Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


domingo, 25 de abril de 2010

Kapitel XXXVI – A Vassoura e uma Noite no Museu

Sábado foi um dia cheio. Comecei fazendo algumas compras no supermercado Rewe. Achei que era uma brilhante ideia comprar logo seis garrafas d’água de uma vez, assim não correria o risco de ficar com sede e precisar ir à rua emergencialmente ao longo da semana. Foi ficando claro que era uma ideia estúpida conforme eu voltava a pé para a minha casa carregando nove litros de água mineral (cada garrafa tem um litro e meio), fora as demais compras. Tanto a alça do saco plástico como a palma da minha mão deixaram claro para mim que aquele não era um peso para alguém carregar por quatro quarteirões.

Chegando em casa, foi a vez de realizar outra tarefa doméstica. Somos quatro morando aqui no apartamento, cada mês do ano tem quatro semanas, e a sujeira está sempre se acumulando. O resultado dessa equação é simples: cada um de nós tem que limpar a casa uma vez por mês. E eu completei um mês na Alemanha... Sim, era a minha vez de fazer a faxina! Não estou muito acostumado com essas tarefas do lar, mas, entre aspiradores e sabões, consegui cumprir meu dever.

Almocei em um restaurante asiático perto de casa, onde ainda não tinha ido, que tem o “orientalís- simo” nome Welcome. Pedi uma cerveja chinesa Tsingtao, que eu já havia conhecido no bairro paulistano da Liberdade, e comi um prato de carne de porco com cogumelos, bambu e molho condimentado. Realizado tudo o que eu precisava fazer pela parte da manhã e da tarde, eu estava pronto, portanto, para o grande evento do dia: a Nacht der Museen, ou Noite dos Museus.

A cidade estava em um clima diferente. Na Nacht der Museen, por doze euros, comprava-se um bilhete que permitia visitar até quarenta e oito museus em Frankfurt ou na vizinha Offenbach, das 19 horas até as duas da madrugada (sobre Offenchach, ver Kapitel XII). Além disso, havia em vários museus atrações de música e dança.

Comecei já às 19h10 pelo Museum für Kommunikation, que foi o meu preferido. Lá havia telégrafos e versões antigas e pioneiras de rádios, televisões, computadores, máquinas de escrever, telefones... Eles mostravam tudo o que se pudesse se relacionar à comunicação, como os meios de transporte usados pelo correio alemão ao longo da história, desde carroças até carros modernos. Interessante ver mensagens trocadas por passageiros e tripulantes do Titanic, desde telegramas de satisfação pela confortável viagem até um pedido de ajuda porque o navio estava afundando. Impressionante ver fragmentos de tábuas com escrita cuneiforme mesopotâmica de muitos séculos antes de Cristo.

Depois, tomei uma casquinha de sorvete de nozes e fui ao Museum für Angewandte Kunst (MAK), onde havia quartos quase vazios, com poucos móveis em exibição, o que me pareceu meio bizarro. Lá encontrei meus amigos brasileiros Filipe e Vítor. Aquela era uma exposição à parte, em um anexo. Em seguida vimos em outro bloco do museu uma exibição de móveis e porcelanas, desde antigos até extremamente modernos (e “modernosos”). O mais interessante, no entanto, foi a apresentação de quatro violoncelistas, no jardim do museu, tocando a nona sinfonia de Beethoven.

Juntos, eu, Filipe e Vítor visitamos ainda outros quatro museus: o etnográfico Museum der Weltkulturen, o teatro de ópera Schauspiel, o Museum für Moderne Kunst (MMK, museu de arte moderna) e o Schirn Kunsthalle.

No Museum der Welkulturen havia objetos contempo- râneos relacionados a povos de todo o mundo, separados por continente. Artesanatos de índios brasileiros, como cocares, estavam presentes. Havia objetos inusitados, como um cachimbo angolano com a figura de um intercurso sexual (perdoem-me, mas não sabia que termo seria mais adequado usar neste espaço). Havia também um estranho recipiente comprido usado por nigerianos, que não entendíamos o que poderia ser. Filipe leu a resposta em um folheto e disse que daria um milhão para quem descobrisse para que servia, completando, em tom de brincadeira, com a resposta: “É claro que serve para beber cerveja de banana, né?” Bizarramente, ele não estava pregando uma peça, era para isso mesmo que servia.

Apesar de ser interessante, o museu não chegava ao pés de outros em que já estive, como o Museu Pré-colombiano de Santiago, por exemplo. Vítor comentou que não havia nenhum objeto antigo, e minha resposta foi uma triste constatação: “pois é, aqui eles mostram objetos de povos do mundo todo que ainda não foram exterminados”. Depois, saímos em busca de uma cervejinha e mandamos ver em um döner kebap completo.

Já descansados e saciados, fomos ao teatro Schauspiel, onde são realizados os espetáculos de ópera (na bela Alte Oper, ou antiga ópera, são realizados concertos mas não mais óperas). Filipe estava particular- mente interessado em ir ao Schauspiel porque inauguraram lá, justamente neste sábado, uma sala de Chagall. Estava exposto seu enorme quadro Commedia dell’Arte, muito provavelmente inspirado em uma pintura de Georges Seurat, que vimos pouco depois, no Schirn Kunsthalle. No Schirn, além das obras de Seurat, em sua maioria impressionistas e pontilhistas, havia também perturbadoras pinturas de Uwe Lausen. Dentre estas, gostei de uma sobre um homem com a cabeça para fora na piscina, que lembrava a bandeira do Brasil.

No museu de arte moderna MMK havia muita coisa de que não gostei, mas também algumas obras interessantes, como gravuras de Andy Wahrol e o propositalmente repetitivo e intrigante microvídeo Time is a trick of mind, de Francis Alÿs. Em forma de fatia de bolo, esse museu é meio labiríntico, com salas em tamanhos variados, sendo algumas delas, em andares diferentes, quase idênticas, pintadas com alguma parede em mosaicos multicoloridos. O que mais me chamou a atenção, no entanto, foi o fato de eu nunca ter visto tantas mulheres bonitas trabalhando em um museu. Ouvimos uma dupla de brasileiros conversando entre si e é impressionante como faziam os mesmos comentários que a gente! Aliás, deu pena de ver os funcionários do museu, àquela hora, exaustos de ficar até tão tarde trabalhando em pé: uns bocejavam, outros se agachavam sem qualquer constrangimento, para aliviar a dor nas pernas.

No fim da noite, já se aproximando as três da madrugada, comemos umas Currywurst no Römerberg (lugar mencionado no Kapitel XX) e pegamos o metrô. Todos, em estado lastimável após tanto caminhar, com dores nas costas e nas canelas. Àquela altura do campeonato, o banco do metrô parecia ser o lugar mais confortável do mundo.

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