Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

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sexta-feira, 23 de julho de 2010

Kapitel XCVIII – Os Dois Templos

Meu último dia em Berlim foi de muita correria. Florian havia marcado a Mitfahr-gelgenheit (o esquema de carona, que sai muito mais barato que viajar de trem) para mim às 18 horas, e eu ainda queria, antes, ir a pelo menos dois lugares: Charlottenburg e Scheunenviertel. O primeiro é um bairro da antiga Alemanha Ocidental, enquanto o segundo é um antigo bairro proletário que era onde havia a maior concentração de população judia na cidade.

Comecei por Charlottenburg, que, na verdade, é bem menos interessante do que a parte leste de Berlim. É marcante a quase ausência de prédios antigos, anteriores à Guerra. Muito legais, no entanto, são a área da praça Breitscheidplatz e da igreja Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche. Por esses dois lugares – especialmente pelo último –, um localizado ao lado do outro, a ida a Charlottenburg é obrigatória para quem vai conhecer Berlim.

A Breitscheid- platz conta com uma fonte e várias estátuas, todas bastante modernas e estilizadas. Não é que sejam muito bonitas, mas é impossível ficar indiferente a elas. Realmente chamam a atenção. A grande quantidade de turistas ali é que me incomodava um pouco; Berlim atrai muito mais turismo do que eu supunha.

A Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche é impressionante. Trata-se de uma igreja que não foi reconstruída após a Segunda Guerra, mas que foi duramente afetada por ela. O templo, portanto, preserva as marcas do bombardeio e está parcialmente em ruínas. Dentro, uma mensagem diz que é para que as pessoas nunca se esqueçam de que o melhor meio de resolver as coisas é pela paz. A entrada lá é gratuita, e estão expostos vários objetos religiosos e de exaltação ao imperador Wilhelm II, que mandou que a construíssem na década de 1890 e lhe deu o nome de seu avô (o Wilhelm I). O teto preserva, ainda que incompletos, lindos mosaicos, com grande presença da cor dourada.

A velha e machucada igreja já não funciona mais para atividades religiosas (tornou-se um memorial). Para isso foi construído entre 1959 e 1963, ao lado, um templo moderno anexo. Completamente diferente, é um lugar, a seu modo, também intrigante. Por fora, parece um prédio comum. Por dentro, é um templo negro com vidro índigo. Uma imagem moderna estilizada de Jesus Cristo na cruz aparece no altar, enquanto, no outro extremo, localiza-se, no alto, um órgão.

Os demais lugares que vi em Charlottenburg não merecem o mesmo destaque. E eu também esperava mais do outro bairro, Scheunenviertel. Para um bairro judeu, acho que faltam muitas referências. Nada a ver com o bairro judeu de Paris, vizinho ao Marais, por exemplo. É claro que há um motivo um tanto óbvio para o desaparecimento dos pontos de cultura judaica. Ainda assim, acho que, nos que existem, deveria haver mais claras sinalizações e destaque.

Passei pelo cemitério, pelo centro de cultura, por alguns outros pontos, tudo excessivamente discreto, na minha opinião. Algumas referências presentes no livro-guia eu nem mesmo consegui encontrar. O que realmente chamou a atenção é que todos os pontos de cultura e importância histórica para os judeus tinham câmera de vídeo e uma placa avisando que eram policiados. Não tive o desprazer de ver neonazistas, mas é fato que eles existem.

Um lugar em Scheunenviertel, no entanto, merece ser destacado. É a Neue Synagoge, que eu já havia visto com o Florian no primeiro dia de bicicleta (ver Kapitel XCVI). É um dos templos mais belos que já vi e, entre as sinagogas, é de longe a mais bonita que avistei na minha vida. Só não pude entrar. Berlim é muito grande, é preciso muito tempo para conhecer tudo. Ficam para a próxima vez a entrada na Neue Synagoge e a ida ao Estádio Olímpico e ao Palácio Charlottenburg (estes dois últimos eu queria muito conhecer, mas ficam meio longe).

Voltei a tempo de fechar minha mochila e chegar pontualmente no local marcado para pegar a “carona”. Era meio afastado, um cinema perto da estação de Seestraße, de modo que me obrigou a pegar três trens diferentes. Nos dois primeiros, foram trechos curtos de viagem, mas no terceiro atravessei quinze estações! Ainda assim, cheguei na hora exata. Só que a motorista não estava lá.

Esperei um pouco e uma mulher perguntou se eu era o passageiro. Respondi afirmativa- mente e ela me levou ao carro, onde havia outras duas passageiras. Eu não teria nunca como adivinhar: o carro era prata, mas o Florian havia entendido que ela tinha dito preto. E olha que as palavras são bem mais diferentes em alemão do que em português: “silber” e “schwarz".

Na volta, apesar do GPS, ela se enrolou para achar Frankfurt. O resultado é que cheguei uma hora e meia depois do previsto. Ao colocar o pé diante do meu prédio, tive a desagradável surpresa de que perdera minha chave de casa. Precisei tocar a campainha e acordar o pobre do Manfred, já quase à meia-noite. Já procurei por toda parte nada de achar a chave. Florian também não a encontrou no apartamento em Berlim. Se ela não aparecer, terei um baita prejuízo para mandar fazer outra. É alto o preço de ter cabeça-de-vento.

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