta!

Por sorte eu não tinha um motivo forte para chegar cedo na universidade, de modo que minha demora foi apenas um fato curioso, não um problema. Após ver com o Jens os formulários para um possível segundo pedido de visto (sobre a novela do visto, ver os Kapitel XX, XXI e, principalmente, o XXVI) e de estudar um pouco, fui almoçar no bandejão Mensa com o Bertram e com um outro aluno de mestrado, Florian.

Bem, talvez seja o momento de explicar melhor isso. Há pelo menos três categorias diferentes de mestrado na Alemanha. Aquele que o Florian faz não é o mesmo que o do Bertram, e ambos são diferentes do que é feito por Fabian, com quem almocei na primeira vez que fui ao Mensa (ver Kapitel XXIV). Antigamente, havia na Alemanha dois tipos diferentes do que chamamos de mestrado (apesar de aqui ele não ser separado da graduação como é no Brasil): o Magister e o Diplom. Segundo Florian, enquanto no primeiro o aluno escolhe um tema de estudo principal e alguns secundários, no Diplom ele basicamente fica com apenas um tema. Bertram está terminando o Magister, Florian está no Diplom. Fabian não faz nenhum dos dois: está no Master.

A Alemanha, assim como outros países, está reformulando seu sistema de ensino, para que todos da União Europeia fiquem padronizados (no tal “processo de Bolonha”, como é chamado). Então, criou-se uma nova categoria de mestrado, o Master. Só que ainda há alunos que não concluíram o Magister ou o Diplom, de modo que, neste período de transição, há esta profusão de diferentes tipos de mestrado simultâneos.

Florian, que eu tinha visto apenas uma vez, sem conversar, também é um cara legal, como os outros dois. É um simpatizante do Partido Social-democrata da Alemanha, sua dissertação é uma análise comparada sobre as políticas de justiça em países redemocratizados para os perseguidos pelas ditaduras, e viveu por seis meses na Colômbia. Curiosamente, foi aluno do Jens também quando este lecionava na Universidade de Postdam. Tem um jeito que é, ao mesmo tempo, crítico e pragmático. Prometeu me mostrar um livro que ele tem sobre meu tema de pesquisa.

Pouco depois, fui com Jens para a aula em que o ajudo, sobre política e sociedade no Brasil. Na verdade, o nome do curso é Politik und Gesellschaft in Brasilien. Sim... é isso mesmo o que vocês estão pensando: o curso é em alemão! Hoje foi apenas uma aula de explicação geral sobre o curso, em que o Jens me apresentou para a turma, e em que eu entrei mudo e saí calado. É engraçado estar do outro lado da sala de aula. Até que consegui entender, em linhas gerais, uns 30% do que ele disse, o que me pareceu um desempenho bastante honrado. A tendência é que eu fale e me façam perguntas em inglês, apesar de todas as demais discussões e a exposição do Jens serem em alemão. Se eu souber dizer alguma coisa em alemão, falarei. Só espero que isso não gere risadas dos alunos.

Depois, fui à aula de alemão. A surpresa desagradável é que mudaram o horário da aula, que agora ocorrerá ao mesmo tempo que meus seminários sobre política brasi... digo, sobre Politik und Gesellschaft in Brasilien. Agora, procurarei descobrir se há algum outro curso de alemão na universidade em um bom horário. Mas há males que vêm para o bem. Havia um cara na sala conversando com a professora. Quando eles pararam de falar, pedi licença e perguntei para ela sobre a mudança de horário. Eis que ele se dirigiu a mim e perguntou: “ah, você é brasileiro?”. Ele disse que minhas hesitações para falar eram típicas de um brasileiro.

Fomos tomar um café e acabei fazendo mais um amigo brasileiro por aqui. O nome dele é Vítor, está morando aqui há praticamente o mesmo tempo que eu, e também veio para um período sanduíche de seis meses na Universidade de Frankfurt. Faz doutorado na USP em filosofia do Direito e estuda teoria crítica. É muito gente boa e disse que vai me apresentar um amigo pernambucano, que faz aula com ele e é doutorando aqui mesmo. Os brasileiros sempre se encontram!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Kapitel XXVII – Jumbo, o Carneirinho

Eu já acordei preocupado com o que teria que fazer hoje. Era o último dia para enviar meu artigo para o congresso em Toulouse e tê-lo inserido no CD do evento. Fiz os últimos ajustes e consegui terminá-lo, graças às inestimáveis ajudas de minha mãe – que assegurou a logística necessária para que eu compensasse a distância de alguns livros do meu quarto – e de minha amiga uruguaia Flor, que evitou que eu passasse vergonha com eventuais erros crassos em meu texto escrito em espanhol.

Só que, para passar o texto de .doc para .pdf, conforme solicitaram os organizadores, eu precisava que minha mãe fizesse a conversão no meu computador de casa, no Rio. Mas o meu computador de casa poderia estar dicionarizado no Houaiss como sinônimo de “lerdeza”, “lentidão”. É simplesmente irritante esperá-lo ligar e abrir algum programa. Quando o arquivo finalmente ficou pronto e pude enviá-lo, já não faltava tanto tempo assim para minha primeira aula na universidade!

Não tinha tempo para almoçar decentemente. Apenas comi uma minipizza de salame vendida na padaria do metrô e fui para a aula de abertura sobre política comparada, ministrada pelo Jens. Foi apenas uma apresentação do curso, mas já deu para ver que o programa está ótimo. Decidi voltar a pé, pois não carregava tanto peso, e almoçar decentemente quando passasse por algum lugar interessante e, principalmente, aberto, posto que deviam ser umas quatro da tarde.

Passei por uma loja de kebap, Yufi Döner. Entrando lá, comi uma massinha de queijo chamada börek, que foi cortesia, e pedi logo um “Jumbo Döner”, com o dobro de carne de carneiro e tudo mais o que tinha direito (salada, molho...). Afinal, era o meu almoço e não um singelo lanchinho da tarde. Faltando ainda comer um terço, eu já sentia uma pressão para os lados e para frente tentando dilatar meu abdômen. Aquele döner kebap era enorme!

O restante do percurso de volta para casa foi trilhado rolando e não mais caminhando. Depois de chegar, ainda levei treze garrafas vazias que eu estava juntando no armário para trocar lá na loja do armênio (ver Kapitel XXV). Afinal, como eu disse no Kapitel XX, aqui, para se reaproveitarem os plásticos e vidros, cobra-se na venda um adicional pelas garrafas, que depois podem ser trocadas por abatimentos na compra seguinte. Acabei pagando apenas cinqüenta cêntimos na compra de uma garrafa de água com gás e outra de suco de maçã!

A história é cíclica, sempre se repete. Agora, como ontem, ficarei em casa trabalhando, desta vez para preparar uma proposta para outro congresso acadêmico. Amanhã, terei novamente aula, de política brasileira e de alemão. Só não posso repetir também a refeição: se eu comer outro Jumbo Döner, a história não será cíclica, será redonda!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Kapitel XXVI – A Longa Viagem e a Bruxa Malvada

Hoje, andei de todos os meios de transporte público locais: metrô (U-Bahn), ônibus, bonde (Straßenbahn) e trem urbano (S-Bahn). Isso para chegar ao Ausländerbehörde, onde tentaria resolver minha difícil situação descrita nos Kapitel XX e XXI. Já posso adiantar que este Kapitel não termina com um “e eles viveram felizes para sempre”. Mas façamos como Jack, o estripador, e vamos “por partes”, começando pelo princípio, como reza a convenção.

Fui à universidade, de metrô, e lá fiquei apenas umas três horas. Afinal, tinha que tentar resolver alguma coisa do problema do visto, e o Ausländerbehörde fecharia às três. Almocei com Bertram no Mensa, o bandejão (ver Kapitel XXIV), e peguei com o Jens as coordenadas de como chegar lá no Ausländerbehörde. Precisava pegar um ônibus em frente ao Museu de História Natural (o dos dinossauros, perto da universidade; também ver isso no Kapitel XXI), ir até o ponto final e, lá perto, pegar um bonde. No bonde, teria que saltar depois de passar por um viaduto com linha férrea e pegar a rua diagonal. Por incrível que pareça, até aí deu tudo certo!

Eu nunca havia pegado ônibus, Straßenbahn ou S-Bahn em Frankfurt, só metrô. No ônibus, o motorista era um negro, de óculos escuros, brinco e barbinha estilosa, bem diferente do tipo que eu imaginava encontrar guiando na Alemanha. Ele logo viu que eu não sabia nem mesmo como comprar a passagem e me explicou tudo. Em inglês, naturalmente, pois também percebeu que minha compreensão da explicação em alemão não estava lá essas coisas. Saltei no ponto final e fiquei sem saber onde era a parada do bonde. Lá perto, duas mulheres foram para o meio da rua e entraram no bonde, que estava parado no sinal. Eu fui atrás e fiz o mesmo. Não sei se entrei do jeito certo ou não, mas entrei. Depois, vi que elas eram amigas do condutor, e acho que conversaram com ele em inglês; acredito que eram todos africanos.

Milagrosamente, saltei no lugar certo e encontrei a rua. O número do Ausländerbehörde era longe, de modo que foi uma longa caminhada com minha bolsa pesada (estava com o laptop) até chegar lá, às 2h20. Foi então que apareceu uma bruxa!

Aquelas expressões que estão nas apostilas de alemão – “guten Tag” para “boa tarde”, “auf Wiedersehen” para “até logo” – pouco se falam por aqui. As pessoas costumam se cumprimentar com um animado “hallo!”, desejar umas às outras, graciosamente, um “schönen Tag” (belo dia) e se despedir com um informal “tschüss”.

Faço essa digressão semântica para dar a dimensão do que pressenti ao cumprimentar com um “hallo” a mulher que me atenderia no Ausländerbehörde e ouvir como resposta um seco “guten Tag”. Comecei a explicar minha situação e logo perguntei se poderia falar em inglês. Ela fez aquele olhar perverso de quem se regozijava com os próprios pensamentos de “vou infernizar a vida desse pobre infeliz” e respondeu, com ar de enfado e a implícita mensagem de que estava sendo profundamente generosa com este terceiro-mundista invasor: “sim, em inglês você pode falar”.

Definitivamente, ela não transmitiu em qualquer momento a ideia de que, porventura, poderia cooperar comigo. Questionou meu seguro de saúde, reclamou que todos os documentos deveriam estar em alemão, entregou-me uma papelada para preencher e ignorou solenemente minhas explicações de que já fui aceito (o próprio consulado da Alemanha no Rio já me confirmou isso) e de que só preciso que os órgãos do governo alemão se comuniquem para que um avise isso ao outro.

Apesar de, na requisição de visto, eu já ter explicado que ficaria por mais de seis meses, que vinha estudar com bolsa financiada pelo CNPq, que tinha um convite da universidade e tudo mais, ela (como se fosse surda) continuou argumentando embasada na premissa de que eu vim apenas como turista e que tenho que passar por todo o processo para morar aqui. Eu não precisaria ter recolhido tantos documentos para dar entrada no visto se fosse para passar por isso agora. O site do consulado era bastante claro ao dizer que o visto não era necessário para eu vir, mas que era bom tirá-lo para já adiantar o processo do meu registro como morador; sem o visto, aí sim eu teria que começá-lo aqui. Dei entrada no visto no Brasil, ele saiu só depois de eu vir, mas saiu! E a bruxa quer que eu aja como se ele não tivesse sido concedido.

Saí de lá irritado, sem sequer me despedir da megera, cheio de novos papéis para analisar e, possivelmente, preencher. Terei que pensar em qual será minha estratégia para regularizar minha situação. Duas possibilidades seriam começar tudo de novo aqui ou pegar meu visto no Rio de Janeiro, mas tentarei o possível para descobrir uma alternativa C. Andei toda a rua de volta, com o grande peso do laptop, tomei um café expresso ruim, pouco quente, caro e servido só até a metade da xícara, e achei uma estação de trem S-Bahn. Não sabia para que lado ir, peguei o trem no sentido contrário, voltei e, na estação principal Hauptbahnhof, fiz a conexão com o metrô.

Era o fim da longa viagem. Está mais do que claro que burocracia excessiva com má comunicação interna também existe no primeiro mundo. Não dá para dizer “e viveram felizes para sempre”. Aliás, minha vontade na hora era a de esganar a bruxa. Aí, definitivamente, ela não viveria por muito mais tempo. Porém, como se diz, vontade é coisa que dá e passa... Mas será que a vontade passou?

terça-feira, 13 de abril de 2010

Kapitel XXV – O Limão Quente e os Franceses

Tenho um artigo para terminar, para um congresso sobre a América Latina que acontecerá em Toulouse. Acredito que sejam três coisas aquelas que, em nosso imaginário, mais caracterizam os franceses: a baguete (transportada debaixo do sovaco), o perfume (às vezes usado para disfarçar certa falta de banho) e a irritação com os ingleses. Pois esta última se manifesta de modo muito curioso nesse congresso.

Para começar, há três idiomas em que os textos podem ser escritos: francês, espanhol e português. Não se pode escrever em inglês! Não é incrível? Em um congresso internacional! Como se não bastasse, ainda recebi um e-mail com as instruções sobre o formato que devem ter os artigos, que diz explicitamente: “as referências são feitas em notas de rodapé e não no formato anglo-saxão (ou seja, entre parênteses)”. Não acho prático colocar tudo em notas de rodapé, mas eles não aceitam o modelo vigente na maior parte do mundo da ciência política, simplesmente porque este formato mais moderno foi inaugurado nas publicações de língua inglesa.

O e-mail tinha, no entanto, um lembrete muito pior do que o aviso sobre como deveríamos nos referir aos autores citados: o prazo para entrega é o dia 15 de abril! Sim, contando com hoje, só tenho três dias para terminar o texto. Por isso passei todo o fim-de-semana em casa, trabalhando. Pelo mesmo motivo, hoje não fui à universidade.

Saí de casa apenas para almoçar, e aproveitei para comprar água, na mesma loja em que quase sempre compro bebidas. Aliás, não é verdade, como eu disse no Kapitel VII, que aqui na Alemanha toda água engarrafada é com gás; já bebi algumas sem (aliás, infelizmente, pois prefiro a gasosa). Hoje, o vendedor percebeu que meu alemão era mais do que capenga e perguntou: “América?”. Eu respondi que era brasileiro, e ele teve a mesma reação que têm todas as pessoas quando informo minha nacionalidade: abrem um sorriso e dizem, com um ar afetuoso: “Ah... é do Brasil...”. Ele, por sua vez, contou que era da Armênia. Agora, já sei que compro comida com os turcos (ver Kapitel XIX) e bebida com os armênios. Frankfurt é mesmo uma cidade cosmopolita (ver Kapitel I).

Antes de comprar a água, no entanto, fui almoçar. Afinal, não havia por que ficar carregando uma garrafa para lá e para cá. Acabei indo no Cosi Cosi, o mesmo restaurante italiano e pizzaria mencionado nos Kapitel XVIII e XXIII. Das outras vezes, quem me atendeu foi um garçom com uma voz roupa, típica dos filmes de mafiosos. Hoje não, foi outro garçom, que logo, devido à minha quase mudez, ofereceu um cardápio em inglês. Recusei, é claro! Afinal, estou tentando entender os nomes em alemão. Se bem que, como eu pedi um tagliatelle ao gorgonzola, o cardápio poderia estar até em esloveno que não faria qualquer diferença.

Para beber, pedi uma limonada, orgulhoso por ter entendido do que se tratava ao ler o cardápio. Qual não foi minha surpresa quando ela chegou... quente! Com direito a biscoitinho e tudo, como se eu tivesse pedido um café! Sou obrigado, então, a homenagear os franceses de quem falei no começo deste Kapitel, voltando a parafrasear Asterix às avessas: são loucos esses germanos...

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Kapitel XXIV – O Labirinto das Bandejas

Hoje, fui convidado para almoçar pelo cara que está dividindo a sala comigo na universidade (ver Kapitel XVIII). Ele é gente-fina, seu nome é Bertram. Acabou o mestrado e está escrevendo sua dissertação. Fomos nós dois e um outro aluno de mestrado, Fabian. Desta vez almocei com estudantes, e não com professores, o que significa que, finalmente, conheci o Mensa, o bandejão universitário!

Debaixo de uma fina chuva, passamos por caminhos tortuosos, dos quais eu obviamente pouco me lembro, para chegar lá. Demos a volta no quarteirão, entramos por um prédio, saímos por outra porta, entramos em um segundo prédio e, lá dentro, demos tanta volta que, obviamente, todo o meu esforço para memorizar o caminho foi por água baixo. Chegamos ao gigantesco bandejão: dependendo do que você quer comer, tem que ir comprar em uma sala diferente, em andares diferentes, subindo escadas diferentes, tudo muito complicado para alguém sem senso de direção.

Ali no térreo, um quadro explicava as opções de refeição de cada dia. Havia boa variedade, e os preços eram consideravelmente mais baratos do que os de qualquer restaurante das redondezas, ainda que não sejam nenhuma pechincha para os padrões estudantis brasileiros. Apesar de eu não ser considerado como estudante, paguei menos de cinco euros por um prato e um suco de caixinha de “Sauerkirsch-Zitrone”, ou cereja azeda e limão.

Escolhi, naturalmente, a opção do cardápio que me deixou mais curioso: Fleishkäse. Apesar do nome, nada tinha a ver com queijo (Käse). Fabian me disse que era de porco, que não era possível de se traduzir para o inglês, e que só provando para se saber o que era. Corajosamente, aceitei o desafio! Peguei minha bandeja e talheres, escolhi o Fleischkäse, recusei as batatas fritas, aceitei o molho e me servi de salada. Apesar de Bertram não ter se mostrado muito empolgado com a qualidade da comida do Mensa quando me convidou – considerava apenas que, pelo preço, valia a pena –, eu achei o Fleischkäse muito bom, digno de ser servido em qualquer restaurante. Era uma carne molenga e rosada, de aspecto algo semelhante ao do presunto. Então, já experimentei mais um porquinho (ver Kapitel VII)! Fabian disse que é um prato típico da Baviera, do sul da Alemanha.

Depois, fomos tomar café. Ambos encheram até a boca copões grandes, É que o café lá custa dois euros e o copo é grande; ou seja, se você servir menos, pagará o mesmo valor. Resolvi completar com leite – quase todo mundo faz isso – mas a máquina parecia vazia ou entupida. Vi que havia outra máquina, de chocolate quente, e, então, resolvi completar o copo com ela. Acontece que o café e o leite são jorrados pelo tempo que você pressionar o botão, enquanto que o chocolate tem uma quantidade fixa, não é para ser misturado e custa vinte cêntimos a mais. Eu só entendi isso depois que meu copo transbordou e eu assisti a alguns segundos de descida de chocolate quente pelo ralo. Mais um mico que pago nestas terras...

Voltei para meu prédio universitário com o copo de café-com-leite-e-chocolate em uma das mãos e o suquinho de cereja azeda e limão na outra. Certamente almoçarei no Mensa mais vezes. Quer dizer, isso se eu aprender o caminho...

domingo, 11 de abril de 2010

Kapitel XXIII – O Pingüim e o Dia do Porco

Mais um dia de trabalho acadêmico em casa, mais uma saída para o almoço. Desta vez, pus o pé na rua mais cedo. Antes de meio-dia e meia eu já chegava ao restaurante italiano aqui perto (o mesmo mencionado no Kapitel XVIII). Ele também vende pizzas, acho que mais em conta do que as da pizzaria do lado; qualquer dia vou experimentá-las. Soube que ontem estava fechado porque os sábados são seu Ruhetage, ou seja, dias de descanso. Hoje, porém, não apenas estava aberto como estava lotado! Se eu tivesse chegado um pouco depois, precisaria procurar outro lugar. Sentei-me à única mesa desocupada, a menor delas.

Havia duas grandes mesas cheias de gente e uma menor onde se sentava um senhor e sua mãe anciã, algum tempo depois substituídos por uma senhora e sua progenitora. Na maior de todas as mesas, suspeito que se tratava de uma confraternização pós-primeira comunhão. Um menino vestido de pingüim, com coletinho preto, terno preto, camisa branca, ostentava um enorme crucifixo (quase maior que ele) pendurado no pescoço, onde estava escrito “ich Bin der Weg” (“eu sou o caminho”, em português). Além dele, havia também uma garotinha endiabrada, fantasiada de “E o vento levou”, que não parava quieta: pulava, falava, derrubava guardanapo, puxava a cadeira da irmãzinha do pingüim...

Hoje era Schnitzeltag! Vários restaurantes têm, em um ou dois dias da semana, um Schnitzeltag. Nesse dia, em vez de uma única opção de Schnitzel no cardápio, há mais de vinte. É bem verdade que só variava o molho, pois todos vinham com salada e batatas fritas, que, por um francesismo, são chamadas de “Pommes frites” em vez de Kartofeln (sobre batatas, ver o Kapitel XVII). O Schnitzel, abordado no Kapitel VII, é um grande filezão de porco empanado, popularíssimo por estas bandas. Pedi um com molho curry, sem batatas fritas.

Olhei as cervejas do cardápio e bateu aquele temor: só conheço duas delas... como experimentar uma nova se corro o risco de ela ser uma cerveja local? Lembrei-me, no entanto, que Jens me explicou que a péssima qualidade de quase todas as cervejas do estado onde se encontra Frankfurt (ver Kapitel XI) não é uma regra que se aplique àquelas feitas de trigo, apenas às de cevada. Olhei para o lado e vi que, entre os sentados à mesa do pingüinzinho, havia um homem bebendo em um inconfundível copão para cervejas de trigo. Perguntei ao garçom qual era – era a Waizenbier – e pedi uma. A dele era a clara, para mim veio a escura, mas tudo bem, gosto muito de cervejas dunkel.

Como o restaurante estava cheio, eu já imaginava que demoraria. O nível da cerveja no meu copo ia diminuindo e nada de chegar o prato. Pedir uma segunda era algo que eu nem cogitava, pois havia um texto acadêmico para ser escrito. Quando faltavam apenas uns dois goles, chegou meu Schnitzel. É claro que ele veio com as batatas fritas. O restaurante estava cheio demais para meu prato vir diferente dos outros.

sábado, 10 de abril de 2010

Kapitel XXII – A Bola e o Mexicano de Bangladesh

Tenho muito trabalho a fazer. Meu artigo para um congresso em Toulouse não andou nada ontem em função dos pepinos burocráticos que tive que resolver (ver Kapitel XXI). Minha programação para este sábado, portanto, é ficar enfurnado dentro de casa. Mas há necessidades fisiológicas que devem ser satisfeitas independentemente de compromissos acadêmicos; uma delas é comer. Saí, então em busca de um lugar para almoçar.

Sábado, cerca de 13h45, e vários restaurantes fechados. Eu não entendo isso! Será que os restaurantes fecham na hora do almoço para la siesta?! Segui caminhando até um pouco mais longe até encontrar algum aberto. Eis que encontro um especializado em comida mexicana e em filés. Os filés posso comer por bem mais barato no Brasil, e provavelmente com melhor qualidade. Pedi, então, chili con carne, que chegou pouco depois de uns nachos por conta da casa.

O garçom perguntou se eu era alemão – não sei o porquê, pois ele já havia notado que eu tinha dificuldades com o idioma. Respondi que era brasileiro e... adivinhem sobre o que ele começou a falar? Futebol, é claro! Além das lamentáveis mortes pela chuva no Rio...

Ele não parecia europeu – na verdade, estava na cara que era imigrante – e mandei de volta a mesma pergunta, se ele era alemão. Nada menos mexicano: ele era de Bangladesh! Continuei minha apuração e descobri que, apesar de ele ser relativamente jovem, estava aqui há 31 anos (ou seja, há tanto tempo quanto eu estou no planeta Terra).

Quanto ao futebol, esporte pelo qual se disse apaixonado, ele torce sempre para o time que joga mais bonito. A maioria das vezes é pelo Brasil, mas ele só decide para quem vai torcer depois de ver como as equipes estão jogando. Portanto, vai ser difícil que ele torça pela seleção do país onde mora há três décadas. Será que o time de camisa amarela merecerá o apoio bangladeshiano?

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Kapitel XXI - Os Dinossauros Atabalhoados

Hoje não fui à universidade. Tenho um artigo pra fazer, que está muito atrasado, e, principalmente, tinha duas tarefas burocráticas para cumprir: registrar-me como morador do bairro de Dornbusch no órgão competente (o Bürgeramt) e telefonar para o consulado do Rio para resolver meu problemão descrito no capítulo anterior.

Dizem sempre que na Alemanha todo mundo fala inglês. Já haviam feito a ressalva de que isso não se aplica às cidades menores, especialmente às pessoas idosas. Chegando em Frankfurt, concluí que não é verdade que todos falam inglês, mas, sim, em todo lugar haverá alguém que sabe falar. Pois hoje vi que minha conclusão estava errada: as duas senhoras que me atenderam no Bürgeramt não sabiam inglês! A que demonstrava conhecer algumas palavras da língua inglesa falava menos o idioma do que eu falo alemão. Apesar das dificuldades lingüísticas, meu alemão foi suficiente para eu me registrar no bairro. Agora, só falta me registrar no país! O que parece que não será fácil...

O consulado alemão no Rio só atende pela manhã mas, devido ao frio horário de verão daqui e ao fuso horário, estamos cinco horas mais tarde do que a Cidade Maravilhosa, de modo que poderia telefonar para lá a partir das 13h30. Fui, então almoçar. Descobri que a lojinha que vendia embutidos também serve refeições, que podem ser para viagem ou para ser comidas lá mesmo, em pés diante de umas mesinhas. Coloquei uma fatia de carne suína, uma lingüiça, um bolo de carne e... um pouco de espinafre, para não acabar me transformando no tiranossauro de Bockenheim (ali perto da Universidade de Frankfurt, por causa de um museu de arte natural que funciona lá, há dois enormes dinossauros na rua, que fazem sucesso entre as crianças) de tanto comer carne.

Pouco depois das 14h, telefono para consulado, aproveitando a oferta do Skype de ligação gratuita. Mas não estavam encontrando o meu processo e pediram para eu ligar em uma hora. Aí, é claro que a promoção do Skype acabou, e tive que comprar crédito, o que me tomou algum tempo. Às 16h15, liguei novamente. Já estavam com o meu processo e me disseram que precisam que o Ausländerbehörde fizesse o requerimento para que o consulado dissesse que estava tudo OK e, então, o Ausländerbehörde me desse o visto. Isso parece tão estranho para vocês como parece para mim? Vamos resumir o que aconteceu, desde o início: dei entrada no visto; o consulado enviou meus documentos para o Ausländerbehörde analisar; chegou o dia da viagem e tive que pegar meu passaporte; o Ausländerbehörde disse para o consulado que eu podia viver na Alemanha; eu já estava na Alemanha quando ele deu a resposta; tenho agora que pedir que o Ausländerbehörde faça o requerimento para o consulado para que este diga para o Ausländerbehörde que ele mesmo aprovou o meu visto. Bem, vou então o quanto antes, pessoalmente, ao Ausländerbehörde explicar essa esdrúxula situação e tentar conseguir meu visto.