Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Kapitel CXVIII – Tijolonautas

Não foi fácil, ainda em Frankfurt, encontrar um albergue que não fosse afastado, que tivesse um preço acessível e que tivesse vaga disponível. Acabei escolhendo um que mais parece um hotel, localizado no bairro boêmio de St. Pauli, antiga área proletária onde ficam os inferninhos da cidade, bem como sede do clube de futebol homônimo. É claro que, para estar pagando por um quarto individual com banheiro um preço equivalente ao de um quarto compartilhado em outros albergues, não se trata do melhor hotel do mundo.

O albergue em que me hospedei em Toulouse (sobre essa viagem, ver Kapitel LXXXII e os seguintes) ainda é o campeão absoluto de barulho da rua (e o pior é que lá fazia tanto calor que era preciso deixar a janela aberta), mas não se pode dizer que esta área é propriamente silenciosa. Ouço música das boates aqui de baixo até tarde. Aliás, também dá para ouvir vizinhos mais barulhentos durante o dia. Mas acredito que o custo-benefício vale muito mais a pena do que o dos concorrentes disponíveis. O quarto é esquisito, o banheiro tem uma ducha minúscula, mas ao menos parece limpo, a internet não está incluída mas não chega a ser cara, e o conforto de estar sozinho no quarto e de não dividir banheiro é muito bom.
Como cheguei cansado de Hannover na quarta-feira à noite, só saí na manhã de quinta-feira. Fui andando meio a esmo, e tentando me encontrar no mapa. Visitei a Michaelis- kirche, igreja que ostenta na entrada uma imponente imagem de Miguel Arcanjo atacando o demônio. Paguei para subir em sua torre (que já foi reconstruída algumas vezes por causa de acidentes naturais e dos bombardeios da Segunda Guerra) e para visitar a cripta. A cripta era meio sem graça mas, pelo menos, lá eu aprendi por que vejo tantas construções alemãs com tetos e picos verdes: é que são feitos de cobre, e, quando uma estrutura desse metal não é plana e está submetida a muitas intempéries, pode criar após dez a quinze anos uma pátina verde, resultado de um proxeço de oxidação. Estão vendo? Criptas e os Contos Fantásticos do Irmão Gui também são cultura.

Quanto à torre, subi pela escada, apesar de haver um elevador, para poder ver qualquer coisa interessante no meio do caminho. De fato, vi os sinos e vi o mecanismo que faz o relógio da torre funcionar. Chegando lá em cima, podem-se avistar todas as partes de Hamburgo. Depois ainda vi pelo menos outras duas igrejas onde também se pode pagar para subir na torre, mas não posso dizer se eram melhores ou piores, pois eu já estava cansado e não tinha vontade de subir para ver mais ou menos a mesma coisa.

O que mais chama a atenção em Hamburgo é a grande quantidade de água, já que é uma enorme cidade portuária e tem vários canais, e o incrível número de construções em tijolos. Jens me contou que estas são típicas do norte da Alemanha. Há, no entanto, bem mais do que em Hannover, que também tem essa característica. Em contraste com as casinhas de tijolos e as pontes de metal, há edifícios modernos e viadutos futuristas para a passagem de trens.


A exemplo da Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche em Berlim (ver Kapitel XCVIII) e da Egidienkirsche em Hannover (ver Kapitel anterior), Hamburgo também tem sua igreja destruída pelos bombardeios aliados na Segunda guerra Mundial e mantida em escombros como monumento pela paz: o memorial St. Nikolai. Há várias esculturas espalhadas pelo local, e também estão expostos alguns blocos de pedras que não viraram pó quando a igreja foi bombardeada.

Achei muito bonito o prédio da prefeitura. Dentro dele, ao lado da exposição de caricaturas de políticos (eu só conhecia e reconheci o Helmut Kohl), parte de um livro que está sendo lançado, havia quadros mostrando a correlação de forças dos partidos no legislativo local. Fui a um estabelecimento que era loja de roupas e cafeteria ao mesmo tempo (?!); lá tomei um café hondurenho que achei meio fraco, mas comi uma deliciosa torta de nozes com maçã. Antes, em um bar com temática naval, provei duas cervejas: Fürstenberg e a ruiva Duckstein. Depois, em uma feirinha próxima à rua Spitaler, que é cheia de lojas de roupa e de gente “cult-bacaninha”, bebi outras duas que não conhecia: Dithmarscher clara e escura (Pilsener e Dunkel).

À noite, fui dar uma volta em St. Pauli. Para dizer a verdade, minha impressão não foi das melhores. E não é nenhum conservado- rismo ou puritanismo não, acho legal haver um bairro assim. Mas achei o clima meio estranho, muito diferente do divertido distrito da luz vermelha em Amsterdã (ver Kapitel CXVI). Na Holanda, era tudo muito claro e descontraído, mas nesta parte de Hamburgo vê-se em cada esquina gente querendo empurrar você para dentro com uns papos “171”...

Pelo menos uma cena deixou claro que a situação está sob controle: vi um travesti levando dois policiais para um hotel. Todos com um ar tenso, em claro indício de que o travesti fez uma queixa na delegacia (que, aliás, funciona em uma casinha de tijolos bem bonitinha), provavelmente de algum cliente caloteiro ou violento, e os policiais foram averiguar. Ou seja, a polícia não só estava trabalhando efetivamente como não tratou o travesti com desrespeito ou preconceito.

Hamburgo é uma cidade interessante. Não pertence a nenhum estado e é a segunda maior da Alemanha. Em um dia andando em Hamburgo, andei à beça e tirei 250 fotos! E ainda falta um dia e meio. Um dia e meio de muita água e muitos tijolos.

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