Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Kapitel CXIII – O Sol e a Floresta Negra

No domingo eu fiz uma viagem decidida na antevéspera, para a cidade de Freiburg im Breisgau (ou Friburgo em Brisgóvia, em português), mais para perto da Suíça. Fui convidado por Gilberto, e foram conosco a mulher dele, Letice, e Celi. Esta última também conheci na festa que aconteceu na casa do Filipe (ver Kapitel LVII) e reencontrei na exibição pública do jogo do Brasil contra a Costa do Marfim na Copa do Mundo (ver Kapitel LXXVI). Gilberto disse que ela é a maior especialista em viagens pela Alemanha e pela Europa, sabe todos os macetes. Logo, foi nomeada nossa guia!

A forma mais rápida de ir a Freiburg é nos trens rápidos, chamados ICE. Só que fomos numa promoção de fim-de-semana (chamada Schönes Wohenende, ou “belo fim-de-semana”) em que, por um preço fixo, pode-se viajar o quanto quiser dentro da Alemanha durante um dia. Mas só é permitido ir nos trens regionais, que não são tão rápidos assim.

Além dos trens serem mais lentos, por pararem em mais estações, precisaríamos fazer várias conexões ou, outros termos, teríamos que baldear. Aliás, existe um verbo para baldear em alemão: umsteigen. Quando Aninha, ou Frau Ännchen, ensinou essa palavra nas nossas aulas de alemão no Brasil, parecia ser algo tão específico que eu jamais decoraria. Mas estes meses em Frankfurt me mostraram que ela é uma palavra importantíssima: todos fazem baldeação diariamente no metrô U-Bahn e no trem urbano S-Bahn.

Desta vez, no trem regional, faríamos várias baldeações. Primeiro, umsteigen em Heidelberg. Depois, trocaríamos novamente de trem em Karlsruhe (onde adorei uma estátua na forma de várias pessoas sentadas; é claro que tirei fotos). Passaríamos, então, para outro trem em uma cidadezinha chamada Offenburg (que não conhecíamos; como tem nome parecido com Offenbach, vizinha a Frankfurt, brinquei que Offenburg era um primo distante). Lá, então, trocaríamos para o último trem, com destino à Basileia, só que saltaríamos antes (agora, o verbo é aussteigen, primo próximo do umsteigen). Na volta, tudo igual, só que, obviamente, de trás para frente.

Marcamos de manhã bem cedo – lá pelas oito na principal estação de trem de Frankfurt – e voltaríamos apenas à noite, beeeem tarde. Simplesmente tanto a ida como a volta demoram, cada uma, quase cinco horas. Basicamente ficaríamos na cidade por tanto tempo quanto a ida ou quanto a volta, ou seja, demoraríamos viajando o dobro do tempo de conhecer a cidade. Antes que nos acusem de insanos, no entanto, saibam que, por mais incrível que possa parecer, a viagem valeu muito a pena!

O tempo no trem passou rápido, não foi tão cansativo quanto nós mesmos imaginá- vamos. Isso porque conversamos o tempo todo; eu não estava sozinho como em outras viagens. Aliás, conversamos o tempo todo em termos: na verdade, eu falei mais do que todo mundo. Até o Gilberto, que é tido como um tagarela, ficou impressionado de ver que eu falava ainda mais do que ele.

Quando lá chegamos, vimos que a cidade é linda! Belas casinhas, ruas encatadoras de pedras desenhadas (não são quadradinhas e predomina a cor cinza, mas me lembraram os calçadões de pedras portuguesas), e vários vãos ao longo das ruas de pedra para escorrer a água. Bem... esses vãos não são tão encantadores assim. Não demorou muito para que eu afundasse o pé em um deles. Até a canela. Entrou água em todo o espaço livre dentro do sapato. A sorte é que, apesar de estar esfriando bastante nos últimos dias na Alemanha, lá estava quente e ensolarado. Aliás, Freiburg é mesmo tida como a cidade mais quente e ensolarada da Alemanha.

Famintos, fomos almoçar pouco depois de chegar ao centro antigo. Comi um Spätzle, massa típica da Alemanha (sobre ela, ver Kapitel VII), com molho de cogumelos. Resolvemos pedir, para dividirmos, dois litros de cerveja de trigo Franziskaner, que sairia bem mais em conta do que pedir um copo para cada um. Qual não foi nossa surpresa quando o garçom trouxe um copão de dois litros. Chegamos a pensar em pedir que trouxesse copos menores vazios, para repartirmos. Mas desistimos. Qual seria a graça, não é? Não é todo dia que bebemos em um copão de dois litros. E assim fomos encarando a Franziskaner tamanho família, no estilo cachimbo da paz.

Andamos pelas ruas, entramos na catedral, subimos em uma torre com vista para toda a cidade. Ela é cercada pela Floresta Negra, Schwarzwald, que tem esse nome por, supostamente, ter árvores com folhagem mais escura. Celi disse que é de Freiburg a torta floresta negra, que tem o nome por isso. É claro que paramos para tomar um café e comer a tal torta. Se é da região mesmo eu não sei, mas a floresta negra não só e bonita como é saborosa!

A volta foi mais silenciosa. Um cochila daqui, o outo dorme dali. Foram quatro horas e quarenta e cinco minutos, segundo Celi. Cheguei em casa apenas às duas da madrugada! Cansado mas satisfeito. E, graças ao sol friburguense, com o pé totalmente seco!


Mais imagens desta viagem.

sábado, 4 de setembro de 2010

Kapitel CXII – O Boi Adormecido

A noite de ontem foi divertida. Fui ao bairro de Sachsenhausen, do outro lado do rio Main, para assistir em um bar com Florian ao jogo de futebol entre as seleções da Alemanha e da Bélgica. Depois da partida, nós nos encontramos ali perto com Vítor, Julian, Filipe e Fiorina e fomos a outro bar, numa área conhecida como a “antiga” Sachsenhausen, ou Alt Sachsenhausen.

Lá, bebemos “cerveja de litro”, que, diferentemente de como ocorre no Brasil, era medida horizontalmente e não verticalmente: vinha um suporte de madeira com vários copinhos de uns 200 ml. Parecia muito, mas em cinco ou dez minutos estavam todos os copos vazios. Uma segunda rodada foi necessária. Rimos muito, falamos muita bobagem, e voltei tarde para a casa, no ônibus noturno, já que o metrô tinha parado de funcionar uma hora mais cedo.

Quanto à partida da Alemanha, a seleção germânica venceu bem, por 1 a 0, fora de casa. Superou a Bélgica, que, se não é um timaço, tampouco é uma Ilha Farö ou Liechtenstein da vida, configurando-se em uma das seleções competitivas do grupo. A partida não era um amistoso, como eu supunha, mas o primeiro jogo das eliminatórias para a Eurocopa de 2012. O gol foi marcado por Klose, após uma roubada de bola de Schweinsteiger, aproveitando um cochilo da defesa belga. Na mesma rodada, a França, por exemplo, passou vexame, perdendo em casa para Belarus.

Este jogo da Alemanha me motivou a escrever aqui um conto fantástico que há tempos eu pretendia, mas sobre o qual, com a minha viagem para a França e, depois, a eliminação da Alemanha no mundial e o fim da Copa do Mundo, acabei perdendo o gancho. Trata-se da seleção “multicultural” da Alemanha. Durante a Copa, era impressionante o volume das reportagens e comentários exaltando o fato de haver no time jogadores de diferentes origens e nacionalidades. Até pelo horror que os alemães sentem do passado nazista, há um sentimento muito positivo pelo fato de haver negros e turcos na seleção. Historicamente, a Alemanha costumava ser um time branco, diferentemente do que já ocorria há mais tempo em outras eleções europeias, como Inglaterra, Holanda, Portugal e França.

De fato, a seleção da Alemanha que jogou uma boa Copa e que, em minha opinião, merecia ser a campeã (e teria sido, se não tivesse caído tanto de rendimento no jogo contrea os espanhóis), tinha gente de todas as partes. Miroslav Klose e Lukas Podolski, contestados e vitoriosos jogadores com um longo histórico na seleção, vêm, como se sabe, da Polônia. Os poloneses não gostam muito e os consideram traidores (isso me disseram os polacos no albergue em que fiquei em meus primeiros dias de Frankfurt; sobre eles, ver Kapitel II), mas eles de fato cresceram na Alemanha. Klose se mudou para o país aos sete anos e Podolski, aos dois.

Há outros estrangeiros nessa situação entre os participantes da Copa do Mundo. Andreas Beck mudou-se com sua família aos três anos de idade da União Soviética para a Alemanha. Marko Marin fez o mesmo, aos dois anos, vindo da Bósnia Herzegovina. Piotr Trochowski, nascido na Polônia, foi para a Alemanha aos cinco anos de idade. Há ainda jogadores com sobrenomes e aparência bem diferentes do alemão típico, mas que nasceram no país. Dennis Aogo é alemão de Karlsruhe, mas filho de pai nigeriano. O berlinense Jerome Boateng é filho de pai ganês. O ídolo Mesut Özil e Serdar Taşçı são ambos filhos de imigrantes turcos mas que nasceram na Alemanha. Sami Khedira é alemão filho de pai tunisiano, e Mario Gómez, de pai espanhol.

Considero muito positivo isso. Acredito que, em umas duas décadas, não só a Alemanha mas a maior parte da Europa serão como o Brasil, um lugar de muita mistura, em que não será possível identificar um rosto típico. Loiros, negros, pessoas de olhos puxados, árabes, indianos, todos os rostos poderão ser de cidadãos locais, nascidos e criados ali. Entretanto, acho que uma coisa é um jogador nascer na Alemanha filho de pais estrangeiros, ou mesmo se mudar ainda criança e crescer no país, e outra bem diferente é, depois de adulto, ele se naturalizar e jogar pela seleção alemã. E o clima no país é o de apresentar Cacau como se estivesse na mesma situação de Özil, Podolski ou Marin.

Cacau, ou Claudemir Jerônimo Barreto, é paulista de Mogi das Cruzes. Trilhou o mais improvável caminho em sua bem-subcedida carreira futebolística. Foram várias tentativas frustradas de decolar no futebol no Brasil. Diante dos insucessos, trabalhou como assistente de pedreiro e vendeu refrigerantes e salgadinhos. Em 2000, começou a jogar em um time da quinta divisão alemã, chamado Türk Gücü München. Depois, foi contratado para jogar no time B do FC Nürnberg. Agradou e passou para o time principal, jogando na Bundesliga. Transferiu-se, então, em 2003, para um clube mais importante, o Stuttgart, pelo qual jogou a Copa dos Campeões da Europa no mesmo ano e, depois, novamente na temporada de 2007-2008. Tem contrato com o Stuttgart até 2013.

Sem jamais ter sido chamado para a seleção brasileira, obteve o passaporte alemão em 2009, após oito anos vivendo no país, e foi convocado para a equipe nacional, onde é ídolo incontestável. Apesar de não ser titular, é incrível como é unânime a vibração da torcida quando ele entra em campo. Isso não me contaram; eu vi em cada jogo na Copa do Mundo. O atacante substitui algum titular e as pessoas sorriem, comentam, festejam, torcem.

Florian, certa vez, perguntou: “Cacau é meio-brasileiro, não é?” Eu respondi: “Não, Kurányi é meio-brasileiro. Cacau é completamente brasileiro!” Kevin Kurányi, atacante que não esteve na última Copa, nasceu no Rio de Janeiro, filho de pai húngaro criado na Alemanha e de mãe panamenha. Jogou dos seis aos 13 anos de idade no Serrano, de Petrópolis, com um período de um ano no clube panamenho Las Promesas, para onde voltou em 1996. Apenas em 1997, aos quinze anos, ele se mudou para a Alemanha, para jogar nos juvenis da equipe B do Stuttgart.

Minha brincadeira foi, justamente, uma crítica a essa ideia de que a situação é a mesma. Cacau é um batalhador, merece ter sucesso na carreira, mas me agrada este fenômeno, comum em todo o mundo, de os times naturalizarem estrangeiros para compensarem deficiências de sua equipe. Já cansei de ver braisleiros, que no máximo moram há muito tempo fora, defenderem seleções como a do Japão, de Portugal, da Tunísia, da Espanha, da Bélgica... O mesmo ocorre com africanos, surinameses, argentinos... Acho que nascer ou crescer em um país é motivo forte o suficiente para jogar pela seleção desse país; mudar-se para lá já adulto, com outra cultura, e viver lá por uma década não é, por mais que goste de lá e tenha se ambientado bem.

Não é o primeiro caso na Alemanha. Outro brasileiro, Paulo Rink, jogou pela seleção há algum tempo, sem qualquer ligação prévia com o país. O ganês Asamoah, que jogou por vários anos na seleção alemã, foi para lá aos 12 anos. É mais legítimo do que a situação de Cacau e Paulo Rink, ainda que eu tenha alguma dúvida (sim, é uma dúvida, também não tenho certeza se mereceria ser criticado) se é o mesmo caso de estrangeiros que imigraram quando eram crianças bem mais jovens, entre dois e sete anos de idade.

Enfim, cada caso é um caso. Mas, em linhas gerais, o que quero dizer é que, se é fantástico – não apenas futebolisticamente, mas também (bem mais importante) socialmente e humanitariamente – que não haja restrições para a participação de alemães com as mais variadas origens étnicas e culturais na seleção nacional, por outro lado, convocar jogadores que não são alemães não tem nada a ver com isso. Trata-se de um mero artifício para tornar a equipe tecnicamente mais competitiva. Neste caso, a história da seleção multicultural deixa de ser uma bela transformação social e passa a ser mera conversa para boi dormir.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Kapitel CXI – Antes das Bodas

Mal voltei a Frankfurt da viagem à Baviera e já estava cheio de compromissos. Era aniversário da Lara, a alemã que fala português perfeitamente e com sotaque baiano. Tinha marcado de comemorar no jardim atrás do Museum der Weltkulturen, onde o brasileiro Ivan Santos tocaria (já tinha assistido a um show dele, excelente; ver Kapitel CI). Menos de três horas depois de pisar na estação de trem de Frankfurt, eu estava lá, pronto para o festejo. Mas era o único! Ninguém tinha chegado, apesar de que a ideia original era marcar para uma hora mais cedo ainda do que aquela. Logo o carioca foi chegar antes dos alemães, quem diria...

Depois vieram Lara, suas irmãs, e um animado rapazinho chamado Peter, filho de uma delas. O bebezinho mexia em tudo, e deu sinais de que trabalhará futuramente com comércio ou investimentos, tamanha a vontade de tirar o dinheiro da carteira da mãe. Muito engraçado! Depois chegou um amigo de curso de inglês da Lara, gente-fina. Bebemos vinho, ouvimos música e... abrimos os guarda-chuvas! Começou a cair o maior pé-d’água! Ainda assim, resistimos até o show acabar.

Fazia parte do Museumsuferfest, um festival artístico e cultural semelhante à Noite dos Museus que descrevi no Kapitel XXXVI. De lá, seguimos caminhando pela rua que margeia o rio Main, onde nos encontramos com o namorado de Lara, chamado Jens. E mais álcool! Bebemos uns chazinhos aditivados com água que passarinho não bebe e, depois, fomos a um bar. Lá, chegaram Xenia, Maryhen e o namorado dela, Jens (Jens não é, definitvamente, um nome muito incomum na Alemanha), e a alemã filha de pernambucana chamada Ana (ela apareceu no Kapitel CV).

Lá, bebemos Apfelwein, o vinho de maçã, que é uma tradição em Frankfurt (especialmente no bairro de Sachsenhau- sen, onde estávamos, do outro lado do rio Main). Aliás, aproveitei para ter uma refeição totalmente frankfurtiana. Além do Apfelwein, pedi um Frankfurter Schnitzel, que é um filé de porco com Grüne Soße, um molho verde à base de ervas da região. É o prato mais típico de Frankfurt, e também encontrado mais facilmente em restaurantes em Sachsenhausen. Eu acho gostoso, e estava com saudade de comer isso (sobre a vez anterior em que tinha comido o Frankfurter Schnitzel, ver Kapitel XL).

Depois, demos mais uma volta e encontramos meu amigo Vítor. Havia várias barraquinhas e palcos. Eu, Lara, Xenia e o amigo de Lara dançamos em uma tendinha de música disco das antigas e em outra de salsa e ritmos latinos. Além disso, eu e Vítor mandamos ver na cerveja de trigo. Foi uma noite divertida, mas minha programação frankfurtiana não acabaria ali.

Já na noite seguinte, haveria a festa de despedida de Fabian, que fará um intercâmbio na Letônia. Por que Letônia? Boa pergunta, eu também o questionei sobre a mesma coisa, e a resposta não foi muito satisfatória. Ele não fala nada de letão, espera conseguir se virar exclusivamente em inglês, e lá não é nenhum centro em que ele tenha contatos ou que seja especialmente forte nos temas que ele estuda.

Fabian me disse que queria ir a um lugar diferente. Bem, se a ideia era essa, como disse um amigo brasileiro chamado Flávio, ele poderia ter ido fazer intercâmbio em alguma ilha paradisíaca do Pacífico, não é? Dizem que Riga, capital da Letônia, é bonita, mas ele estará lá em pleno inverno! Para vocês terem uma ideia, Fabian precisou comprar um casaco de frio, daqueles com pele de animal, porque os que ele tinha não eram suficientes para a friaca que ele encontrará lá. Vejam bem: Fabian é alemão, bávaro, e mora em Frankfurt, não estamos falando de nenhum latino ou africano dos trópicos!

Bem... cada louco com a sua mania. Apesar do aparente parafuso a menos, Fabian é um cara legal e eu fazia questão de ir a sua festa de despedida. Seria realizada na casa de um amigo dele chamado Björn, que também ia estudar fora (no e-mail de convite dizia que seria “lá onde os deuses vivem”; pelo nome dele, portanto, suponho que seja na Suécia ou algo assim). Aliás, a festa incluía entre os homenageados ainda uma terceira amiga deles, Elena, que fará o intercâmbio em Moscou.

Os exotismos geográficos não acabavam. Um dia depois de voltar de trem conversando com uma eritreia (ver Kapitel CIX), na festa de meu amigo que vai se mudar para a Letônia falei com pessoas de lugares que achei que nunca estariam mais próximos de mim do que quando eu olho um mapa-múndi. Primeiro, conversei com um alemão que falava português bem direitinho. Por quê? Porque o pai dele é de Goa! Não era brasileiro, português ou angolano... era indiano de Goa! Não é todo dia que se encontra alguém de Goa, não é? Ou filho de alguém de lá, que seja...

Depois, passei um tempo considerável conversando com uma moça chamada Olga. Amiga de Elena, ela também vai à Rússia. Estuda economia, espanhol e russo (?!). Sim, isso é o tema de um curso de graduação, por mais estranho que possa parecer. Perguntei-lhe o porquê e ela me disse que também não era alemã. Era cazaque! Veio aos cinco anos para a Alemanha, e sua língua materna é russo. Ela e seus pais não falam cazaque. Ela me explicou que o regime soviético não incentivava muito que as pessoas falassem outras línguas que não o russo, de modo que sua família não sabe o idioma próprio do Cazaquistão. Como ela estuda espanhol, tem amigos brasileiros e adora música baiana (?!), sabe falar um pouco de português e adora a sonoridade da língua de Camões.

Fui ficando na festa. Quatro cervejas, dois copinhos de tequila, um de vodca... Era bem mais do que eu esperava... Fabian foi embora, mas eu continuei lá, apesar de não conhecer nenhum dos presentes até então. Havia umas oito pessoas quando eu resolvi, por curiosidade, olhar o relógio. Eram cinco e meia da madrugada! Em estado de choque, eu me despedi de todos os sobreviventes e voltei para casa. Precisava dormir! No dia seguinte, domingo, eu teria mais um evento pela frente.

Fui com Vítor, Filipe, Fiorina e Brunela ver a ópera “O casamento de Fígaro”, de Mozart, na Neue Oper, localizada em frente à Willy-Brandt-Platz. Foi divertido: os ótimos cantores, trajados com figurinos engraçados, contracenavam em um cenário giratório. Só não deu para entender muito da rápida história das bodas de Fígaro, cheia de reviravoltas e confusões. É que uma ópera cantada em italiano com legenda em alemão não é exatamente a combinação mais compreensível para mim.

Mas, no intervalo entre os atos, Filipe e Brunela, que entendiam melhor, deram uns palpites e deu para não boiar muito. Filipe brincou que a história era meio “A Grande Família”, meio “Os Normais”. Poderia ser ainda mais complicado de se entender, é claro, como, por exemplo, se a ópera fosse cantada em mandarim com legendas em swahili... Mas depois de conhecer gente da Eritreia, de Goa e do Cazaquistão, isso já seria demais, não é mesmo?