Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


sábado, 21 de agosto de 2010

Kapitel CVII – O Trem das Onze

Finalmente eu ia conhecer a Baviera. Meus dias de Europa se aproximam do fim e há muitos lugares na Alemanha que eu gostaria de conhecer e, até agora, não foi possível. Cheguei a comprar, há poucas semanas, uma passagem para Regensburg, mas não pude ir (motivo no Kapitel CI). Antes de partir neste sábado para Munique, no entanto, eu ainda tinha alguns eventos em Frankfurt.

Na quinta-feira, marquei com Julian de comermos uma pizza ali perto da minha casa, a Pizzeria Da Benito. De lá, ele sugeriu que fôssemos a um festival (Fest) que estava acontecendo perto da estação central Hauptbahnhof. E lá fomos nós, onde encontramos duas amigas dele. Depois, elas foram embora, mas encontramos um outro amigo de Julian, acompanhado de um monte de colegas de trabalho. E seguimos com eles. E íamos bebendo cerveja: primeiro uma Warsteiner na pizzaria, depois, na rua, uma Germania, uma Becks, uma Flensburger.

Chamou a atenção no festival o estande de uma ONG antiglobali- zação, montado em frente a um banco. Como aquela área é cheia de inferninhos, eles fizeram uma brincadeira com aquelas cabines cobertas com buraquinhos para os homens olharem as mulheres fazerem suas performances eróticas: fizeram uma montagem em que, olhando-se para dentro, via-se vários desenhos com críticas ao sistema financeiro, aos megacapitalistas, etc.

Na sexta-feira, eu tinha outro evento, em que também encontraria um monte de gente legal que eu não conhecia. Era a festa de despedida de uma grega chamada Ioli, que vai ficar três meses... no Rio de Janeiro! Ela fará um estágio lá, e eu só a conhecia por e-mail e Facebook. É amiga de Marion Mannhold (ver a seção Personagens), que nos apresentou para que eu pudesse lhe dar algumas dicas sobre onde morar no Rio.

Na véspera, apesar de não ter chegado tarde, só dormi muito depois e acordei de manhã bem cedo. Com apenas três horas de sono, precisava de um cochilo naquela sexta-feira à tarde, depois que voltei da universidade e antes de ir para a festa. É claro que o despertador não tocou, e cheguei depois do que havia planejado. Mas não foi um grande problema. Lá, eu me deparei com pessoas de várias partes, falando inglês, alemão, grego e português (o namorado de Ioli, Ricardo, é português, e havia ainda uma paulista, Fernanda, de modo que também falavam a língua de Camões tanto eles como o namorado dela, Bastian, e um outro alemão que estava lá, Tobias, que já morou em Portugal).

Risadas, caipirinha, cerveja portuguesa Super Bock, um trago da fortíssima grapa greco-turca. Não quis sair muito tarde porque viajaria para Munique no dia seguinte. O trem partiria já no final da manhã, mas eu não queria correr o risco de perdê-lo. Ainda assim, saí depois que o metrô já tinha parado de funcionar. Precisei ir a pé. Como sou meio perdido, perguntei a eles como chegar à minha rua, a Eschersheimer Landstraße. Eles me explicaram, mas, quando cheguei à rua que eles tinham indicado, tive uma desagradável surpresa: era outra! Era a Grosse Eschersheimer Straße. Por que dão nomes tão parecidos?!

Felizmente, eu estava com um mapa dos arredores da casa de Ioli e Ricardo, e o fato de eu ter feito muitas vezes a pé o caminho da universidade até minha casa nos meus primeiros dois meses na Alemanha me ajudou a conhecer algumas pistas de como voltar, apesar do meu péssimo senso de direção. Depois de chegar, dormi mal, pois estava preocupado que o despertador não tocasse. Acordei várias vezes e acabei me levantando antes do previsto. Mas quando alguém é atrapalhado, mesmo todas as providências podem ser insuficientes...

Eu tinha acordado com antecedência, mas, sabe-se lá o porquê, memorizei a hora errada da viagem. Ficou na minha cabeça que era no final da manhã e, então, pensei em 11h54, quando, na verdade, era às 10h54. Então, apesar de ter tempo, fiquei enrolando no computador, e quando já passava das 11 horas, fui conferir a passagem e vi que eu estava em casa ainda e o trem já tinha partido.

Fiquei um bom tempo me xingando e saí de casa apressado e preocupado. Como eu faria agora? Acho que, a princípio, como comprei a passagem com algum desconto, eu precisaria pagar uma multa para pegar o trem seguinte. E eu não sabia se seriam os quinze euros que estão escritos em meu bilhete, se seria a diferença entre o preço da minha passagem e o custo integral (que acho que daria uns trinta euros), se seria a soma dos dois (45 euros... isso está ficando caro...), se eu precisaria pagar o preço inteiro da passagem...

Quando cheguei à Hauptbahnhof, faltavam cinco minutos para o próximo trem para Munique, que sairia às 11h50. Comecei a procurar algum funcionário da companhia de trens para me informar. Como eu tinha pressa e precisava usar muitos termos técnicos que eu não conheço, tentei perguntar em inglês. O funcionário não compreendia o idioma, e não estávamos nos entendendo em alemão. Ele me disse para perguntar na sala de venda de passagens, onde saberiam inglês.

Era o que eu temia, pois lá as filas são enormes. Minha esperança era falar com um funcionário da recepção e ele me responder que eu poderia pagar uma quantia pequena ali mesmo ou no próprio trem. Não foi bem o que aconteceu... O primeiro funcionário do balcão não entendia inglês e sugeriu que eu perguntasse ao que estava ao seu lado. Este também não falava e me disse para pegar minha senha para a fila. Indiquei a ele, apontando o relógio, que eu não tinha tempo, e ele fez a cara de “paciência... vai lá para a fila”. Peguei a senha, dei meia volta e fui embora. O trem para Munique sairia em breve; depois, só à tarde! Não sou muito chegado a viver perigosamente, mas seria preciso arriscar.

Eu não tentava viajar sem pagar. Afinal, comprei minha passagem. Aliás, já paguei caríssimo para ir à Baviera, se somarmos ainda o que paguei, em vão, há não muito tempo, para ir a Regensburg. Mas eu não sabia quais seriam as conseqüências de entrar no trem errado. Teria que pagar ali a diferença? Teria que pagar uma multa de 40 euros, como a cobrada de quem viaja sem pagar no sistema de transporte público de Frankfurt? Teria que comprar nova passagem? Seria mandado para fora do trem?! Teria a improvável sorte de não me fiscalizarem ou de o controlador não perceber que eu estava com a passagem para outro trem? Nada disso aconteceu. Pausa para o suspense... Um pouquinho mais... Bem, sigamos agora com a história.

O controlador não tomava banho sabe-se lá há quanto tempo (situação compartilhada pela senhora sentada na poltrona atrás de mim), mas se mostrou flexível e compreensivo. Tive muita sorte! Ele pegou meu bilhete, conferiu minha identidade, e começou a falar comigo algo que eu suspeitava do que se tratava, mas me fiz de desentendido. Respondi que falava mal o alemão – o que é verdade, apesar da benevolência da maioria dos alemães com quem converso no idioma local.

Ele perguntou se eu falava inglês, respondi que melhor (“besser...”), e ele informou na língua de Shakespeare que eu estava no trem errado. Fiz uma teatral cara de perplexidade e, cinicamente, perguntei: “É outro o trem?!” Ele me disse que eu ia para Munique, está certo, mas que o meu trem era o de número 621, enquanto que aquele era o quinhentos e qualquer coisa. Mudo, olhei para ele com uma cara de “ops... e agora?”. Aí, ele marcou meu bilhete como checado e me disse que, da próxima vez eu deveria prestar atenção para pegar o trem certo.

Final feliz.

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