Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Kapitel CX – As Três Princesas

Na segunda-feira passada, fui de Munique para Regensburg, onde me hospedei na casa de Alejandra, uma amiga chilena. Lá, conheci o marido dela, Burkard, alemão da região da Francônia, e as três princesinhas “produzidas” pelo casal: Francisca, Paula e Julia. As três filhinhas de Ale não precisaram de mais do que quinze minutos depois de me ver para começar a pular em cima de mim. A toda hora queriam tirar fotos com a minha câmara, e posamos fazendo muitas caretas.

É incrível notar como a personalidade das pessoas já se forma bem cedo. Francisca, a primogênita, por exemplo, é mais introspectiva, tímida, atenta, pensa rápido e, apesar de as irmãs também gostarem de livros e de música, ela é, das três, a que parece ler mais e ter maior atração pelos instrumentos musicais. Paula, por sua vez, é mais extrovertida, gosta de tirar fotos e de ter a atenção de todos, é mais falante e emotiva.

A pequenina Julia, de quatro aninhos, a que, fisicamente, saiu mais parecida com Alejandra, já dá mostras de que é muito curiosa. Das três, Francisca fala bem espanhol, Paula fala um pouco (e tem grande preguiça de aprender) e Julia ainda não fala, mas é impressionante como as três entendem tudo! Fiquei encantado com as meninas. Julia fez dois desenhos para mim e Paula desenhou e montou um livro “para colorir” e me deu de presente.

Depois, fomos fazer um passeio ali perto, nas margens do rio Danúbio. As três princesas foram meus modelos. Como costumo tirar muitas fotos, e sempre gosto de incluir crianças nas imagens, para mim a bela paisagem e a presença das três meninas eram a combinação perfeita. À noite, fui com Alejandra a um restaurante de comida curda. Estava ótimo o meu prato de berinjela com carne moída acompanhado de um cereal que parecia arroz integral. A cerveja que eu pedi, então, Weltenburger Kloster Barock Dunkel, talvez seja uma das melhores que já provei!

No dia seguinte, novo passeio, desta vez em um belo bosque na cidade. O que não foi nada belo foi o ataque de uma abelha à minha amiga Ale. Coisas da natureza. À noite, fomos todos a um restaurante espanhol, onde comemos pollo almendrado. Para beber, fui de Herrnbräu Hefe Weissbier Dunkel.

Na quarta-feira, foi a vez de conhecer Nuremberg. Cheguei à estação , olhei a lista dos trens e vi que haveria um em uns quinze minutos. Desci à linha férrea e ali, no vão cinco, estranhamente aparecia que o trem sairia bem mais tarde e iria a Frankfurt e não a Nuremberg. Voltei à bilheteria e descobri algo bizarro: aquele trem para Nuremberg que aparecia na lista que eu tinha lido, na verdade, não existia. Ou seja: nem todos os trens que aparecem na lista existem! Simplesmente esdrúxulo!

O atendente gentilmente imprimiu para mim a lista dos próximos trens para Nuremberg: um sairia uma hora antes do outro mas chegaria apenas cinco minutos antes. Não foi difícil, portanto, escolher em qual dos dois eu iria. Aproveitei para dar uma volta no centro de Regensburg – pelo menos na área em torno da estação de trem Hauptbahnhof –, aonde até então eu só tinha ido de passagem.

Fiquei deslumbrado quando cheguei ao centro antigo (Altstadt) de Nuremberg. É incrível que tenham reconstruído tudo aquilo depois da Segunda Guerra (na Wikipedia dizem que 90% do centro histórico foi destruído pelos bombardeios ingleses e estadunidenses em apenas uma hora!). Sua igreja de St. Lorenz, seu castelo imperial, sua muralha, seus chafarizes e estátuas, seus edifícios antigos, a área próxima ao rio Pegnitz... é tudo lindo demais.

Também me chamou a atenção uma lojinha em que se vendiam produtos alusivos a uma campanha para separar a região Francônia do estado da Baviera. Na hora de voltar, tive dificuldade para encontrar a estação de trem e fiquei preocupado porque não me lembrava exatamente a hora do trem de volta: se era 19h20, 19h30 ou 19h40. Cheguei às 19h30 em ponto e vi no letreiro que sairia às 19h36. Ufa! Mas minha sorte não se repetiria.

Quando saí da estação de trem de Regensburg, fui ao ponto de ônibus e vi que o que me levaria de volta à casa de Alejandra estava parado. Corri até ele, mas o safado do motorista fechou a porta quando eu estava chegando. Ainda fiz o movimento para abrir a porta, mas ela já estava travada e ele se mandou. Graças à má-vontade do motorista, tive que esperar meia hora até o ônibus seguinte! Como se não bastasse, meu lendário senso de direção defeitoso me impediu de aprender a chegar na casa da Ale, de modo que, após saltar no ponto mais próximo de lá, fiquei totalmente perdido. Procurei por todos os lados e, ao fim, foi preciso que Burkard me buscasse. Ridículo, não é?

Saímos para almoçar, na quinta-feira, em Adlesberg, um lugar no município de Pettendorf, vizinho de Regensburg, onde fabricam sua própria cerveja. O lugar é bonito, tem um monastério do século XIII, muito verde, flores, e um Biergarten, local onde se pode tomar cerveja ao ar livre. Essa era nossa ideia, até começar a ventar forte e levantar poeira.
Fomos, então, almoçar do lado de dentro. Comemos veado (sem piadinhas desneces- sárias, por favor) com Spätzle, que é uma massa típica da Alemanha (sobre ela, ver Kapitel VII). Bebi logo dois canecões da cerveja local: uma Adlesberger “Palmator” dunkles Starkbier e uma Adlesberger Jubiläumsdunkel, ambas escuras, mas a primeira um pouco mais forte. Tudo muito bom!

Depois, fiquei no centro da cidade, para andar por todas as suas ruelas e conhecê-lo. É uma cidade bonita, em que o que me impressionou, mais do que belíssimas construções como as de Nuremberg, foi a integração das edificações antigas com a natureza. A grande quantidade de verde e o rio Danúbio dão um toque especial a Regensburg.

Enquanto caminhava, provei a cerveja Kneitinger Dunkel no próprio bar da cervejaria, que é lá da cidade. Depois, antes de voltar, Alejandra me encontrou e fomos jantar em um restaurante italiano. Comi uma boa costeleta de porco com molho de champignon e bebi... cerveja! Era uma Erl Hell. Nesse dia eu realmente bebi muita cerveja: foram quatro canecões de meio litro cada. A Baviera é um lugar difícil de se beber pouca cerveja. Lá em Regensburg ainda provei a Urtyp Hell e, em Nuremberg, a Eichhofer Hell.

A sexta-feira era dia de voltar. Eu teria o aniversário da Lara para ir em Frankfurt. Mas, antes, era hora de comemorar outro aniversário, de uma das três princesinhas: Paula. Cantamos parabéns e comemos bolo de café-da-manhã. Desta vez, nada de cerveja!


sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Kapitel CIX – Admirável Mundo Velho

Acabo de voltar da viagem para Regensburg, aonde fui depois de Munique. Lá, eu me hospedei na casa de uma amiga chilena, Alejandra. Sobre minha estadia lá eu contarei em outro Kapitel. Agora, vou tratar da minha volta. Como hoje é aniversário de Paula, uma das filhas de Ale, comemos um bolo em comemoração e, por isso, acabei saindo um pouco tarde de lá, depois das dez (minha viagem era às 10h33). Então, minha amiga me deu uma carona até a estação ferroviária Hauptbahnhof. Foi, portanto, uma volta tranqüila, sem contratempos (diferentemente da maioria de minhas viagens, como os leitores destes Contos Fantásticos já devem ter notado).

Nem por isso se tratou de uma viagem de trem sem nada que mereça destaque. É admirável como, no Velho Mundo, pode-se encontrar gente de todas as partes. Eu nunca imaginei que um dia, por exemplo, conheceria alguém da Eritreia. Para quem não é aficionado em geografia como eu, Eritreia é um país no nordeste da África, que por um tempo pertenceu à Etiópia, mas que se tornou independente nos anos 90. Ocupa todo o litoral do que era a Etiópia há poucas décadas atrás. Pois não é que era de lá Nigsti, a minha companheira de trem?

Ela já estava viajando havia muito mais horas. Vinha da Áustria, onde mora há nove anos, para se encontrar com seus irmãos, que estariam em Frankfurt de passagem para seguir para os Estados Unidos. Ela já estava no trem desde as seis e meia da manhã! Certamente gostou de, enfim, encontrar alguém para conversar. Ela me contou que, antes de se mudar para a Europa, morou ainda cinco anos no Sudão. Aliás, apesar de ser eritreia, ela trabalha na embaixada sudanesa na Áustria.

Disse que, como fala no trabalho todo o tempo em inglês e árabe, até hoje não fala bem o alemão. Essa informação foi reconfortante para mim... O idioma natal dela, no entanto, chama-se tigrínia. Ela me mostrou como se escreveria meu nome no alfabeto usado por eles. É mesmo completamente diferente.

O trem chegou um pouco atrasado, quase às duas da tarde. Eu estava roxo de fome. Como não estava nem um pouco disposto a esquentar uma pizza em casa, resolvi comer em algum dos muitos restaurantes de culinária de outros países que ficam nas cercanias da Hauptbahnhof de Frankfurt. É aí que, depois da Europa e da África, entra neste “conto fantástico” a outra parte do Velho Mundo: a Ásia. Eu pensava em comer em algum restaurante turco, mas passei por um de comida asiática, chamado Ding Ding Sheng, que estava cheio de... asiáticos. Pensei: um restaurante asiático... se está cheio de asiáticos, é porque deve ser bom. Comi um guang dong ji, que é um frango à moda cantonesa. Sim, estava bom. Assim é a Europa... aqui tem de tudo. Admirável mundo velho...

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Kapitel CVIII – O Gato de Botas e o Suspensório

Munique é uma cidade bonita, mas não é tão limpa e neuroticamente certinha como tinham me falado. Vi guimbas de cigarros no chão e muitos playboys correndo de carro. Florian tinha dito que é bem mais cara do que as outras cidades alemãs, mas vi camisas, bermudas e camisetas na promoção que eram muito baratas (comprei uma por três euros). De todo modo, a informação dada por meu amigo talvez tenha fundamento. Afinal, dá razão a ele o meu virtualmente infalível método de avaliar o quão careira é uma cidade europeia: o preço da bola de sorvete na casquinha (ver Kapitel XLVII e LXXXIV). Em Frankfurt, ela costuma custar oitenta cêntimos, sendo um euro o da Mövenvick. Pois em Munique custou 1,20. O sorvete de pistache estava ótimo, mas não nega que Munique é mais cara.

Além desse sorvete, comi em Munique um salgado turco que era um pão com carne que veio fatiado e não entendi o nome (“bire”, “bude”, não sei...) e provei várias especialidades bávaras: pretzel (Bretzel em alemão e Brezn no dialeto bávaro), as já conhecidas salsichinhas brancas com mostarda doce (ver Kapitel VII), uma estranha mas boa Bayerische Festagssuppe (com bolinhos de semolina, bolinhos de fígado, tiras de panqueca e Markklößchen, que acho que é tutano, mas não tenho certeza), e um porco enrolado (Roll-qualquer-coisa-shwein; não anotei o nome, e este era comprido) acompanhado de chucrute. Só provei cervejas que ainda não conhecia: Franziskaner Dunkel Hefe-Weisse, Augustiner Dunkel, Augustiner Lagerbier Hell, uma ótima Ayinger Kellerbier (não filtrada), a também boa Ayinger Jahrhundert (clara), Hofbräu Urbock (forte). Nenhuma cerveja mais ou menos; todas aprovadas!

Por falar em comidas e bebidas, o atendimento nos bares de cerveja em Munique é péssimo (exceção para o Ayingers Wirtshaus). No que fica perto do albergue, que serve Augustiner, eu fiquei um tempão esperando e nada de me atenderem. Fui, então, ao bar, supondo que era preciso pedir lá. Ao me ouvir falando com o funcionário do bar, um garçom respondeu que eu tinha que pedir na mesa, pois lá não funciona self-service.

No dia seguinte, fui ao Biergarten (jardim de cerveja) da Torre Chinesa, localizada no parque Jardim Inglês. Lá, há uma grande fila onde cada um, com sua bandeja, vai pedindo o que quer e, depois, paga no caixa. Primeiro, vi uma costela grande e uma carne de porco enrolada. Perguntei ao sujeito do balcão o que era – porque eu queria saber os nomes – e ele me respondeu, impaciente: porco e porco, os dois são porco.

Depois, quando fui pagar, a mulher do caixa perguntou se eu não tinha cinqüenta cêntimos, e eu fiquei procurando, mas nada de encontrá-los. Estava tão difícil que até uma moeda de um euro caiu no meu prato (eca!). E não é que a salafrária ficou resmungando? Quem tinha a obrigação de ter troco era ela, eu estava fazendo uma gentileza de tentar encontrar. Esse povo está assoberbado de trabalho, eu sei, é muita gente enchendo a cara de cerveja, mas não pode atender mal desse jeito... Além de tudo, é cobram caro!

No meu primeiro dia em Munique, passeei principal- mente pelo centro histórico, onde vi muitas construções bonitas, como as igrejas St. Paul’s Kirche e Freuen Kirche, o Neues Rathaus e toda a área da Marienplatz. No segundo, também passei por lá mas procurei ver os marcos presentes no mapa que estavam mais afastados, como o Maximilianeum. Quando eu procurava o Deutsches Museum, que fica mais a sudeste, acabei me deparando, sem querer, com o rio Isar. Muito bonito. Eu já estava estranhando estar em uma cidade grande na Europa em que não via um rio bem no meio onde as pessoas se encontram. Foi uma grata surpresa...

Faz um calor toulousiano em Munique (quando fui a Toulouse, estava tão quente que comecei o Kapitel LXXXII dizendo isso), mas a população descobriu um jeito fantástico de resolver o problema: ir à praia! Munique está londe do mar, mas as pessoas vão com trajes de banho (sunga, calção, biquíni, até topless eu vi!) para a beira do rio Isar. Eu não estava preparado para isso, mas não resisti. Tirei camisa, óculos, relógio, e, na beira, tomei o chamado “banho de gato”, de calça comprida e botina mesmo. Excelente! Se mais tempo eu ficasse, é certo que tiraria uma manhã ou tarde para nadar!

Depois, fui ao Deutsches Museum, uma dica do Marlos. Ele fica, a exemplo dos principais museus de Berlim, em uma ilha, também chamada pelo convencional nome de Museumsinsel. O museu é enorme, são muitas salas e muita coisa exposta. Para fazer uma visita detalhada e completa, são necessários pelo menos quatro ou cinco horas. Eu estava cansado de tanto caminhar e, por isso, uma olhada despretensiosa durante duas horas foi satisfatória. E, apesar de não ter sido tão minuciosa, ainda assim não consegui ver tudo e faltaram várias salas, como a dos instrumentos musicais e a das telecomunicações.

O museu é dedicado à tecnologia, mas a aborda de maneira bem abrangente. É um prato cheio para engenheiros, físicos, aficionados por automóveis ou por aviação. Mas é interessante para outras pessoas também. Há motores, hélices, turbinas, altímetros, robôs, tratores, muitos aviões e helicópteros, carros, moinhos e várias outras máquinas. Além disso, há criaturas abissais submarinas, um modelo que simula o diferente funcionamento da físico-química para dimensões muito microscópicas, e por aí vai.

Na saída do albergue, antes de ir a Regensburg, ouvi reclamação de montão porque fiz o check-out à uma quando o certo seria às dez. Eu não me lembro de terem me dado tal informação e, se deram, eu não devo ter entendido. Senti no ar uma intenção de me cobrarem outra diária, o que obviamente não ia rolar. Fiquei repetindo “mas eu não sabia, mas eu não sabia”, até que deixassem para lá. De todo modo, o albergue – Meininger City Hostel – era bom. É limpo, fica não longe da Hauptbahnhof, e tem um bar que, se não é animado, pelo menos serve cerveja boa. No hall, tinha internet wireless, que era meio lerda, mas era gratuita (havia internet nos computadores do hall e wireless nos quartos, mas aí era cara e não sei se menos lenta, pois obviamente não a usei).

Apesar de estar próximo à estação ferroviária, custei a encontrar o albergue quando cheguei à cidade. É que sou enrolado, não conhecia Munique, não tinha ainda um mapa e não segui as instruções do site: ele dizia para pegar o trem urbano S-bahn e andar uma estação; ora, são muito preguiçosos, não querem caminhar nada... Eu quis ir a pé. Foi meio cansativo, até porque andei um pouco mais do que precisava, mas não me arrependo. Aliás, nem sei se o transporte público em Munique é bom, porque fiz tudo a pé.

Uma coisa que me chamou muito a atenção logo que cheguei a Munique é que há vários lugares vendendo as roupas típicas dos bávaros, provavelmente devido à proximidade da Oktoberfest. A brincadeira não sai por menos de uns 140 euros. A roupa típica consiste em um vestido característico para as mulheres, e em berbudas e suspensórios de couro para os homens.

O mais engraçado é que vi um homem andando na rua vestido assim! E não era nenhum garotão fazendo piada não, era um senhor de idade. Só não sei se ele era um orgulhoso entusiasta das tradições bávaras ou se precisava se vestir assim para trabalhar. Por exemplo, as garçonetes de vários restaurantes usam vestidos típicos da Baviera, e na Torre Chinesa uma banda tocava, lá no alto, com todos os seus componentes devidamente paramentados com a bermuda e o suspensório de couro.

Essa roupa é tão característica desta região da Alemanha que, conforme Bertram me contou, os torcedores de outros times costumam cantar a seguinte canção para o Bayern de Munique quanto sua equipe o enfrenta: “Zieht den Bayern die Lederhosen aus, Lederhosen aus, Lederhosen aus!” Significa nada menos do que: “Tire fora as bermudas de couro do Bayern, fora as bermudas de couro, fora as bermudas de couro!” É engraçado, mas, por favor, façam isso longe de mim. Prefiro ser poupado dessa visão do inferno. Se ainda fosse para tirar os vestidos de belas bávaras...


Vídeo de Munique

sábado, 21 de agosto de 2010

Kapitel CVII – O Trem das Onze

Finalmente eu ia conhecer a Baviera. Meus dias de Europa se aproximam do fim e há muitos lugares na Alemanha que eu gostaria de conhecer e, até agora, não foi possível. Cheguei a comprar, há poucas semanas, uma passagem para Regensburg, mas não pude ir (motivo no Kapitel CI). Antes de partir neste sábado para Munique, no entanto, eu ainda tinha alguns eventos em Frankfurt.

Na quinta-feira, marquei com Julian de comermos uma pizza ali perto da minha casa, a Pizzeria Da Benito. De lá, ele sugeriu que fôssemos a um festival (Fest) que estava acontecendo perto da estação central Hauptbahnhof. E lá fomos nós, onde encontramos duas amigas dele. Depois, elas foram embora, mas encontramos um outro amigo de Julian, acompanhado de um monte de colegas de trabalho. E seguimos com eles. E íamos bebendo cerveja: primeiro uma Warsteiner na pizzaria, depois, na rua, uma Germania, uma Becks, uma Flensburger.

Chamou a atenção no festival o estande de uma ONG antiglobali- zação, montado em frente a um banco. Como aquela área é cheia de inferninhos, eles fizeram uma brincadeira com aquelas cabines cobertas com buraquinhos para os homens olharem as mulheres fazerem suas performances eróticas: fizeram uma montagem em que, olhando-se para dentro, via-se vários desenhos com críticas ao sistema financeiro, aos megacapitalistas, etc.

Na sexta-feira, eu tinha outro evento, em que também encontraria um monte de gente legal que eu não conhecia. Era a festa de despedida de uma grega chamada Ioli, que vai ficar três meses... no Rio de Janeiro! Ela fará um estágio lá, e eu só a conhecia por e-mail e Facebook. É amiga de Marion Mannhold (ver a seção Personagens), que nos apresentou para que eu pudesse lhe dar algumas dicas sobre onde morar no Rio.

Na véspera, apesar de não ter chegado tarde, só dormi muito depois e acordei de manhã bem cedo. Com apenas três horas de sono, precisava de um cochilo naquela sexta-feira à tarde, depois que voltei da universidade e antes de ir para a festa. É claro que o despertador não tocou, e cheguei depois do que havia planejado. Mas não foi um grande problema. Lá, eu me deparei com pessoas de várias partes, falando inglês, alemão, grego e português (o namorado de Ioli, Ricardo, é português, e havia ainda uma paulista, Fernanda, de modo que também falavam a língua de Camões tanto eles como o namorado dela, Bastian, e um outro alemão que estava lá, Tobias, que já morou em Portugal).

Risadas, caipirinha, cerveja portuguesa Super Bock, um trago da fortíssima grapa greco-turca. Não quis sair muito tarde porque viajaria para Munique no dia seguinte. O trem partiria já no final da manhã, mas eu não queria correr o risco de perdê-lo. Ainda assim, saí depois que o metrô já tinha parado de funcionar. Precisei ir a pé. Como sou meio perdido, perguntei a eles como chegar à minha rua, a Eschersheimer Landstraße. Eles me explicaram, mas, quando cheguei à rua que eles tinham indicado, tive uma desagradável surpresa: era outra! Era a Grosse Eschersheimer Straße. Por que dão nomes tão parecidos?!

Felizmente, eu estava com um mapa dos arredores da casa de Ioli e Ricardo, e o fato de eu ter feito muitas vezes a pé o caminho da universidade até minha casa nos meus primeiros dois meses na Alemanha me ajudou a conhecer algumas pistas de como voltar, apesar do meu péssimo senso de direção. Depois de chegar, dormi mal, pois estava preocupado que o despertador não tocasse. Acordei várias vezes e acabei me levantando antes do previsto. Mas quando alguém é atrapalhado, mesmo todas as providências podem ser insuficientes...

Eu tinha acordado com antecedência, mas, sabe-se lá o porquê, memorizei a hora errada da viagem. Ficou na minha cabeça que era no final da manhã e, então, pensei em 11h54, quando, na verdade, era às 10h54. Então, apesar de ter tempo, fiquei enrolando no computador, e quando já passava das 11 horas, fui conferir a passagem e vi que eu estava em casa ainda e o trem já tinha partido.

Fiquei um bom tempo me xingando e saí de casa apressado e preocupado. Como eu faria agora? Acho que, a princípio, como comprei a passagem com algum desconto, eu precisaria pagar uma multa para pegar o trem seguinte. E eu não sabia se seriam os quinze euros que estão escritos em meu bilhete, se seria a diferença entre o preço da minha passagem e o custo integral (que acho que daria uns trinta euros), se seria a soma dos dois (45 euros... isso está ficando caro...), se eu precisaria pagar o preço inteiro da passagem...

Quando cheguei à Hauptbahnhof, faltavam cinco minutos para o próximo trem para Munique, que sairia às 11h50. Comecei a procurar algum funcionário da companhia de trens para me informar. Como eu tinha pressa e precisava usar muitos termos técnicos que eu não conheço, tentei perguntar em inglês. O funcionário não compreendia o idioma, e não estávamos nos entendendo em alemão. Ele me disse para perguntar na sala de venda de passagens, onde saberiam inglês.

Era o que eu temia, pois lá as filas são enormes. Minha esperança era falar com um funcionário da recepção e ele me responder que eu poderia pagar uma quantia pequena ali mesmo ou no próprio trem. Não foi bem o que aconteceu... O primeiro funcionário do balcão não entendia inglês e sugeriu que eu perguntasse ao que estava ao seu lado. Este também não falava e me disse para pegar minha senha para a fila. Indiquei a ele, apontando o relógio, que eu não tinha tempo, e ele fez a cara de “paciência... vai lá para a fila”. Peguei a senha, dei meia volta e fui embora. O trem para Munique sairia em breve; depois, só à tarde! Não sou muito chegado a viver perigosamente, mas seria preciso arriscar.

Eu não tentava viajar sem pagar. Afinal, comprei minha passagem. Aliás, já paguei caríssimo para ir à Baviera, se somarmos ainda o que paguei, em vão, há não muito tempo, para ir a Regensburg. Mas eu não sabia quais seriam as conseqüências de entrar no trem errado. Teria que pagar ali a diferença? Teria que pagar uma multa de 40 euros, como a cobrada de quem viaja sem pagar no sistema de transporte público de Frankfurt? Teria que comprar nova passagem? Seria mandado para fora do trem?! Teria a improvável sorte de não me fiscalizarem ou de o controlador não perceber que eu estava com a passagem para outro trem? Nada disso aconteceu. Pausa para o suspense... Um pouquinho mais... Bem, sigamos agora com a história.

O controlador não tomava banho sabe-se lá há quanto tempo (situação compartilhada pela senhora sentada na poltrona atrás de mim), mas se mostrou flexível e compreensivo. Tive muita sorte! Ele pegou meu bilhete, conferiu minha identidade, e começou a falar comigo algo que eu suspeitava do que se tratava, mas me fiz de desentendido. Respondi que falava mal o alemão – o que é verdade, apesar da benevolência da maioria dos alemães com quem converso no idioma local.

Ele perguntou se eu falava inglês, respondi que melhor (“besser...”), e ele informou na língua de Shakespeare que eu estava no trem errado. Fiz uma teatral cara de perplexidade e, cinicamente, perguntei: “É outro o trem?!” Ele me disse que eu ia para Munique, está certo, mas que o meu trem era o de número 621, enquanto que aquele era o quinhentos e qualquer coisa. Mudo, olhei para ele com uma cara de “ops... e agora?”. Aí, ele marcou meu bilhete como checado e me disse que, da próxima vez eu deveria prestar atenção para pegar o trem certo.

Final feliz.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Kapitel CVI – Burrada Mitológica: a Amazona, as Greias, a Fúria e o Cérbero

Na mitologia grega, as greias eram três velhas cegas, que compartilhavam um único olho, que deram ao herói Perseu a informação de onde ele poderia encontrar a Medusa. Eu vejo duas grandes diferenças entre as greias e os carteiros alemães. A primeira é que acho difícil que alguém consiga, por meio deles, receber alguma informação. A segunda é que desconfio que, também cegos, eles não têm nem ao menos um olho para revezar. Se têm, aparentemente esse olho nunca está na posse do carteiro que vai me entregar alguma carta ou pacote, pois o maldito jamais encontra meu nome na caixa postal, apesar de este estar escrito em letras bem grandes.

Na mitologia romana, as fúrias, conhecidas como erínias entre os antigos gregos, eram criaturas aladas que personifi- cavam a vingança e castigavam os homens. Fúria é também o que eu estou sentindo em relação ao correio alemão. Espero que a persequição que sofro de seus carteiros não seja alguma punição das erínias. Por sorte, parece que as amazonas, guerreiras na mitologia greco-romana, são mais competentes na realidade germânica do que o correio.

Recebi um e-mail da Amazon avisando que um livro que encomendei voltou (sobre o não recebimento dele por causa do maldito correio, ver Kapitel CIV). Por sorte, a política da empresa é a de, se o livro enviado voltar, devolverem o valor pago, incluindo os três euros do frete. Espero que devolvam mesmo; será menos uma dor de cabeça. Eles dizem, então, que, se o cliente ainda estiver interessado, deve fazer novo pedido. Com a ajuda de São Manfred, refiz a compra, que – espero! – será entregue na caixa postal dele.

Na mitologia grega, o Cérbero era um cão de três cabeças que guardava as portas do inferno, deixando que os mortos entrassem, mas impedindo que eles saíssem. O correio alemão está fazendo o possível para tornar minha vida um inferno. Se tem três cabeças, parece que nenhuma delas funciona. Em vez de deixarem as almas entrarem, mas impedirem que elas saiam, o correio alemão permite que as cartas sejam enviadas, mas não que sejam recebidas. Se o correio alemão é um cachorro, certamente não é o melhor amigo do homem. Pelo menos, não de um chamado Guilherme.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Kapitel CV – A Hora Feliz

Nesta terça-feira fui ao bar onde se dança salsa (foi a segunda vez que fui lá; sobre a primeira, ver Kapitel C). Chama-se Curubar, fica perto da estação Konstablerwache. Quem organizou a saída foi a argentina Xenia, que estaria com outros amigos. Além de mim e da alemã quase baiana Lara, estavam um cara chamado Christian (incrível a quantidade de pessoas com esse nome na Alemanha!) e uma garota chamada Ana, que é filha de pai alemão com mãe recifense. Fala português (não tão bem quanto Lara, mas também fala) com um baita sotaque pernambucano.

Da outra vez em que fomos, havia uma promoção, com as bebidas a um preço mais em conta do que os extorsivos valores do cardápio. Lara perguntou se havia happy-hour, e o garçom respondeu que já tinha acabo, pois ia até as dez horas (eram 10h30). Foi frustrante. Como o lugar não cobra entrada, pagar quatro euros por um coquetel até que acabaria saindo em conta. Mas o valor normal da bebida, oito euros, não motivava nenhum de nós. Já planejávamos passar a noite a seco, até que meu sangue carioca falou mais alto.

Uma garçonete perguntou se queríamos beber alguma coisa e respondi – com aquele malandro tom de brincadeira com fundo de verdade em que somos exímios – que queríamos happy-hour. A garçonete olhou para a minha cara e perguntou: “são quantos drinques?” Naquele momento, estava claro que o jeitinho brasileiro havia funcionado. Respondi que pelo menos quatro (éramos cinco pessoas), e ela avisou ao outro garçom que ele podia nos servir as bebidas como happy-hour, ou seja, pelo preço promocional.

Um alemão perguntaria se há happy-hour, lamentaria que o horário tinha passado, jamais pensaria em consultar os funcionários se, levando-se em conta a quantidade de pessoas interessadas em consumir, não poderiam abrir uma exceção e flexibilizar a regra. Isso é coisa de brasileiro. Eu arrisquei... e petisquei. Posso não ser bom de samba, pode me faltar categoria nos campos de futebol, mas hoje mostrei que sou um brasileiro legítimo.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Kapitel CIV – O Pacote pro Lugar

Nos últimos dias, vários problemas se solucionaram. Minha bolsa de estudos dos próximos três meses foi paga, o que significa que meus tempos de dureza na Europa acabaram. Poucos dias depois, fui avisado de que o dinheiro dos dois meses anteriores da minha bolsa, que não tinha ido parar na minha conta corrente, finalmente foi extornado (sobre o drama, ver Kapitel XCIV).

O dinheiro tinha sido depositado com o código IBAN errado, e, por isso, não foi parar na minha conta. O código foi fornecido em uma carta do Postbank para mim – não entendi por que colocam um outro código bancário que não o meu, sem explicar isso, justamente na correspondência onde me informaram o número do banco e da minha conta corrente. Eu não tinha por que deduzir que o código não era o meu e o forneci ao CNPq (só fui saber o código certo muito depois, quando fui reclamar no banco e o funcionário o buscou no meu cartão).

Depois vim a saber que cada cliente tem o seu próprio código IBAN – como não trabalho com isso, imaginei que o código era o mesmo para o banco todo. Alguém que lide com isso sabe que o final do código IBAN é idêntico ao da conta corrente. Logo, o pessoal da minha bolsa deveria ter percebido que o número da conta corrente e o IBAN fornecidos eram incompatíveis. Mas não viu, e enviou o dinheiro. O banco, por sua vez, recebeu o montante e não procurou saber de quem era. Eu receberia esse valor depois que o Banco do Brasil investigasse para onde tinha ido a quantia. Ou seja, houve um monte de trapalhadas, que fez com que minha conta ficasse zerada ou no negativo por meses. Mas isso é passado. O problema da minha bolsa foi totalmente resolvido!

Com isso, pude também efetuar o pagamento do curso de verão sobre partidos políticos que farei no próximo mês, na Bélgica. Outras complicações tinham surgido: em meio ao acúmulo de problemas que me assolou e com a perda do e-mail institucional @iuperj.br por causa da crise que se abateu sobre o lugar onde faço meu doutorado, acabei perdendo o prazo para a inscrição em um importante congresso no Brasil. Também já resolvi isso, paguei a inscrição e participarei normalmente do evento. Outra encrenca solucionada foi a do banco, que finalmente me devolveu o dinheiro descontado por causa do envio do segundo cartão, apesar de eu não ter chegado a receber o primeiro (ver Kapitel LXXVIII).

Entretanto, é claro que esse ciclo virtuoso teria que parar. Há um problema que parece insolúvel: a péssima qualidade do correio alemão (ver, por exemplo, os Kapitel LIV e LXVIII). E ficou bem claro que o problema não é simplesmente do carteiro incompetente que entrega as cartas aqui na minha área. A ineficiência é muito mais generalizada. Vamos à história!

Encomendei dois livros na Amazon.de, para aproveitar os baixos preços do frete. Pensei duas vezes antes de escolher o endereço para postagem. Cogitei a possibilidade de pedir para enviarem para a universidade, ou de colocar o pedido no nome do Manfred, ou ainda de solicitar que o enviassem para a casa do Jens ou de algum outro amigo. Mas cometi o grave erro de pensar assim: “ah... eu recebi as últimas cartas, acho que devo dar esse voto de confiança, eles não podem ser tão incompetentes...”. Agora eu sei que podem sim!

Na sexta-feira, já estava quase pondo o pé na rua para ir ao correio reclamar que meu livro deveria ter chegado, quando Manfred me mostrou um site – DHL – onde podemos rastrear em que etapa está o envio de pacotes que encomendamos aqui na Alemanha. De fato, o meu ainda estava a caminho. Seria impossível, portanto, que o livro já estivesse em minha casa. O prazo para a chegada seria algumas horas mais tarde.

O fim de semana passou e é claro que, nesta segunda-feira, ainda não havia livro algum em minha caixa postal. Desta vez, não houve jeito: parti para o correio, para reclamar do mau serviço e, quem sabe, voltar com o meu livro (às vezes sou ingênuo, não?). Chegando lá, mostrei para o atendente que o endereço que forneci estava correto e que eu já tinha recebido outras cartas (logo, a culpa não era minha, mas do carteiro). Passei para ele o número do envio do pacote e ele verificou no sistema que, como eu temia, o entregador não identificou meu endereço como sendo meu e mandou o pacote de volta para a Amazon.

Eu disse, então, que não era a primeira vez que isso me ocorria, que já tinha perdido várias cartas por causa da incompetência do carteiro, que – não sei por que raios – ele não lê o meu nome na caixa postal. O funcionário me respondeu, então, que pacotes não eram cartas. Eu não entendi o que ele quis dizer com isso, e perguntei se eles não poderiam, pelo menos, reclamar com o carteiro, para que ele parasse de não entregar minhas correspondências. Aí, explicou-me que “infelizmente não”, porque os pacotes não são entregues pelo carteiro da região. Diferentemente das cartas, os pacotes são entregues a partir de outra sede dos correios, por outra equipe – quer dizer, no meu caso, eles não são entregues por outra equipe.

Fiz minha reclamação, o atendente preencheu o formulário e recomendou que eu mandasse uma mensagem para a Amazon explicando o que ocorreu e pedindo que me enviassem a encomenda novamente. Manfred me disse que os carteiros simplesmente têm dificuldade de entender o meu nome, que se eu me chamasse Wilhelm Reis (pronuncia-se “ráiss”, e significa arroz em alemão) seria mais fácil, mas que Guilherme Simões Reis, em português, é muito complicado. Ele revelou que a Janine, que mora aqui no apartamento, sempre se refere a mim como Wilhelm, porque acha “Guilherme” muito difícil de dizer.

É claro que tal explicação foi mais uma brincadeira, e que não justifica a incompetência do correio alemão. Tudo o que eu queria era que enviassem o pacote para o lugar certo! Manfred me deu algumas sugestões, como usar a caixa postal dele ou pedir que entreguem o livro na agência dos correios para que eu o pegue lá. Vou pensar em qual é a melhor alternativa e enviar a mensagem para a Amazon. Já sei que solicitar que mandem o livro para minha residência novamente não é uma alternativa muito confiável. O pior é que isto foi apenas com o primeiro livro, pois o outro ainda deve ser entregue daqui a duas semanas... Será que em algum momento eu não terei nenhum problema aqui na Alemanha?

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Kapitel CIII – Comi e Duas Noites

Não sei se são preocupações, ou se é o excesso de Coffea arabica, mas tenho tido um sério problema para dormir cedo. Em um desses dias até veio a calhar, pois, depois de um bom tempo, voltei a sair à noite. Meus camaradas Bertram e Florian combinaram de nos encontrarmos no rio Main, perto de uma ponte que eu não sabia qual era. Peguei as instruções com eles e fui. Mas nada de encontrá-los. Andei muito, passei por várias pontes, e nada. Até que, em algum momento, pegando as orientações com o Bertram por telefone, finalmente entendi uma coisa: eu tinha atravessado para o outro lado do rio, enquanto que eles não. Ou seja, eu não os encontraria nunca!

Julguei que seria do outro lado porque todas as vezes que marquei com qualquer pessoa no rio (eles, inclusive), era do outro lado. Nem perguntei, portanto. Enfim, o importante é que os achei. Havia muito mais gente lá. Katja e Mona – as duas garotas que reforçaram o FLATmengo no campeonato de futebol após a contusão de Martina (ver Kapitel XCI), também estavam – mas o grupo era bem maior. Ficamos bebendo cerveja e, dentro do possível, conversando. Estava realmente difícil entender o alemão, até porque, à medida que bebíamos, não só minha compreensão piorava como os demais conversavam com ainda menos preocupação de serem claros. Mas uma coisa é certa: eu realmente aprendi a abrir garrafas usando o isqueiro em vez do abridor (ver Kapitel LXX e LXXIX).

Depois, nós cinco e mais uma loirinha e um cara fomos a uma boate chamada Nachtleben (ou “vida noturna”). E mais cerveja! Era claramente uma boate mais em conta do que aquela a que eu tinha ido da outra vez (ver Kapitel LI). A música não era grande coisa, mas me pareceu aceitável. Não sei se Florian concordou muito, pois disse: “this music is shit”. Naquele dia, portanto, dormir tarde foi justificável.

Mas nem sempre isso ocorre... Em geral, é no meu quarto (sozinho, é bom esclarecer) que as horas avançam e me atormentam com a falta de sono. A insônia atingiu seu grau máximo na noite do dia 9, quando dormi aproximadamente às 7h30 da manhã (do dia 10, é claro)! Eu me deitei já pelas três da madrugada, e de duas em duas horas em média eu ficava de saco cheio de não conseguir dormir e ligava o computador. Pelo menos serviu para assistir pela internet ao bom desempenho da Dilma Rousseff na hostil entrevista do Jornal Nacional. Lá pelas seis da manhã, o céu já claro, eu ainda conversava pelo chat com minha irmã no Facebook.

Estou tentando dormir e acordar mais cedo, acabar com esse ciclo vicioso. Ontem, consegui dormir à uma, o que foi uma vitória! Anteontem, dormi tarde, mas pelo menos consegui acordar a tempo de ir à universidade. Como eu sempre acordava muito tarde – e, quando eu estava plenamente desperto, boa parte do dia já tinha se passado – acabava me parecendo totalmente improdutivo ir até lá. Mas finalmente consegui quebrar esse jejum.

Por falar em jejum, a ida à universidade me proporcionou romper com outro ciclo: comi uma refeição decente. Por preguiça de me aventurar na cozinha e sem vontade de ir a algum restaurante próximo de casa, tenho comido mal. Há alguns dias em que todas as minhas poucas refeições são sanduíches de pão de forma. Manfred sempre brinca que minha bolsa-sanduíche me dá direito a comer apenas um sanduíche, e que eu devo, portanto, comer ainda menos.

Ontem, para encontrar um lugar para comer tal refeição decente lá no bairro de Bockenheim, no entanto, não foi tão fácil. Andei um bocado, até por áreas que não conhecia, e nada de achar um restaurante que me atraísse. É surpreendentemente difícil achar lugares que não girem em torno de döner, carne de porco, culinária oriental (não só chinesa e japonesa, mas também muita tailandesa) ou massas e pizzas. E eu não queria nada disso (minhas últimas duas refeições decentes tinham sido, inclusive, em restaurantes tailandeses, onde provei boas cervejas da Tailândia: Chang e Singha).

Acabei encontrando um bom e velho galeto (Hännchen, como chamam em alemão) com salada. Pedi a salada pequena, que simplesmente significou um prato cheio. Fiquei imaginando como seria a salada grande, mas tive até medo de perguntar. Bem, por ora é isso o que eu tinha a lhes dizer. Agora, vou esquentar uma pizza pronta. Ou, quem sabe, preparar um sanduíche de pão de forma...

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Kapitel CII – A Casa do Urso

Depois de vários dias só comendo besteira, tive hoje minha primeira refeição decente em bastante tempo. Comi um prato de frango com molho de leite de coco e curry e bebi a cerveja tailandesa (?!) chamada Chang, no ótimo resturante Krua Thai. Já almocei lá outras vezes antes. Fica no bairro de Bockenheim, perto da universidade, para onde fui em seguida, usar o programa de estatística SPSS e dar uma olhada em um livro.

Minha ida à universidade marcou o fim de uma seqüência de três dias enfurnado em casa, de onde só saí para fazer compras no supermercado e colocar o lixo para fora. Esse período restrito ao circuito quarto-banheiro-cozinha me alertou para uma coisa: eu ainda não tratei nestes Contos Fantásticos, com a devida profundidade, do lugar onde moro. Pois corrigirei essa falha agora.

Moro em um WG (sigla para Wohngemeinschaft), que é um apartamento compartilhado. Comigo moram o já famoso (São) Manfred, muitas vezes citado aqui, e duas meninas, também alemãs: Suzanne e Janine. Este seria o último mês das duas antes de voltarem para suas cidadezinhas, mas parece que estão negociando com Mario (que Mario? o espanhol que aluga o apartamento, é claro) para prorrogarem o aluguel. Elas não são más pessoas, mas há muito pouco diálogo com elas. São muito amigas entre si, mas não demonstram qualquer interesse em se aproximar de nós dois (tratei disso no Kapitel XLV). Já Manfred é um cara legal, que me ajudou várias vezes. Mas não tem paciência de me ajudar no alemão e sempre zomba das minhas trapalhadas. Que não são poucas.

O WG fica no bairro de Dornbush. Está longe de ser badalado como Sachsenhausen ou bonitinho como Bockenheim, mas é um bom lugar. Como disse no Kapitel II, tem boas opções de transporte e seviços. Vivo a umas duas quadras da estação de metrô Dornbush, que é a primeira no sentido Sul-Norte que não é subterrânea (tipo linha 2 do metrô carioca, na superfície).

Além disso, o maior supermercado da cidade fica perto da estação anterior, a Miquel-/ Adickes- allee/Polizei- präsidium (vocês não imaginam o quanto é viciante ficar repetindo esse nome enorme quando ele é anunciado no metrô). Perto da minha casa ficam ainda o restaurante italiano Cosi Cosi, um oriental, uma padaria, uma loja que vende embutidos onde também já almocei algumas vezes, um banco (onde saquei dinheiro do Banco do Brasil várias vezes), o escritório da administração da região (o Bürgeramt)...

Meu endereço diz que moro na Eschersheimer Landstraße, mas é mentira. O meu número ocupa o quarteirão inteiro, e é um número comercial. Depois, virando-se a esquina, o número se repete, mas com as letras A, B, C... Pois é em um desses que eu vivo. Só que aí já não é mais, realmente, na Eschersheimer Landstraße. O nome da rua é Carl-Goerdeler str.

Uma vez, de curiosidade, fiz uma pesquisa na Wikipedia e descobri que o tal do Carl Goerdeler era um político monarquista conservador, que, inicialmente, considerou Hitler um ditador ilustrado, com potencial para fazer o bem. A partir de 1933, mudou de ideia, e passou a fazer oposição a ele e a tentar ajudar comerciantes judeus perseguidos. Se uma tentativa de matar Hitler em 1944 tivesse dado certo, ele seria o novo chanceler. Como ela falhou e descobriram que ele estava envolvido, foi preso e torturado por meses e, depois, executado.

Mas é na Eschersheimer Landstraße que eu ando sempre. Pelo que me explicaram, várias ruas em Frankfurt levam o nome de outras cidades porque eram, originalmente, as rotas para viajar para tais lugares. A tal da Eschersheim, bem ao norte e onde nunca estive, originalmente era uma cidade independente, mas foi anexada a Frankfurt em 1910. Frankfurt cresceu muito incorporando cidades vizinhas, entre elas Bockenheim, bairro onde fica o campus onde eu tive aulas de política. As belas – e parecidas entre si – Warte (Bockenheimer Warte, Galluswarte, Friedberger Warte, Sachsenhäuser Warte) eram torres de guarda que ficavam nos antigos limites de Frankfurt, mas, com a expansão, hoje ficam bem no meio da cidade (ver Kapitel LX).

Vivo no quarto andar, mas isso não significa nada. Na Alemanha, bizarramente, os apartamentos não têm numeração, e as referências são simplesmente o número do prédio e o seu sobrenome. Ou seja, trata-se de um prato cheio para um correio ineficiente como o alemão. Isso me causou muita dor de cabeça, como já praguejei nos Kapitel LIV e LXVIII.

Meu apartamento tem uma sala pequena, uma cozinha idem, mas quartos bastante espaçosos (o meu é enorme!). Além disso, há dois banheiros com chuveiro, o que diminui consideravelmente a possibilidade de conflitos entre nós quatro. A sala para pendurar a roupa para secar fica fora do apartamento, no subsolo do edifício e, bizarramente (levando-se em conta que roupas secam melhor no calor), está sempre muitos graus mais fria do que em qualquer outro lugar que não a geladeira. O local para colocar o lixo fica fora do prédio e atende a todos os edifícios que usam a mesma numeração. Lá, há lixeiras para plástico e embalagens, outras para papel e duas para lixo orgânico. Tudo bastante alemão (o sistema está explicado no Kapitel XXX).

O meu quarto tem 25 metros quadrados, se o anúncio dizia a verdade (eu nunca o medi, mas é grande). Tem um bom armário, uma cômoda, uma pequena mesa, uma cama meio desconfortável, uma mesa de cabeceira moderninha, uma estante com cara de escada em que não cabe quase nada (mas ponho livros lá assim mesmo), um sofá-cama e uma televisão miúda que pega poucos canais (nunca asssisti a ela e, quando tentei, não achei a transmissão de nenhuma partida da Copa).

O que mais chama a atenção, no entanto, é um imenso ursão de pelúcia (escrevi sobre ele no Kapitel II; continua na mesma posição e no mesmo lugar). Não é meu, nem comprei para dar de presente. Parece que Manfred ganhou há muito tempo e, como não tem onde colocá-lo, deixou-o aqui. Simplesmente aqui já estava quando cheguei, a aqui ficou, pois não me atrapalha e não quis ser chato. É um tanto bizarro ver um ursão no canto do quarto, mas já me acostumei. Pena que ele só divide o espaço comigo, não os custos do aluguel. Aliás, debaixo dele há uma gaveta cheia de tralha que também não é minha: sacos plásticos, parafusos, lâmpadas... Ou seja, é melhor deixar o urso lá; pelo menos esconde a tranqueira toda.

O urso não é a única peça de “decoração” que chama a atenção em meu quarto. Há também um enorme mapa-múndi em alemão atrás da minha cama. É interessante que posso olhar para “Die Welt”, o mundo, e ver como se chamam os países nesta língua que tanto custo a aprender. Vereinigte Staaten Von Amerika, Gross Britannien, Schweden, Weiss-Russland, Aserbaischan, Ägypten, Elfenbeinküste (este eu aprendi na Copa!), Simbabwe... Legal, né?

Mas o fato de eu gostar de geografia é apenas uma coincidência. Mario colocou o mapa lá para esconder umas manchas na pintura da parede. É que o antigo morador deixou a roupa secando no interior do quarto e criou mofo. Aí, antes de eu me mudar, Mario pintou as partes afetadas e ficou de fazer uma pintura geral quando eu me ausentasse por mais tempo. Bem... passei duas semanas na França e continua na parede, ali atrás da China, da Mongólia e da Indochina, uma baita mancha mais clara.

Parece que estou reclamando, mas não estou não. Não tenho motivos para isso. O urso e as manchas são mais casos pitorescos do que realmente problemas. Além disso, o Mario é gente-boa e compreensivo, não tem rigor excessivo com o prazo do pagamento do aluguel e, assim como Manfred, já me deu várias dicas da vida em Frankfurt. E meu quarto é realmente espaçoso. Tanto que é possível ficar três dias enfurnado nele. Mesmo tendo que dividi-lo com um urso tamanho família.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Kapitel CI – O Anjo

Muita coisa aconteceu nos útimos três dias. Fizemos no bar Albatros a despedida da universidade de alguns estudantes – Fabian, Janeth e Dana – que terminaram seus períodos de pesquisa com Jens e Marion Reiser e passarão meses em outros países (Fabian vai pra a Letônia). Fui ao Museu de caricatura, onde estavam expostas tirinhas feninistas de Franziska Becker.

Fui com Gilberto, Letice e Julian a um festival na orla do rio Main. Lá, encontrei-me com meu amigo pernambucano João Guilherme, de quem me despedi, pois volta ao Recife após cinco meses em Frankfurt. Fui com Bertram e Gilberto ver um amistoso no estádio, em que o Eintracht Frankfurt derrotou o Chelsea por 2 a 1. Segui com Gilberto para uma casa chamada Jazzkeller, onde assisitmos a um excelente show, de Ivan Santos & Band.

Eu poderia dar mais detalhes de todos esses acontecimentos, mas não quero. Soube de outro acontecimento que abafou todos os demais. Uma das pessoas que mais amo na minha vida foi agraciar aos que a rodeiam, com sua pureza, bondade e generosidade, em outra dimensão (o céu, certamente, nos termos dela).

Sua alegria de viver, que demonstrou nos últimos 96 anos, nunca será esquecida. O nosso amor nunca sairá dos nossos corações. Infelizmente, as pessoas que estiverem por perto tristes e aborrecidas não terão mais a luz da minha vovó para fazê-las mudarem e abrirem um sorriso. Isso sempre acontecia. Todo mundo que convivia com ela perde muito.

Sua alegria de viver sempre foi um exemplo para todos. A cada ano alimentávamos um sonho. O sonho de que a vovó seria eterna. Cada ano era mais um rumo à barreira centenária, que parecia que seria ultrapassada com facilidade. Parecia que ficaria pequena conforme outra década se passaria. E ela sempre estaria conosco, conhecendo os bisnetos, acompanhando os rumos que nossas vidas adultas fossem tomando.

Mas não era eterna. Não seu corpo vaidoso, sempre permufado, bem-vestido, e com brincos vistosos adornando um ouvido que pouco ouvia. Este era, aliás, o único problema daquele corpo que bem andava, bem enxergava, esbanjava saúde. Mas eternos são sua lembrança e nosso amor. Tchau, vovó querida. Amo muito você. Todos a amamos. Para sempre.