Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


quarta-feira, 30 de junho de 2010

Kapitel LXXXV – Andanças Occitanas

Hoje conheci a Universidade Toulouse 2 Le Mirail, sede do congresso do qual vim para participar. Mas antes fui a um restaurante marroquino perto do albergue, almoçar couscous com carneiro, grão-de-bico e lingüiça merguez. Depois, sim, fui pegar o metrô. Como sairia mais barato, resolvi comprar logo um bilhete com dez viagens de uma vez. Só que, bizarramente, só se pode comprar o bilhete na máquina, e esta só aceita moedas e cartão. Como meu cartão não é de banco francês, precisava de mais de doze euros em moedas. Absurdo! Isso me lembrou a surreal situação dos ônibus de Buenos Aires, onde as pessoas acumulam moedas porque é o único meio para comprar a passagem, e todos os vendedores das lojas se recusam a trocar as notas porque sabem que as moedas são, lá, um artigo de luxo. Pois em Toulouse não é tão diferente. Consegui trocar algumas no Carrefour, mas se recusaram a trocar em três restaurantes, e todas as pessoas a quem perguntei na rua disseram que não tinham.

Sugeriram que eu fosse ao correio, onde bastaria eu colocar a nota numa máquina e ela a trocaria por moedas. Achei aquilo muito estranho, mas eu já estava há mais de quinze minutos tentando conseguir moedas e não custava tentar. Perguntei ao funcionário se havia um jeito de trocar uma nota de cinco por moedas, e ele me respondeu: “Normalmente não, mas excepcionalmente você pode trocar naquela máquina”. E, de fato, a máquina trocou o dinheiro. Como a garçonete havia dado exatamente essa dica, é óbvio que a situação nada tinha de excepcional. Mas eles tentam desencorajar todos os passageiros da cidade a irem lá trocar dinheiro.

O trem do metrô é estranha-mente estreito, e as pessoas ficam muito apertadas, mas o transporte funciona bem. São três linhas, sendo que a A e a B cobrem as áreas mais importantes. As estações têm uma separação transparente entre o trem e o local de espera. Quando o trem chega, abrem-se as portas tanto dele como as dessa separação. Muito interessante é que, a cada estação do metrô, o nome dela é anunciado primeiro em francês e, em seguida, em occitano. Soa meio italiano, e é bem engraçado. Aliás, muitas ruas (não sei se todas) também têm seus nomes escritos nas duas línguas. Há um movimento pela revitalização do occitano, língua da região de Languedoc, e a bandeira usada pelos ativistas occitanos é igual à de Toulouse, capital local.

Cheguei à universidade e foi uma luta descobrir onde, no campus, seria o evento. Na biblioteca me informaram mas, quando cheguei ao local, não havia ninguém. É que a versão do cronograma do congresso que está nos panfletos impressos e a que estava no site são diferentes. E adivinha qual está certa? Não era a do site, em que eu tinha me baseado, é claro! Em vez dos documentários que seriam exibidos às duas da tarde, houve uma discussão sobre a integração intelectual entre Europa e América Latina às 2h30. E nada de falarem sobre o credenciamento ou de fornecerem o material. Dei um tempo e me mandei. Definitivamente, aquela reunião que em nada me interessava, não me privaria de ver os jogos de hoje da Copa. Na manhã desta quarta, volto lá para – espero! – fazer meu credenciamento.

Aproveitei para passear por Toulouse, o que eu ainda não tinha feito. São bem bonitas as áreas do Capitole (onde funciona a prefeitura), do rio La Garone, e a basílica de St-Sernin, que fica próxima ao albergue. Quando vi que o jogo entre Paraguai e Japão tinha começado, entrei em um pub, onde assisti ao primeiro tempo bebendo uma cerveja francesa Kronenbourg. No Kapitel anterior eu contei sobre os estereótipos sobre os franceses que estavam se confirmando; pois eis o de número quatro: o garçom fedia muito!

Depois, para poder conhecer mais da cidade, pus novamente o pé na rua, e fiquei ansioso porque demorei a encontrar um lugar onde eu pudesse ver o segundo tempo. Já se passava metade dele quando encontrei um vazio restaurante de kebab. Sem nenhuma fome, comprei um sorvete e vi até o final do tempo regulamentar. Tive a infeliz ideia de dar mais uma volta antes da prorrogação. Andei muito e não conseguia achar qualquer lugar transmitindo o jogo durante o tempo extra. Quando, enfim, eu encontrei, já estava na disputa de pênaltis. Ali mesmo, na rua, acompanhei, satisfeito, a classificação paraguaia.

Continuei o passeio, comi um baguete com presunto e emental e vi que já estava se aproximando da hora do outro jogo. Encontrei um restaurante próximo do albergue cheio de portugueses, com camisas e bandeiras. Era lá mesmo que eu ia torcer pros lusos contra os espanhóis. Infelizmente, não deu. A seleção portuguesa jogou bem, esteve melhor em grande parte da partida, mas justamente quando era pressionada a Espanha fez um gol. Isso desestabilizou os portugueses, que pioraram bastante, e tudo degringolou quando o árbitro caiu na simulação de falta dos espanhóis e expulsou injustamente um jogador de Portugal. Voltei resmungando, xingando a mãe do árbitro. Mas nem toda a ajuda do mundo será suficiente quando (se) a Espanha tiver pela frente o Brasil, a Alemanha ou a Argentina.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Kapitel LXXXIV – Um Conto Bordelense

Apesar de a viagem de Toulouse para Bordeaux (Bordéus, segundo os portugueses) durar mais de duas horas, aproveitei meu segundo dia livre em Toulouse para conhecer a cidade. Acordei cedo e comi um croissant de café da manhã (aqui, os croissants, em geral, são com chocolate ou apenas amanteigados; não têm recheio, mas a massa é tão boa que não faz falta). Peguei o trem das 9h20 (cheguei em cima da hora!), com a intenção de voltar no último trem do dia, às 20h31.

Andei bastante por Bordéus (cidades com nomes bizarros em português, como Bordéus/Bordeaux e Mogúncia/Mainz – sobre esta, ver Kapitel XLIII – sempre me deixam na dúvida de como chamá-las). É uma bela cidade, com seu conjunto de maravilhas arquitetônicas consideradas pela Unesco como patrimônio mundial. Várias suntuosas edificações dos séculos XVIII e XIX, e outras tantas começadas bem antes a ser erigidas, dão um ar imponente. Impossível não destacar o belíssimo chafariz Monumento aos Girondinos, na Praça dos Quinconces.


Vias extremamente largas, em que não está clara a divisão do que é rua e o que é calçada, são um diferencial. Mas há também algumas ruelas bem estreitas, com velhos prédios algo enegrecidos pelo tempo. Como Bordeaux foi uma próspera cidade “galor-romana”, também vi ruínas do século III. Debaixo da Igreja de Saint-Serin, há um sítio arqueológico.

Mais impres-sionante do que ele, no entanto, é o Palais Gallien, uma antiga arena para gladiadores que teve capacidade para vinte mil espectadores (pouco menos do que metade do Coliseu romano). Apesar de a Revolução Francesa ter tomado a insensível decisão de demolir o local, por não ter “utilidade”, para construir em seu lugar um quarteirão moderno, o que sobreviveu está consideravelmente preservado.

Faço um breve interregno para comentar como, um a um, os estereótipos sobre os franceses vão se confirmando. Primeiro, foi o atraso do trem para Carcassonne (ver o Kapitel anterior). Depois, é a incapacidade da maioria dos franceses de pronunciar de modo aceitável nomes em outros idiomas. Na véspera, na transmissão da partida entre a Alemanha e a Inglaterra, tive o melhor exemplo disso: é difícil alguém ter um nome mais alemão do que Schweinsteiger. Florian me disse uma vez que, ao pé-da-letra, em tradução livre, o significado seria “escalador de porcos”. Bizarramente alemão! Pois a pronúncia correta é, mais ou menos, “chvainchtaiga”, só que o locutor francês, obviamente, dizia “chvenchteguér”.

Escrevo sobre os estereótipos porque nesta viagem a Bordeaux foi a vez de o terceiro se confirmar. Fui almoçar e pedi foi gras (precisava provar o legítimo francês!) e o vinho que o garçom indicou para acompanhar, Monbuzillac. Oito euros pelo prato e quatro pela taça não eram nenhuma pechincha, mas achei que devia experimentar. Eis que, quando o garçom trouxe o pedido, o prato vinha quase vazio, apenas com enfeites! Precisei avançar no pão. Até a taça de vinho me parecia mais incompleta do que o normal. Era o estereótipo da comida francesa.

Voltando à viagem como um todo: não consegui ver tudo da cidade, até porque alguns supostos pontos de interesse turístico não são conhecidos por ninguém perto de sua suposta localização. Mas vi muito coisa, principalmente se for considerado que só tive um dia para passear lá. Consegui ainda ver boa parte do segundo tempo da vitória holandesa sobre a Eslováquia. No bar, um restaurante indiano praticamente vazio, pedi um sorvete de café. Não estava nenhuma delícia, mas, além de o lugar ter uma televisão passando os jogos da Copa, o sorvete ali estava muito mais em conta (1,50 €) do que os de 2,50 € ou 5 euros que vi pela cidade. Na Alemanha, o preço da bola de sorvete é uma boa medida para se saber se uma cidade é careira (ver Kapitel XLVII). Só que em Toulouse, Bordeaux ou Carcassonne, os preços são proibitivos. Quase sempre mais que o dobro ou que o triplo dos 80 cêntimos de Frankfurt.

Depois, ainda fui ver mais alguma coisa antes de voltar para a estação de trem. Fui ao bairro de St. Michel, onde há uma igreja importante. O interessante é que, apesar da origem obviamente católica, o bairro tem um enorme número de árabes e turcos, o que é facilmente perceptível nas caras, nas lojas, nas roupas.

No ponto do bonde, perguntei a um senhor negro, com dois filhos, de qual dos lados da rua eu deveria pegar o transporte no sentido da estação de trem. Ele explicou que era onde eles estavam. Um dos meninos, curioso, perguntou aonde eu ia. Comecei, então, dentro do possível, a conversar em francês com o garoto. Respondi que ia a Toulouse, e ele perguntou se eu morava lá. Eu disse que não, que morava em Frankfurt, na Alemanha. Nesse momento, ele encheu a boca para dizer que morava em Bordeaux. Se entendi bem, desmereceu Toulouse, afirmando que Bordéus é muito maior.

Aí, perguntei se ele conhecia Toulouse e se não gostava da cidade. Ele respondeu que conhecia e que gostava sim, e em seguida disse qualquer coisa sobre Marrakesh. Perguntei, então, se ele era marroquino. Percebi uma demora na resposta, como se ele tivesse vergonha ou receio de dizer que não era francês, mas do Marrocos. Contei para ele, então, que tenho um tio marroquino, marido da irmã do meu pai. Fez bem para mim ver o enorme sorriso que o menino abriu ao ouvir a inesperada informação.

Tudo teria sido ótimo na viagem se não fosse por um detalhe: pela primeira vez em muitas copas do mundo, perdi o jogo do Brasil! Estupidamente, achei que a partida desta noite seria entre Paraguai e Japão e não conferi a maldita tabela. Enquanto o Brasil despachava o Chile, eu me angustiava no trem de Bordeaux para Toulouse, sem ter acesso a qualquer informação sobre o jogo. Já caminhando de volta para o albergue, foi só ver o primeiro bar no caminho que tinha transmitido a partida para atravessar a rua e perguntar para o atendente sobre o placar. A resposta “trois-zero” soou como música para meus ouvidos. Eu podia, então, voltar em paz, tranqüilo e satisfeito.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Kapitel LXXXIII – Em Algum Lugar do Passado

Este domingo foi, podemos dizer, um dia “retrô”. Conheci uma cidade medieval próxima a Toulouse, Carcassonne. Muralhas, castelo, ruelas... eu gosto disso. No caminho para a rodoviária, passei em uma doceria turca e comprei um bolinho chamado istamboulya e um outro docinho comprido, o cigare estilo turco. Este foi o meu café da manhã.

Comprei meu bilhete e aguardava o trem que iria às 12h40 para Montpellier, passando por Carcassonne e outras tantas cidades pelo caminho. Conheci bem como são os trens na França... Primeiro, foi avisado pelos alto-falantes que haveria um atraso de dez minutos. Pouco mais de dez minutos depois, foi dito que o trem estava cancelado! Ouvi rumores de que era greve – claro, estou na França! – mas não sei se isso era verdade.

Lá fui eu me unir a um monte de gente para reclamar e saber o que seria feito. A funcionária dava informações parciais, que não esclareciam nem a metade dos passageiros, que iam para destinos diferentes. Quando as pessoas, apreensivas, perguntavam, ela respondia com tom histérico: “Attend!” A impressão que dava era a de que não havia nada de errado em cancelarem subitamente um trem e que nós, passageiros, éramos uns arruaceiros que queríamos perturbar a vida dela.

Por fim, passageiros que iam a Carcassonne ou a outras várias cidadezinhas deveriam pegar o trem das 13h17 para Nice. Eu me dirigi até lá e, quando o trem chegou, logo fui perguntar para o maquinista... e ele me respondeu que não iria a Carcassonne, que sentia muito (estava “désolé”). Ou seja, nem ele sabia de nada! Acabou que o trem foi, sim, a Carcassonne.

É interessante que além dessa identidade medieval (que Toledo, na Espanha, também tem bastante forte), Carcassone também enfatiza a identidade occitana. Além de várias bandeiras dessa nação sem Estado, vi propaganda do partido occitano, engajado em conseguir mais autonomia para a região. Anúncios oficiais falam em “país cátaro”.

Dei a volta na cidade, vi o interior do castelo e, enfim, fui almoçar. Em uma praça onde se concentravam vários restaurantes, examinei menu a menu até achar o mais interessante. Sopa de cebola de entrada, cassoulet (a “feijoada” francesa, com feijão branco, frango e lingüiça, num estilo mais “sopa” que o prato brasileiro) e, de sobremesa, uma espécie de pudim de pão. E ainda pedi uma garrafinha de vinho da casa (na metade, achei que devia ter pedido só uma taça).

Quando acabava meu almoço, ouvi um grito de gol. Assim que paguei a conta, fui rapidamente ao bar de onde vinham os sons, que transmitia a partida. Entrei, pedi um café, e só saí quando o árbitro apitou o final. Minha volta ao passado não se resumiu à ida a uma cidade medieval. Fiquei perplexo com o gol da Inglaterra mal anulado pelo árbitro. Simplesmente, foi quase idêntico ao primeiro gol inglês na prorrogação da final da Copa do Mundo de 1966. A bola bateu no travessão, caiu perto da linha e saiu.

Como se isso não fosse o suficiente, o jogo era justamente contra a Alemanha jogando de branco, com a Inglaterra de vermelho! É impossível que não existam deuses do futebol. Se não, como seria possível que houvesse o remake do gol inglês da Copa de 66? As diferenças foram que, desta vez, a bola caiu dentro com certeza absoluta, e que apenas em 1966 o gol foi validado. Daquela vez, os anfitriões venceram na prorrogação e foram campeões. Esta copa, no entanto, não acontece na Inglaterra, e o juiz não deu o gol, apesar de legítimo.

A Alemanha ainda ampliaria e terminaria goleando o time da rainha. A vitória teutônica foi justa, o placar de 4 a 1 não. Foi muito exagerado. Os ingleses, que voltam para casa, poderiam ter feito pelo menos outros dois gols. Um senhor me perguntou se quem perdesse estaria fora. Respondi positivamente e ele contou que era catalão. Revelei que torceria por Portugal contra os espanhóis, já me desculpando por isso. Ele, então, respondeu que era catalão e que, portanto, queria que a Espanha se ferrasse, e também torceria por Portugal. Os regionalismos europeus são algo muito engraçado.

Andei mais um pouco pela cidade e voltei para a rodoviária. A bilheteria estava fechada e só era possível comprar o bilhete na máquina. Só que a máquina aceitava apenas pagamento em cartão ou moedas. Situação complicada para quem precisava pagar 14 euros e acredita que a bolsa ainda não foi depositada no banco. Tentei dar o dinheiro para uma senhora para que ela pagasse no cartão dela para mim, tentei trocar uma nota de vinte por moedas numa loja, mas não consegui nada. Fui instruído a falar com a controladora da viagem e comprar diretamente com ela o bilhete. Falei com ela, que me respondeu que lá dentro do trem ela me venderia. Ela passou direto por mim duas vezes e não parou nem cobrou minha passagem. Acabei viajando de graça. Não consegui pagar. Fazer o quê?

Cheguei já pensando no outro jogo. Voltando da rodoviária de Toulouse para a área do albergue, vi pela janela de um bar o gol irregular da Argentina contra o México, feito em impedimento não marcado. Depois, entrei em um pub já no centro histórico, que é onde estou hospedado, para ver o restante do jogo. Bebi cervejas britânicas que eu não conhecia: a “ruiva” Directors e a pilsen John Bull. Linda bomba de Tevez colocou os argentinos com 3 a 0. O gol de honra mexicano não impediu a eliminação. Agora, Argentina e Alemanha farão nas quartas-de-final um jogaço que promete. Só resta saber a que lugar do passado essa partida vai remeter: à final da copa de 86 no México ou à final da copa de 90 na Itália.

domingo, 27 de junho de 2010

Kapitel LXXXII – Os Três Desejos

Está uma noite bem quente em Toulouse. Quando o avião se aproximava, perto das nove horas, o comandante disse que fazia trinta graus. E há também uma bela lua cheia. Não sei se tão bela quanto a moça que veio do meu lado no avião (mais interessada na revista de fofoca que estava lendo do que em conversar comigo...), mas definitivamente uma bela lua.

Do aeroporto, peguei um ônibus a cinco euros que me deixou perto do albergue. Mas encontrar a rua exata não foi nada fácil. É uma ruela pequena e estreita, aliás, como várias neste centro antigo. Mas, tanto quanto as ostensivas e persistentes ofertas dos vendedores de maconha no meio da rua, chamou-me a atenção a prestatividade das pessoas aqui.

Vi duas mulheres – uma delas mais velha, podiam ser mãe e filha – e perguntei a elas sobre a rua. Não sabiam, mas foram comigo até um mapa público. Como não aparecia a referência da tal rua, perguntaram no restaurante. Como ninguém sabia, aconselharam-me a ir até o Domino’s Pizza – e me mostraram onde ficava, é claro – e perguntar lá. Para completar, ainda elogiaram o meu francês. E ele é péssimo! Acontece que os franceses não estão acostumados a encontrar estrangeiros que se esforçam para falar em francês, de modo que, acredito, houve um misto de boa vontade com falta de base para comparação.

Peguei a indicação na pizzaria mas ela não adiantou muito. Logo, eu já estava perdido de novo. Aí, perguntei para dois sujeitos sentados em uma esquina – pareciam árabes. Como eles não sabiam, um deles entrou na loja, fez a pesquisa no computador e me explicou. Com toda essa boa vontade, nem alguém tão perdido quanto eu é capaz de não encontrar o albergue.

Já instalado, saí para comer alguma coisa. Estava roxo de fome. Um saquinho de biscoito e um sanduíche não estavam se mostrando suficientes para minha necessidade diária de calorias. Dei uma volta nos arredores e vi que estava terminando o jogo de Gana com os Estados Unidos. Não consegui assistir nada da Copa hoje, neste dia de viagens. Quando estava no aeroporto em Paris, vi uma camisa uruguaia em uma televisão. Depois, vi que Gana vencia os estadunidenses por 1 a 0. Quando cheguei a Toulouse, vi que o jogo estava empatado. Quando saí para jantar, Gana vencia por um gol na prorrogação, e eu assisti pela tevê ao apito final.

Mas a fome persistia, e eu segui na busca por um restaurante. Não faltam opções, inclusive muitos restaurantes indianos, marroquinhos, bares... Mas achei tudo caro. Faltam aquelas opções baratinhas para dar aquela saciada no final da noite, sabe? Todos os lugares não vendiam nada abaixo de dez euros. Acabei voltando para a única exceção: justamente o lugar onde tinha passado o jogo de Gana.

Era um restaurante argelino meio estilo fast food. Pedi um sanduíche de uma espécie de kafta (kefta, na grafia deles) na baguete. Aproveitei para provar também uma massinha empanada, cujo nome perguntei três vezes, mas não entendi direito (sfinx, stinfz, ou qualquer coisa por aí) e ninguém lá sabia me explicar como se escreve. Veio junto, de cortesia, um chazinho com folha de menta dentro. Soube que é a bebida mais tradicional da Argélia, e costuma ser servida para os convidados. Achei simpático o gesto. E o chá era bonzinho. O copo de metal me queimou a mão e não acho que seja a melhor forma de servir um chá quente, mas a bebida vera boa.

Dos três desejos, dois foram satisfeitos: albergue encontrado e fome saciada. Toulouse está quente, tem árabes à beça, mas não tem nenhum gênio da lâmpada. E se tem, ele não estava no voo da EasyJet de Paris para cá para atender ao meu primeiro pedido.

sábado, 26 de junho de 2010

Kapitel LXXXI – Pelos Ares

Oui, je suis em France. A saída de Frankfurt não foi tranqüila, mas, felizmente, saí de casa com antecedência. Para começar, peguei o trem na estação Hauptwache para o sentido errado. Estava desconfiado de que tinha me distraído e, por isso, deixado passar o ponto do aeroporto. Quando vi que eu já estava em outra cidade, Offenbach (sobre ela, ver Kapitel XII), achei melhor perguntar ao senhor que, ali perto, lia seu jornal. A situação era ainda pior: eu tinha que ir na direção oposta. E lá fui eu voltar todo o caminho que tinha feito e ainda passar por mais algumas estações, até chegar ao aeroporto.

O aeroporto, por sinal, é tão grande quanto mal sinalizado. Fui e voltei umas tantas vezes até conseguir entender que o terminal 2 ficava longe para caramba. Tinha que pegar um trenzinho. As pessoas obviamente se aglomeravam na porta do tal trenzinho e tive meio que forçar a entrada, para não ficar de fora quando a porta fechou, quase em cima de mim. E lá se foi mais um tempo considerável até encontrar onde ficava o guichê da Air France.

Na hora de passar com a bagagem de mão, o detector de metais apitou. O cara responsável pela revista era de uma truculência bizarra. Ele me puxou pelo braço, falou grosseira-mente, apertou minha bunda, fez com que eu tirasse o sapato, não me respondeu quando tentei fazer uma pergunta, só falou me patolar enquanto me revistava. Lamentável. No voo foi tudo bem, mas eu esperava ter alguma coisa com mais sustância para comer. Eu não havia comido nada no café-da-manhã e o voo era às 12h40. Apesar de ser hora do almoço, a Air France serviu apenas um minúsculo saquinho de biscoitinhos de queijo. Pelo menos bebi vinho tinto! Com o estômago vazio...

No aeroporto Charles de Gaulle, o funcionário do balcão de informações acabou com qualquer esperança minha de usar minhas três horas de ócio até a partida para Toulouse para conhecer alguma coisa de Paris. Disse que são quarenta e cinco minutos para ir do banlieu (acho que de Saint-Denis) até a cidade. Eu tinha perguntado se havia alguma coisa perto fora do aeroporto. Ele respondeu que há aqui perto um lugar onde se pode fazer compras (e nada mais nos próximos quilômetros). Não era exatamente o que eu pretendia.

Restou-me matar a fome comprando um dos caros sanduichinhos de baguete aqui do aeroporto. Cinco euros por um Rustique Mixte. Pão, presunto, queijo emental, e uma carteira mais vazia. E tudo isso com o pesado mochilão à tiracolo, pois o funcionário da EasyJet, companhia de aviação do meu voo doméstico, disse que só é permitido despachar a bagagem a partir de duas horas antes da partida.

No momento, então, aproveito os dez minutos que tenho de conexão gratuita à internet aqui no aeroporto para atualizar estes Contos Fantásticos. Nos vemos mais tarde em Toulouse!

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Kapitel LXXX – Era uma vez no West

Hoje, depois da aula, fui ao campus de Westend assistir ao último jogo do Brasil na primeira fase. Como eu esperava, o confronto com Portugal foi um jogo morno, já que às duas equipes o empate interessava. O zero a zero não empolgou, mas, analisando pragmaticamente, foi bom.

Assistiram ao jogo comigo Bertram e um pessoal da aula de política brasileira. Lara, aquela que fala português muito bem, estava com blusa com a bandeira brasileira e calçava sandálias verdes também com a bandeirinha. Tinha ainda um colar de havaiana verde, amarelo e azul, mas, como eu não estava com a camisa da seleção, ela o emprestou para que eu ficasse “mais brasileiro”. Estavam lá também Xenia, a argentina da turma; a aprendiz de português Lucia; e Nikolai, o amigo inseparável dela que é filho de sérvio. Depois ainda chegou uma pernambucana amiga de Xenia, que não apenas estava toda paramentada como também carregava bandeira, pandeiro e tudo o mais que tinha direito.

Hoje ainda volto ao campus para “secar” a Espanha contra o Chile. Amanhã viajo para a França e só retorno à Alemanha já no meio das semifinais. Fará falta ouvir sempre aqueles mesmo anúncios no meio das transmissões: “Presentiert bei Bauhaus. Und... Bitburger.” Marcelo, companheiro brasileiro do curso de alemão, reclama que falta emoção aos locutores germânicos, e diz que sente falta do Galvão Bueno. Definitivamente, não sinto falta nenhuma dele. E não acho que sejam apáticos os locutores daqui; só não são afetados como o lamentável narrador da Globo.

Outra coisa boa é que ouço várias palavras na narração que parecem português. Bertram disse outro dia que ouviu que quinze por cento do vocabulário alemão vêm do latim. Eu suspeito que doze por cento são termos usados nas transmissões de futebol: neutralisieren, attackieren, presentieren, controlieren, disziplinieren, Aggressivität... Faz até o alemão não parecer tão dificílimo...

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Kapitel LXXIX – Dupla Missão

Muita gente que lê estas páginas dos Contos Fantásticos do Irmão Gui fica com a impressão de que gasto todo o meu tempo na Alemanha provando cervejas, comendo salsichas e assistindo aos jogos da Copa. Isto não é verdade. Na terça-feira, fiz uma apresentação na universidade, toda em inglês, sobre a abordagem que defendo sobre a social-democracia, distinta da predominante na Ciência Política. Fiz também uma discussão sobre variáveis e coisa e tal. O público pouco compareceu – mas Gilbertão, um dos meus amigos brasileiros, esteve presente, juntando-se ao pessoal da universidade – mas correu tudo bem. O Jens elogiou depois, inclusive, e os presentes fizeram muitas perguntas.

Depois, fomos todos ao bar Albatros, onde... err... tudo bem... provei uma nova salsicha e bebi mais cerveja, enquanto passava o jogo da Argentina contra a Grécia na tevê. A apresentação, no entanto, não foi o único dos meus objetivos que cumpri por estes dias. Fui ao campus de Westend nesta quarta-feira encontrar-me com Bertram e Florian, para assistirmos a Alemanha contra Gana. Jogo difícil, perigoso para as duas equipes.

Para a festa dos germânicos, que lotaram o campus (quando o cara da minha frente mexia a cabeça, eu deixava de ver metade da tela...), sua seleção conseguiu a vitória. Os dois gols da Austrália contra a Sérvia, no outro jogo, também foram bastante festejados. Com o primeiro lugar no grupo, a Alemanha terá pela frente nas oitavas-de-final um clássico contra a Inglaterra. Em segundo no grupo, felizmente, mesmo com a derrota, classificou-se Gana (o único africano a não ser eliminado na primeira fase na primeira Copa realizada na África). A Sérvia mereceu ficar de fora, afinal, não se pode perder deste modo para um time que chama futebol de soccer!

Mas não estou aqui para contar sobre a conquista alemã, e sim sobre minha outra missão. Finalmente consegui abrir uma garrafa de cerveja com um isqueiro (sobre minhas tentativas anteriores, ver Kapitel LXX)! Não foi nenhum desempenho olímpico, é verdade: abri em dois tempos, a chapinha não pulou... mas eu consegui! A cerveja histórica era uma Erdinger. Seguirei praticando, afinal, tenho que voltar para o Brasil fazendo bonito.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Kapitel LXXVIII – Piada

Hoje fui ao campus de Westend ver o jogo entre Portugal e a Coreia do Norte. Sempre simpatizei com os lusos, tive vários antepassados portugueses, e é a seleção que eu apoio na Europa. Além disso, eu queria que Portugal vencesse a Coreia porque, desde a distribuição de botinadas da Costa do Marfim na derrota para o Brasil, quero que esta seleção africana seja eliminada (mas sigo na torcida por Gana e Nigéria!). Só que sete a zero foi um exagero!

Foi bom que tenha saído um resultado que praticamente elimina os brutamontes marfinenses, mas deu muita pena dos coreanos. Eles jogaram bem contra o Brasil e perderam de pouco. Contra Portugal, até levarem o segundo gol, seguiam nesse ritmo, inclusive criando chances de empatar. Mas a partir daí, sei la por quê, abriu a porteira. Foi surreal. Um gol atrás do outro. Deu muita pena. E, levando-se em conta a ditadura do país, o mais seguro para os jogadores coreanos seria pedir um asilo político e não voltar para casa.

Mas os portugueses não têm nada com isso, e foi divertido ver a festa deles em Frankfurt. Havia portugueses gritando no metrô, portugueses corneteando na estação central de trem (ou tocando vuvuzela, se preferirem, já que, agora, só porque a Copa acontece na África, resolveram parar de chamar de “corneta” o que sempre foi corneta no Brasil)...

O que não foi nada divertido foi descobrir que o dinheiro da minha bolsa não foi depositado até agora. No Brasil, o CNPq sempre foi pontual, mas está há um mês atrasado na minha bolsa-sanduíche e não responde aos meus e-mails. Fui ao banco confirmar se não tinham mesmo depositado e eis que vi a grande piada. Uma piada de péssimo gosto e que não é de português: minha conta não estava zerada; estava com quinze euros negativos! Fui perguntar o motivo e eles explicaram que isso se deve ao fato de terem enviado um novo cartão de banco para mim. Acontece que só precisei que enviassem um novo cartão por culpa dos correios, que não entregaram o primeiro cartão na minha casa, apesar de a correspondência estar com o endereço certo (ver os Kapitel LIV e LXVIII)! Reclamei, eles preencheram um relatório com minha queixa e disseram que devolverão meus quinze euros.

Realmente, estou vivendo uma tensa e irritante situação. É melhor voltarmos para o assunto Copa do Mundo, então. Tenho dois palpites que certamente contrariam o da maioria das pessoas, mas fazem todo sentido: a Nigéria se classificará e a Espanha será eliminada na primeira fase. Façam as contas. Se a Nigéria vencer por qualquer placar a Coreia do Sul (pode ser um mísero 1 a 0) e a Argentina derrotar a Grécia também por qualquer placar, os nigerianos avançarão às oitavas. Com a goleada argentina contra os coreanos e a vitória destes por 2 a 0 sobre os gregos na estreia, a missão da Nigéria não é tão difícil, apesar de estar com duas derrotas em dois jogos, já que elas foram por apenas um gol de diferença.

Já no grupo H, com a surpreendente derrota da estreia da Espanha para a Suíça e a derrota desta, hoje, para o Chile, acho que a Fúria vai decepcionar mais uma vez e deixará furiosos os seus torcedores. Vejam a lógica: todos vencerão Honduras (aliás, neste momento estou vendo seu jogo contra a Espanha no computador, em uma transmissão em árabe da Aljazeera!). Assim, o Chile chegará à última partida só precisando de um empate, não só para se classificar como para assegurar o primeiro lugar. A Espanha estará desesperada, pois sabe que não poderá contar com um tropeço suíço e, por isso, precisará vencer os chilenos.

Ela, então, partirá para cima da boa equipe sul-americana, que se fechará e jogará no contra-ataque. Os espanhóis, nervosos, cometerão vários erros, terão sua tradicional dose de azar, amarelarão como de costume e, por fim, empatarão ou, com sua defesa escancarada, levarão o gol de misericórdia e perderão. A Espanha, portanto, ou perde ou empata com o Chile, que fica em primeiro no grupo, e a Suíça leva a segunda vaga ao carimbar o passaporte dos jogadores do único país onde ainda há golpes de Estado na América Latina.

Gostaram dos meus palpites? Sim, eu acredito muito no que estou dizendo. Eles não fazem parte da piada.

Kapitel LXXVII – Para Inglês Ver

A Alemanha, definitivamente, não é um país onde há apenas riqueza, para todos. Desde que aqui cheguei já vi uma enorme quantidade de pessoas pedindo esmola, muitas delas bastante idosas. Há tanto aqueles que ostensivamente vão de pessoa a pessoa pedindo, na rua ou em alguma estação de trem ou metrô, como aquelas velhinhas que ficam sentadas, totalmente curvadas, com a cabeça para baixo, caladas, apenas com o braço um pouco estendido, como suporte para a caneca necessitada de moedas. Suponho que a maioria seja composta de estrangeiros vindos do leste europeu.

Também já vi pessoas com colchões nas ruas – certamente, não levaram de casa para dar uma relaxada – e outras dormindo no chão mesmo. Sempre se pode imaginar que um ou outro tenha dormido no chão porque encheu a cara à noite e não conseguiu voltar para casa. Certamente, é uma hipótese que deve se aplicar a muitos, mas não a todos. Uma cena freqüente também é a de pessoas enfiando o braço dentro das lixeiras à procura de latas ou garrafas, pois aqui é ainda mais fácil trocá-las por dinheiro, mesmo nos supermercados.

Há, portanto, grande número de moradores de rua e mendigos. Menos que no Brasil? Certamente. Mas há muitos também. A maior diferença não está na quantidade. Ontem, quando eu ia ver um jogo da Copa no telão da universidade, enquanto esperava pelo metrô na estação de Dornbusch, aqui perto de casa, um homem pediu licença para falar comigo. Imaginei que fosse pedir uma informação, mas não estava entendendo o que ele dizia em alemão. Qual não foi minha surpresa quando ele perguntou “Do you speak English?” Diante da resposta positiva, disse-me em inglês que estava com fome e perguntou se eu não podia lhe dar algum dinheiro. Esta, portanto, é a maior diferença: os famintos no Brasil não falam inglês.

Kapitel LXXVI – Os Elefantes e as Formigas

Na sexta-feira, não haveria aula porque a partida da Alemanha contra a Sérvia ocorreria no mesmo horário. Fui, então, ao campus Westend, para almoçar no bandejão Mensa e, em seguida, assistir lá ao jogo. Estava lotado! Muito mais do que nas partidas de qualquer outro time. Muitas pessoas com camisas da seleção alemã, com as três listras (não as da Adidas, mas a preta, a vermelha e a amarela) pintadas nas bochechas. Aliás, ainda não vi, mas as listras são tão certinhas que não tenho dúvidas de que estão vendendo pilôs com as três cores, para esta Copa.

Minha sorte foi que, enquanto procurava, em vão, por alguma cadeira vazia onde eu pudesse me sentar para comer, fui encontrado pelo namorado de Mayhen (chamado Jens; não confundi-lo com meu professor Jens). Ele me levou aonde estavam sentados. Quer dizer, onde ela estava sentada. Afinal, a falta de cadeiras era crônica. Jens – o namorado da Maryhen – estava, naquele momento, justamente procurando uma cadeira para ele. Ela cedeu o lugar para que eu pudesse almoçar. Depois, quando os dois voltaram e já tinham assento, foi a minha vez de sair à caça de uma cadeira.

A situação era surreal. Dezenas de pessoas andavam em fila indiana carregando cadeiras acima da cabeça. Parecia uma colônia de formigas. Todas as cadeiras do Mensa ou das salas de aula próximas onde não havia ninguém em cima eram transferidas para o jardim onde ocorre a exibição pública dos jogos da Copa. Quando fui buscar uma para mim, já não havia nenhuma no térreo. Juntei-me, então, a outros tantos e subi as escadas. Um a um íamos tirando as cadeiras empilhadas da sala, descendo os degraus e atravessando o mundaréu de gente no Mensa.

Consegui. Estávamos os três sentados. Era só esperar o jogo. Pouco depois, vi chegarem Lucia e seu amigo inseparável, Nikolai. Ele tem uma história interessante: nasceu em Wiesbaden, onde mora, mas é filho de um sérvio com uma norueguesa, que se conheceram aqui na Alemanha. Como a situação da Sérvia, derrotada na estreia por Gana, era bem pior do que a da Alemanha, que havia goleado a Austrália, ele resolveu torcer pela primeira. E estava lá, contrastando com tantos orgulhosos alemães paramentados, balançando uma pequena bandeirinha sérvia.

O jogo foi bem disputado. E o futebol mostrou por que, como reza o clichê, é conhecido como uma “caixinha de surpresas”. Os veteranos jogadores poloneses naturalizados Klose e Podolski atravessavam uma má fase em suas carreiras, mas o técnico Joachim Löw bateu o pé e, contra todas as críticas, não apenas os convocou como os escalou como titulares. E eles foram os heróis da goleada contra os socceroos (ver Kapitel LXXIII), marcando os dois primeiros gols do time na Copa do Mundo. Mas nada como um dia após o outro...

Desta vez, foram os vilões. Klose, que já tinha um cartão amarelo, chutou a gol depois que o árbitro já havia apitado o impedimento (“Abseits”, em alemão). Generosamente, o juiz não deu o segundo amarelo, que lhe valeria a expulsão. Mas não é que Klose continuou tentando? Fez falta por trás e recebeu novo cartão amarelo, seguido, é claro, pelo vermelho. Expulso aos 37 minutos do primeiro tempo, deixou a Alemanha com um a menos a maior parte do jogo. Um minuto depois, os sérvios fizeram o único gol da partida. Não que não houvesse chances para a Alemanha empatar, mas Podolski se esforçaria para dividir com Klose a responsabilidade pela derrota. A Alemanha criou inúmeras possibilidades, e Podolski desperdiçou todas. Inclusive, para o cúmulo do absurdo, um pênalti, que, aos treze do segundo tempo, Podolski fez o favor de chutar no meio do gol, para defesa do goleiro.

Até um tênis foi atirado no telão da universidade por um irritado torcedor! No meio da multidão sentada, apenas uma pequena bandeirinha sérvia era agitada (sabemos por quem). O pessoal ainda tentava acreditar no time, entoando a tradicional musiquinha da torcida alemã mencionada outro dia por Aninha “Ännchen” no meu Orkut: “Auf gehts Deutschland schiess ein Tor, schiess ein Tor, schiess ein Tooor!” Mas o grito para os alemães marcarem gol – que também se podia ouvir na transmissão televisiva direto do estádio – não foi ouvido pelos jogadores. Especialmente por Podolski.

Saímos de lá e fomos para o campus de Bockenheim. Apesar de não termos tido a aula de política brasileira, eu exibiria para os alunos filmes brasileiros, para que eles vissem algo do país em vez de ficar apenas na frieza das leituras. Mostrei o curta-metragem Ilha das Flores e o longa Notícias de uma Guerra Particular. Depois, fomos a um barzinho perto, o Sausalitos. O jogo da Inglaterra começou e ainda estávamos lá. Depois, eu e Lara, a que fala português perfeito (ver Kapitel LXXII), fomos até outro bar próximo, onde assistiríamos ao segundo tempo. Lá o namorado dela (também chamado Jens!) juntou-se a nós. Acabou que não vi nada do jogo direito. Não que tenha perdido alguma coisa. Ridícula a atuação inglesa nesse empate em zero a zero com a Argélia.

Neste domingo, fui à exibição pública do jogo do Brasil contra a Costa do Marfim, seleção conhecida como “os elefantes”. Fui ao mesmo lugar da partida contra a Coreia do Norte e do jogo entre Alemanha e Austrália: a praça Rossmarkt. Lá encontrei boa parte da galera gente-boa da festa da casa do Filipe e da Fiorina: eles próprios, Julian, Vítor, Alecio, Gilberto, Letice, Ulisses, Celi e muitos outros. Lá também conheci um peruano vizinho do Vítor, chamado Alejandro, e um sírio amigo deles, ambos devidamente paramentados com a amarelinha.

Vimos o futebol brasileiro que queríamos ver. Três belos gols, boas jogadas. Dizem que um elefante incomoda muita gente, e dois elefantes incomodam muito mais. Pois onze elefantes com chuteiras de trava incomodam mais ainda, e bateram o tempo todo nos brasileiros, além de teatralmente cavarem a expulsão do Kaká. Mas não tem nada não... A Coreia do Norte jogou com extrema lealdade e perdeu só de 2 a 1. A Costa do Marfim apelou para a violência e levou 3 a 1, chegando a estar três a zero. Fizemos um bolão do resultado do jogo. Surrealmente Gilberto e Alejandro apostaram 3 a 1! Isso é resultado que se aposte? Qual a chance de acontecer? Bem, aconteceu.

Agora, é só torcer para Portugal ficar em segundo no grupo, fazer a festa, e deixar de tromba os brutos elefantes. Diferentemente dos europeus, que estão tendo atuações decepcionantes, nós latino-americanos vamos muito bem na Copa, obrigado. A América Latina vai decidir o Mundial. Pelo menos, decidirão a competição os jogadores latino-americanos que os anfitriões africanos não tiverem eliminado por contusão.

domingo, 20 de junho de 2010

Kapitel LXXV – Palavras Fujonas

Viajo para a França no próximo sábado, dia 26, onde participarei de um congresso (ver Kapitel XXV). Como eu tinha enviado um e-mail para o albergue em Toulouse no dia quinze e, até sábado passado, dia 9, não havia obtido resposta alguma, resolvi telefonar via Skype. E lá fui eu tentar desenferrujar meu precário francês. Foi sofrível, mas consegui me comunicar.

O bizarro é que misturei palavras em alemão no meio. Sabia que não eram em francês, mas eu não conseguia controlar: elas simplesmente saíam da minha boca. Era um “ja” para lá, um “gut” para cá... É complicada esta situação, estou misturando tudo. Um poliglota é aquele que sabe falar várias línguas. Eu sou um pré-poliglota: ao longo dos anos fui acrescentando ao meu repertório idiomas que não sei falar bem.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Kapitel LXXIV – As Coreias e as Chinas

Na terça-feira fui ver o jogo do Brasil no mesmo lugar em que havia assistido à estreia alemã na Copa (ver Kapitel anterior), a praça Rossmarkt, perto da estação da Hauptwache. Infelizmente, o local foi o mesmo mas o placar e o desempenho do time favorito foram bem diferentes. Nossa seleção Canarinho venceu a Coreia do Norte – tudo bem, isso é o mais importante – mas, tirando os belos gols, não foi de modo algum um grande jogo. Para piorar, eu tinha apostado no bolão, com os pés no chão, que o Brasil venceria por 2 a 0, enquanto todos tinham apostado em grandes massacres; e aquele golzinho coreano no final me fez cair de três pontos que eu ganharia para apenas um!

Tudo bem, pelo menos encontrei vários amigos lá na exibição pública. Tanto amigos com quem marquei de me encontrar – como Berê, Forian, David, Maryhen, Marcelo (brasileiro que estuda alemão comigo) – como outros tantos, brasileiros ou estrangeiros, que conheci ali mesmo na hora (o tricolor Pedro, por exemplo), e ainda, por acaso, boa parte da galera que tinha conhecido na festa da casa do Filipe (ver Kapitel LVII). Incrivelmente, até o Manfred eu consegui convencer a sair de casa e ir assistir à partida!

Tirando o jogo do Brasil com a Coreia do Norte, a goleada alemã sobre a Austrália, e a pelada horrorosa entre Eslovênia e Argélia (sobre esta, ver também o Kapitel anterior), assisti a todas as partidas da Copa no telão do campus de Westend da universidade. Hoje, no entanto, pela primeira vez deixei de assistir a uma partida da Copa. E justamente a goleada argentina sobre os sul-coreanos. Eu estava em aula. Deve ter sido um grande jogo.

Digo “deve ter sido” porque, até agora, não consegui sequer ver os gols. Tentei vê-los e se dizia no site: “acesso internacional: este vídeo não possui direitos de exibição fora do território brasileiro”. O pior é que isso não é algo que acontece apenas com um site brasileiro. Já deixei de ver vários vídeos do YouTube recomendados por amigos porque aparecia a mensagem de que não era permitida a exibição do vídeo neste país.

Aí, eu só fico me lembrando do tanto que falam que a China censura a internet. Oras, então, estou me sentindo na China aqui na Alemanha! Não consigo ver um monte de vídeos – não só brasileiros, mas de várias partes do mundo! Se bobear, até na Coreia do Norte se consegue ver esses vídeos, caramba!

Bem, com licença que vou procurar um pouco mais os melhores momentos da vitória argentina, antes de voltar ao campus de Westend para torcer pelo México contra a França.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Kapitel LXXIII – A Bela e o Canguru Fraquinho

Copas do Mundo são, geralmente, algo que, de quatro em quatro anos, ocupa mais de cinqüenta por cento dos meus pensamentos. Mal acordei e já pensava em como eu iria assistir ao primeiro jogo do dia. Eslovênia e Argélia tinham tudo para fazer uma péssima partida. Isso era motivo suficiente para que eu não saísse de casa para assistir a ela, mas não para que deixasse de assistir. Eu precisava ver aqui em casa.

Há uma velha televisão no meu quarto. Ela não pega mais do que uns sete ou oito canais, no máximo. Nenhum deles passava o jogo. Tentei ver pelos sites na internet, mas estava realmente precário. O único sinal que consegui congelava o tempo todo, até sair do ar de vez. Por sorte, acabei falando com minha mãe pelo Skype e aproveitei para pedir a ela para adotar o mesmo procedimento dos jogos importantes do Mengão: colocar a webcam de frente para a televisão. A imagem fica uma droga, mas é melhor do que nada.

Só que o jogo foi sofrível. Para piorar, eu havia apostado no bolão que seria zero a zero – placar que a partida merecia – mas nem isso se pôde aproveitar: não é que os eslovenos, que nada fizeram quase o tempo todo, marcaram a droga de um gol, graças a um frango do goleiro argelino? Lamentável. Felizmente, futebol ruim não marcaria o restante do dia.

Pouco depois, saí para ir ao campus de Westend assistir no telão a Gana contra Sérvia. Fui sozinho e lá vi um bom jogo. Gana foi superior, a Sérvia só resolveu jogar alguma coisa depois de ter um jogador expulso, mas foi justamente aí que levou o gol, em um pênalti mal batido. A partir de então, eu, que apoiava Gana, passei a torcer para não sair mais nenhum gol. É que tinha apostado no bolão exatamente no placar de 1 a 0. Bola ganesa na trave, e eu festejei que não entrou! Ao final, todos os presentes comemoraram a primeira vitória africana neste Mundial. Muitos vestiam camisas da seleção germânica, tinham os rostos pintados com as cores nacionais e usavam chapéus e outros adereços em vermelho, negro e amarelo/laranja.

Eu mesmo tinha ido disfarçado de alemão. Havia combinado de me encontrar depois na Hauptwache com Bertram, que fazia aniversário, e a namorada dele. Íamos assistir ao jogo da Alemanha contra a Austrália ali perto, em outro telão para exibição pública. Então, fui vestido com a camisa retrô da Alemanha de 1954 que comprei na lojinha do Eintracht Frankfurt; para fazer uma homenagem a ele e, também, porque não teria outra oportunidade de usá-la até o final da Copa (já que, depois, a competição ficará mais importante e não dará mais para vestir a camisa de um rival).

Cheguei mais cedo, comi dois sanduíches de lingüiça (um de Thüringer Wurst e outro da lingüiça Krakauer) na rua e dei umas voltas por ali, para sentir o clima. Era grande o número de pessoas com camisas e bandeiras da Sérvia, que tinham acabado de ver sua seleção perder. Só nesses momentos dá para se ter a dimensão do número de europeus do leste em Frankfurt, não tão facilmente perceptíveis quanto paquistaneses, africanos ou turcos. Havia também, é claro, um enorme número de alemães pintados, uniformizados, fantasiados, cantando e gritando. O clima era, realmente, de otimismo, em contraste com o ceticismo que eu tinha notado aqui antes de a Copa começar.

Hoje, Bertram me disse que todas as vezes em que, como este ano, a seleção alemã teve mais de vinte por cento de jogadores do Bayern de Munique, ela foi campeã mundial. Não quer dizer nada, mas é um dado interessante. Estatística mais furada eu vi no telão durante a partida entre Sérvia e Gana: eles mostravam times campeões mundiais e somavam os anos dos títulos, sempre dando 3964. Argentina em 1978 e 1986 (1978+1986=3964), Brasil em 1962 e 2002, Brasil em 1970 e 1994, Alemanha em 1974 e 1990. Então, mostraram a fórmula da esperança: 3964-1954=2010! Ou seja, os alemães, campeões em 54, haveriam de vencer este ano. Só que a fórmula deles, que até achei divertidinha, ignorou os dois títulos do Uruguai e todos os quatro da Itália. Os alemães, no entanto, teriam um motivo bem melhor do que esse para acreditar em sua seleção.

Encontrei Bertram e a namorada dele e fomos para o local da exibição. Havia uma baita aglomeração, e custei a entender que aquilo era uma fila para ter acesso ao espaço em frente ao telão. Seguranças orientavam as mulheres a irem para o lado esquerdo da fila. É incrível como a burocracia alemã opera até em uma exibição gratuita em local público de uma partida da Copa do Mundo de futebol! Certamente o acesso seria muito mais fácil sem aquele monte de obstáculos e seguranças.

Conseguimos entrar. O ambiente estava muito legal, mas os caras aproveitaram para meter a mão na venda de alimentos e bebidas. A péssima cerveja Binding, meio litro, custava quatro euros, mais um euro de Pfand (recuperado no momento da devolução do copo e da ficha que eles entregavam). A única coisa abaixo de quatro euros era a água mineral, que custava €3,50!

Antes de o jogo começar, brinquei com Bertram: “A Alemanha não pode perder para a Austrália, hein? É inadmissível perder para um time que chama futebol de ‘soccer’. O único nome além de football e suas variantes (Fußball, fútbol, futebol...) que é aceitável é ‘calcio’.” Ele concordou, mas não houve qualquer ameaça: a Alemanha jogou muito, enquanto a Austrália nem esboçou reação. Pelo que vi dos dois jogos do grupo (Gana e Sérvia também fazem parte), estavam ali em campo o melhor e o pior time da chave se enfrentando. A cada gol germânico a sensação era de que outro não tardaria a ser marcado, enquanto que os cangurus (Socceroos, no apelido do time) não sairiam do zero.

O primeiro gol, marcado em uma bomba de Podolski, rendeu oito pontos no bolão para Fabian e Marion Reiser (acertar o autor do primeiro gol da Alemanha era parte do bolão da Copa organizado pelo Florian). Quando Bertram comentava o quando considerava Miroslav Klose um péssimo atacante, ele fez um magnífico gol de cabeça. A expulsão de um jogador da Austrália, definitivamente, não contribuiu para mudar o panorama do jogo. Müller marcou o terceiro e, pouco depois, foi a vez de Cacau, o brasileiro naturalizado, fechar o caixão (Florian, outro dia, perguntou para mim: “Cacau é meio brasileiro, não é?” Eu respondi: “Não, Kurányi é meio brasileiro; o Cacau é completamente brasileiro!”).

A alemãozada, em polvorosa, não parava de cantar. Até diante do mictório cantavam e, pior, pulavam (definitivamente, ali não é lugar para se pular...). Após o quarto gol, diante de uma incontestável exibição de gala da seleção teutônica, eles pararam de cantar o previsível e pouco complexo mantra “Deutschland... Deutschland... Deutschland, Deutschland, Deutschland!” e cantaram uns versos bem mais interessantes:

Oh, wie ist das schön
Oh, wie ist das schön
So was hat man lange nicht gesehn
So schön, so schön!

“Oh, é tão bonito / Oh, é tão bonito / Bonito como há muito tempo não se via / Tão bonito, tão bonito!” Mereceram a música. Foi uma bela exibição, sem dúvida! Agora, resta-nos conferir na terça-feira se nós, brasileiros, mereceremos cantar “Que bonito é...”.

sábado, 12 de junho de 2010

Kapitel LXXII – A Terrinha e a Festa dos Sombreiros

Começou a Copa! Depois da aula de política brasileira, fui ao campus Westend assistir em um telão público à partida de abertura, com Bertram. Lá também estava Lucia, a aluna que estuda português. Aliás, ontem soube, no final da aula, que há uma outra aluna que também estuda português, Sarah. Ela vai fazer intercâmbio de seis meses na Terrinha e queria saber o nome do curta-metragem Ilha das Flores, que exibirei na aula, porque quer indicar para a professora de idioma dela. Soube que também fala português uma terceira aluna, Lara, que estava assistindo à partida em Westend. O impressionante é que fala um português perfeito! Morou por seis meses em Alagoinhas, na Bahia, em função de um projeto social. O triste é eu constatar que certamente não falarei alemão após seis meses em um nível sequer próximo ao dela em português.

Saindo do português e voltando para o futebol, fiquei surpreso com o time sul-africano, acima das minhas expectativas, e frustrado com o desempenho do México, que era minha aposta para terminar a primeira fase na liderança do grupo A. Apostei no bolão organizado por Florian que seria 2 a 0 para o México, e não apenas errei, já que acabou 1 a 1, como os Bafana Bafana estiveram muito perto de vencer, carimbando a trave.

Depois do jogo, passei em casa e, conversando com meu camarada iuperjiano André pela internet, sobre que vários amigos mexicanos e agregados foram a sensação da transmissão da Globo na praia de Copacabana. Foram mostrados cantando o hino, dando gritos de guerra e, no caso do mexicano-iuperjiano Fidel, até tomando o microfone do repórter!



Voltei a Westend para assistir ao segundo jogo. Lucia não estava mais lá, mas quem apareceu foi Maryhen, a venezuelana. O mais surpreendente foi que quem se sentava à mesma mesa que a gente, que Bertram tinha selecionado antes de eu voltar, era o vietnamita de quem falei no Kapitel anterior! Incrível coincidência. E estava acompanhado de seus compatriotas.

Ali ao lado havia também uma dupla turcos estudantes de química, com quem conversei. Um deles, que ostentava uma barbona mitológica, contou que nasceu na Alemanha mas sua cidadania é turca. Ele já pertence à terceira geração da família na Alemanha, onde, aliás, seus pais se casaram. É torcedor do Galatasaray e odeia o Fenerbahçe, time onde está jogando o uruguaio Lugano. O outro turco, que passaria por brasileiro sem dificuldade, disse que torce contra todas as potências europeias. Disse que, primeiro, torce pelas equipes de olhos puxados, depois pelos de pele negra e, se não houver nenhum dos dois, pelos sul-americanos. Está sempre contra França, Inglaterra, Alemanha, Espanha.

Eu, por minha vez, torci contra cada ataque francês e, ao fim, celebrei muito o 0 a 0 entre França e Uruguai. Foi exatamente o placar que apostei! Certamente, pude me recuperar no bolão do completo erro de previsão no jogo de abertura. Poucos comemoram um jogo muito mais-ou-menos que, ainda por cima, acaba sem gols. Eu comemorei!

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Kapitel LXXI – O Saque do Vietnã

Quando eu chegava esta manhã para a aula de alemão, cantarolava, sem ter porquê, aquela música dos Engenheiros do Hawaii que diz: “Era um garoto que, como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones…”. Parecia que eu previa o que haveria de acontecer.

Depois da aula, que contou com o quadro desorganizado e ilegível de sempre, um aluno puxou conversa comigo. Ele é oriental (até então eu achava que era chinês), e está sempre sorrindo. Geralmente ri de coisas que não entendo ou em quê não vejo graça. Bem… a verdade é que esta também deve ser a impressão que muita gente tem de mim. Vai ver que foi por isso que puxou assunto.

A música dos Engenheiros entra nesta história porque o cara não era chinês, mas vietnamita. Não é nem do norte, nem do sul, mas do centro do país. Fala com um sotaque surreal – os orientais da turma, pela grande diferença em relação a suas línguas natais, têm muito problema para pronunciar os sons do alemão – mas dá para perceber que tem bom domínio do idioma. O nome dele é Mau Hung, e eu, que nunca havia tido curiosidade de conversar com ele, achei-o muito gente-boa.

O vietnamita faz doutorado em História na universidade e contou que tem, na Coreia do Sul (onde morou), um amigo brasileiro estudante de economia com quem sempre se comunica. Disse que volta e meia joga vôlei de praia ali perto do campus de Westend e me convidou para aparecer lá quando eu quiser. Jogar vôlei de praia com vietnamitas na Alemanha?! Um dia, é claro que eu vou! Nunca faltam surpresas em Frankfurt.

Kapitel LXX – A Missão

Hoje fui com meus amigos alemães Florian, Bertram e Fabian ao rio Main. Sentados no gramado, falamos bobagem, comemos salsichas Nürnber-gerwurst e Bockwurst na grelha com pão e mostarda, e bebemos cervejas Pfungstädter e Wicküler. Cheguei lá às 19h40 e só voltei para casa quatro horas depois. Foi divertido e o tempo passou rápido! Não é difícil se acostumar ao jeito alemão de aproveitar o verão.

Bem mais complicado é captar uma técnica em que os germânicos são especialistas. Para quê abridores de garrafa se você pode usar isqueiros para tirar as chapinhas, não é mesmo? Como fumam muito, costumam ter isqueiros por perto, e tais objetos têm uma utilidade tão ou mais importante do que fazer fogo. Insistiram para que eu tentasse e me explicaram a técnica: segurar em torno do gargalo, colocar o isqueiro dentro da mão próximo à base do dedo indicador e fazer a alavanca com força e rapidez.

Minhas tentativas foram todas inúteis. O isqueiro do Fabian quase perdeu o fundo de tão gasto que ficou. Acho que cheguei mais perto de acender o fogo do que de tirar a chapinha. Por sua vez, eles – os três – abriam as garrafas de cerveja com extrema facilidade. Bertram fez uma demonstração em que a chapinha deve ter subido um metro e meio. Florian fez ainda pior: abriu a garrafa usando o telefone celular! Tudo muito humilhante para mim... Já tenho uma importante missão para antes de voltar ao Brasil (não, não estou me referindo a melhorar meu alemão ou adiantar minha tese...): aprender a abrir garrafas de cerveja com isqueiros.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Kapitel LXIX – A Nuvem Negra e os Ventos

Meus últimos dias não foram dos melhores. Primeiro, o Flamengo, que vencia por 1 a 0, perdeu para o Goiás no Maracanã com dois gols nos últimos minutos de jogo, de virada. No dia seguinte, foi a vez de, por dois pontos, perder a final do campeonato brasileiro de basquete. Para que não digam que meus problemas acabam no âmbito esportivo, devo lhes lembrar que, como contei no Kapitel anterior, meu cartão do banco voltou e sigo tendo problemas com os correios. Como se não bastasse, fui ao banco assim mesmo e soube que minha conta está zerada; ou seja, não depositaram o dinheiro da minha bolsa!

Mas este Kapitel de numeração marota traz, contra todas as evidências, um espírito de otimismo. Afinal, estamos nos aproximando da Copa do Mundo! Além de esperar que os ventos mudem no âmbito esportivo, também anseio por bons momentos fora dele. Farei uma apresentação aberta na universidade, no dia 22, poucas horas antes da última rodada da primeira fase, quando saberemos a sorte de mexicanos, uruguaios e franceses na Copa (quanto aos anfitriões sul-africanos, meus prognósticos, revelados nos comentários do Kapitel LXIV, são os de que já estarão eliminados antes disso).

Por falar em França, viajarei para o país poucos dias depois, e lá participarei de um congresso. Ou seja, apresentações acadêmicas, viagem, muitas coisas me aguardam. Até no âmbito esportivo: dia primeiro de agosto, já conhecido o campeão do mundo, assistirei aqui no estádio a Eintracht Frankfurt contra Chelsea! Será a primeira vez que assisto a uma partida de que não participa nenhuma equipe brasileira e que acontece fora do Brasil. O ingresso já está até comprado: Bertram o encomendou para mim, para ele, para Florian e para Fabian! Ou seja, espero que a nuvenzinha negra vá logo embora e que venham novos ventos!

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Kapitel LXVIII – A Dupla Maldita

No Kapitel LIV eu esculhambei os correios, enquanto comemorava ter, enfim, recebido duas cartas. A comemoração foi precipitada, pois acabo de saber que meus problemas com o correio não terminaram. A esculhambação, portanto, também foi insuficiente. Os malditos merecem mais! Meu banco, o Postbank – que, por mórbida coincidência, é (ou foi, antes de ser vendido) o banco dos correios – também não está fazendo nada para melhorar a situação. Odeio os dois! Odeio essa dupla maldita!

Preocupado com a demora para chegar meu cartão do banco, tentei acessar a conta pela internet. Não consegui, é claro. Era preciso usar outra senha, com mais dígitos, que não tenho. Recebi, até agora, duas cartas do banco: uma apenas com minha senha do cartão, outra cheia de propagandas e papelada inútil, além dos dados bancários. Uma terceira correspondência, com o cartão, deveria ter chegado. Deveria.

São Manfred, percebendo a difícil situação em que me encontrava, já precisando pagar mais um mês de aluguel, resolveu me ajudar e telefonou para saber o que estava acontecendo. Eis a resposta: o cartão voltou para a sede do banco, em Hamburgo, porque o carteiro não encontrou ninguém com o meu nome no meu prédio. Já tive problemas antes por causa desse sistema idiota de não haver numeração nos apartamentos quando eu não tinha o nome na caixa dos correios. Só que, para parar de perder cartas, não apenas coloquei meu nome como o pus maior do que os sobrenomes de todos os vizinhos. Só um cego não enxergaria!

Além disso, se chegaram depois disso outras duas cartas do banco, como o cartão não chegou? Manfred me disse que isso ocorre, que depende da boa vontade do carteiro, que ele já perdeu cartas importantes por causa disso. Observou, com muita propriedade, que o junkmail, aquele monte de propaganda, sempre chega, mas que, com as cartas importantes, isso pode acontecer.

A situação, no entanto, é ainda mais ridícula. A informação que o banco tem no sistema, portanto, é a de que não moro no endereço que dei para eles (e que já tinha reconfirmado pessoalmente quando voltei lá na agência). O que é preciso fazer, então? Enviar uma carta contando-lhes que isso está incorreto e que, sim, eu moro no tal endereço. Só então eles poderão enviar novamente o cartão e qualquer outra correspondência deles que tenha voltado. Isso não é surreal? São Manfred escreveu para mim a carta em alemão e a colocamos nos correios.

Quando Manfred falou para o atendente que eu tinha dito que não confio no correio alemão, a resposta foi que nada podiam fazer, que o único meio de me mandarem o cartão é pelo correio para a minha casa. Não posso nem mesmo passar numa agência para buscá-lo. Ou seja, terei que continuar tentando até o cartão chegar à minha residência. Odeio o Deutsche Post, odeio o Postbank. Vejamos quando acabará essa novela. Ou seria um filme B de terror?

sábado, 5 de junho de 2010

Kapitel LXVII – O Pratinho Cheio

Confesso que nunca soube cozinhar. Só que esse obstáculo teria que ser superado mais cedo ou mais tarde. Quando comprei no supermercado um pacote de tortelloni de carne e dois de queijo ralado, há mais de uma semana, eu já dava os primeiros passos para a concretização desse momento histórico. E lá pelas sete da noite de hoje, só tendo comido mais cedo um sanduichinho de nada, decidi que chegara o momento.

Minha ideia era preparar algo fácil, e desde o início tinha uma receita na cabeça: o Fettuccine Alfredo. Massa, manteiga, parmesão, tudo muito simples. Nada magrinha, mas bem simples. Só que, além de minha inexperiência, pesava contra o sucesso da missão o fato de eu ter feito uma série de pequenas adaptações...

Primeiramente, em vez de comprar o fettuccine ou outra massa longa, comprei uma recheada, o tortelloni. Além disso, enquanto a receita dava a porção para quatro a seis pessoas, eu ia cozinhar apenas para mim, já que o esquema aqui no apartamento é gastronomicamente um tanto individualista. Além disso, em vez de queijo parmesão, comprei gouda ralado, e não tinha certeza de qual seria o efeito disso no resultado final. Para completar, enquanto uma receita recomendava manteiga sem sal e a outra dizia para usar uma manteiga mais branca, a minha tinha sal e era um tanto amarelada.

Lá fui eu, contra todas as probabilidades de dar certo o experimento, preparar um prato de massa que podia ser chamado de tudo, menos de Fettuccine Alfredo. O mais bizarro é que eu tinha lido que seria necessário, quando faltassem apenas dois minutos do ponto da massa, escorrê-la para, nos sessenta segundos seguintes, preparar o molho com a manteiga, o queijo e um pouco da água do cozimento e, no tempo final, deixar o prato finalizando em forno pré-aquecido. Só que não comprei um fettuccine e minha massa só precisava exatamente de dois minutos para ficar no ponto! Logo, era matematicamente impossível eu seguir o tempo da receita usando a massa que comprei. Eu teria que inovar.

Mudei todas as medidas da receita, fazendo uma proporção para um homem adulto em vez de quatro a seis pessoas (na base do chute, é claro). Deixei a água ferver, coloquei a massa, tirei com pouco mais de um minuto. Comecei a fazer o molho, só com queijo e manteiga e, depois, acrescentei a água. Logo, coloquei a massa toda na frigideira do molho e misturei tudo. Deixei pouco tempo e, voilà!, pus no prato, despejando em cima, então, mais um monte de queijo gouda ralado.

Em momento algum coloquei sal ou qualquer outro tempero, como se recomendava na receita. Tenho dúvidas se a massa ficou no ponto ideal e não sei se eu pagaria por esse prato em um restaurante. Mas sabem que não ficou ruim? Já encararei o que sobrou do pacote de tortelloni com menos medo na hora de revisitar o fogão.

Kapitel LXVI – Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos


Ontem fui ao Balalaika pela terceira vez (ver os Kapitel LVI e LXII). A capixaba gente-boa Brunela, amiga de Vítor e Filipe, ia comemorar lá seu aniversário, e eles chamaram um bocado de gente. Aproveitei para convidar outros tantos amigos, que dificilmente estariam juntos num mesmo lugar.

Chamei e compareceram Berê, Florian com uma amiga inglesa, e David com oitenta por cento da comunidade colombiana de Frankfurt e mais um equatoriano e uma panamenha. Tentei também, por desencargo de consciência, integrar os moradores de meu apartamento, mas aconteceu o esperado: Janine está viajando, Suzanne alegou cansaço, Manfred disse que não tinha dinheiro.

Estavam no Balalaika ainda, além das figuras carimbadas de sempre, os simpaticíssimos pais do Vítor, Brunela e seu marido alemão, e o maranhense quase carioca Gilberto e sua mulher, Letice; os dois últimos casais eu tinha conhecido na festa na casa do Filipe (ver Kapitel LVII). Metade das pessoas presentes tinha ido por convite meu, do Vítor ou da Brunela. A conversa foi ótima. A música seria a mesma de sempre, se não fosse pelo show do pai do Vítor no piano! Saí de lá, como sempre, no final, já passadas as quatro da manhã.

Chegar ao Balalaika, no entanto, não foi tão fácil. Até então eu nunca havia ido sozinho até lá e, como disse para Berê e para a mãe do Vítor, nasci sem o GPS instalado. Eu tinha pesquisado no Google Maps e não parecia tão difícil assim: anotei em que estação de metrô eu deveria saltar e que ruas deveria tomar. O problema foi que, ao sair do metrô, não encontrei o diabo da rua! Nenhuma saída para a rua que, segundo entendi pelo que vi no Google, deveria estar lá! Saí, é claro, andando a esmo e só fui me achar quando, ao falar com Berê pelo celular, ela me deu as coordenadas e nos encontramos no meio do caminho, exatamente na rua que eu estava procurando.

Apesar de ter feito às cegas esse caminho antes de falar com a Berê, vi coisas bizarras, daquelas que não se espera ver na Alemanha. Logo na estação Südbahnhof, onde saltei, havia um grupo de três mulheres mais jovens e uma dupla de outras não tão jovens (sou um cavalheiro, não sou?). As três estavam insultando e provocando uma das outras duas, que estava quase saindo no tapa com elas e era contida pela amiga. Uns caras meio bêbados passaram e ficaram rindo daquela situação, daquele iminente vale-tudo feminino (que acabou não acontecendo).

Depois, vi outra cena ainda mais suspeita. Em uma esquina, duas mulheres com um visual que bem pode indicar serem “mulheres-da-vida”, conversavam de modo não muito fraterno. Uma, com ar agressivo, apontava para a outra, com cara meio chorosa, aparentemente obrigando-a a lhe dar alguma coisa de sua bolsa (dinheiro, suponho). Suspeito que era alguma briga pelo ponto ou cobrança de rufianato.

Em contraste com a leveza de nossa posterior confraternização balalaikiana, o caminho de ida, portanto, foi barra-pesada. E, estranhamente, todas as confusões envolveram mulheres. Ainda bem que apenas fora do Balalaika havia mulheres à beira de um ataque de nervos!

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Kapitel LXV – Pelota Abóbora

Quem me conhece sabe que adoro basquete. Não é modinha, nem é por conveniência quando meu time vai mal no futebol. Eu simplesmente gosto demais desse esporte da bola laranja. E não estou falando de NBA não. Gosto mesmo é de ver a seleção de camisa amarela e, claro, o time vermelho e preto, o mais querido do mundo. Freqüentemente vou ao ginásio e raramente perco as transmissões pela tevê.

Hoje, apesar de feriado, foi um dia em que passei todo o tempo em casa, pois tinha que avançar na preparação de uma apresentação para a universidade. Mas eu tenho do que reclamar? Bebendo uma ótima cerveja Altbier da marca Diebels e comendo um gostoso queijo Old Amsterdam, vi pelo Skype, com o sempre inestimável apoio logístico da minha mãe, a sensacional vitória do Mengão no basquete.

Em uma grande atuação, o Flamengo atropelou o Brasília por 94 a 74, empatando a série final do campeonato brasileiro de basquete em dois a dois. No domingo que vem, às dez horas do Rio e três da tarde da Alemanha, acontecerá em Anápolis a partida decisiva, que não perco em hipótese alguma! Se vencer, o Fla será tricampeão brasileiro consecutivo! E o Brasília será trivice.

Que vontade de estar lá... Não são muitas as situações em que preferiríamos estar em Anápolis do que em Frankfurt, não é mesmo? Coisas de um coração rubro-negro.

Kapitel LXIV – Quase, Quase

Meus amigos da universidade Florian e Bertram me convidaram para um inusitado evento. Haveria na noite desta quarta-feira uma festa brasileira em um lugar chamado Club o25, localizado próximo à Ostbanhof, a estação de trem do leste. Seria, segundo o anúncio, uma festa junina, com forró ao vivo e tudo. Telefonei para Vítor para ver se ele também queria ir. Ele me respondeu que seus pais estavam aqui em Frankfurt, e que eles e mais um pessoal iriam se encontrar perto da estação Hauptwache, onde aconteceria uma feira gastronômica. Estava feita minha programação da noite – pelo menos era o que eu pensava.

Encontrei-me com Vítor, seus pais, e um casal de amigos que estava na festa da casa do Filipe (ver Kapitel LVII). Aliás, Filipe e Fiorina, além de Julian, chegaram pouco depois à Hauptwache. Como disse Filipe, aquele evento não parecia coisa de cidade grande, poderia ocorrer em qualquer cidadezinha do interior. De fato, era exatamente o que chamamos de quermesse. Havia barraquinhas vendendo comida árabe, indiana, alemã, crepe, pipoca, espumante, cerveja...

Fui à barraca de tradicional comida alemã e pedi um Leberkäs’ no pão, iguaria bávara. Não percebi nenhuma diferença em relação ao Fleischkäse que eu já havia comido em duas outras oportunidades (ver Kapitel XXIV), e acabo de descobrir após rápida pesquisa o motivo: são sinônimos. Comprei também em uma barraquinha próxima um copão de cerveja de trigo escura Erdinger Dunkel. Com esta alemaníssima refeição, eu estava pronto para toda a noite.

Não fiquei muito tempo lá, afinal, tinha marcado às onze perto da Ostbahnhof com Bertram e Florian. Peguei o metrô e cheguei lá. Pouco depois chegou Florian, que tinha ouvido falar bem do lugar. A expectativa era de que a entrada seria de graça até a meia-noite e que, depois disso (ainda eram onze e pouco), custaria cinco euros. Pois eis a desagradável surpresa: teríamos que pagar dez euros cada para poder entrar. A situação piorou conforme fomos vendo as pessoas chegando. Eram todos brasileiros, e eles não estavam me motivando nem um pouco a entrar. Estava na cara que seria uma roubada! Após rápida deliberação, decidimos seguir um plano B. Só que não tínhamos um, e começamos a pensar a respeito enquanto caminhávamos de volta.

Florian sugeriu um bar no bairro de Ostend, não muito longe dali, chamado Trikhalle. Fomos lá e foi agradável. Conversamos bastante e fizemos nossos prognósticos para a Copa do Mundo. Florian bebeu vinho de maçã (Apfelwein), Bertram preferiu a cerveja Veltins, e eu fiquei em cima do muro: bebi um de cada. Na saída, Florian foi para uma direção, eu e Bertram para a outra.

Nós dois moramos na mesma rua, só que a duas estações de metrô de distância. Ambos precisávamos, portanto, descobrir onde estava ela, a Eschersheimer Landstraße. É claro que foi Bertram, detentor com um senso de direção decente, quem assumiu essa responsabilidade e, após alguma caminhada, estávamos perto da Hauptwache. Eis que escutei um som e, apesar de perceber que não era meu telefone celular, instintivamente coloquei a mão no bolso. E ele não estava lá! Perdi o celular. Muito provavelmente, deslizou do bolso lateral da calça enquanto eu estava sentado no sofá.

É nestas horas que reconhecemos um amigo. Bertram, que já estava fazendo todo o caminho comigo a pé apesar de estar de bicicleta, acompanhou-me de volta até o bar para que eu conferisse se o telefone estava lá. Chegando, apesar da boa vontade da garçonete e do cliente que, àquela hora, ocupava o sofá, a situação não era promissora. Empurramos o móvel, tiramos as almofadas, e nada de encontrar o maldito aparelho. Pedi que Bertram telefonasse para mim, para tentarmos localizá-lo, mas nenhum som foi percebido. A garçonete já havia me passado o telefone da casa, para que eu ligasse no dia seguinte para saber se o pessoal da limpeza tinha encontrado alguma coisa, todos já dávamos a situação por perdida, até que, subitamente, sei lá como, ela achou o dito cujo!

E lá fomos nós, eu e Bertram, fazer todo o caminho de novo. Mais cansados, mas, em meu caso, também muito mais aliviado. Na noite do quase-quase, quase fui a uma festa brasileira e quase perdi meu celular. Em ambos os casos, felizmente, apenas quase. Agora, com licença que vou para a cama, pois já estou aqui há quase duas horas e preciso dormir!