Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


terça-feira, 24 de agosto de 2010

Kapitel CVIII – O Gato de Botas e o Suspensório

Munique é uma cidade bonita, mas não é tão limpa e neuroticamente certinha como tinham me falado. Vi guimbas de cigarros no chão e muitos playboys correndo de carro. Florian tinha dito que é bem mais cara do que as outras cidades alemãs, mas vi camisas, bermudas e camisetas na promoção que eram muito baratas (comprei uma por três euros). De todo modo, a informação dada por meu amigo talvez tenha fundamento. Afinal, dá razão a ele o meu virtualmente infalível método de avaliar o quão careira é uma cidade europeia: o preço da bola de sorvete na casquinha (ver Kapitel XLVII e LXXXIV). Em Frankfurt, ela costuma custar oitenta cêntimos, sendo um euro o da Mövenvick. Pois em Munique custou 1,20. O sorvete de pistache estava ótimo, mas não nega que Munique é mais cara.

Além desse sorvete, comi em Munique um salgado turco que era um pão com carne que veio fatiado e não entendi o nome (“bire”, “bude”, não sei...) e provei várias especialidades bávaras: pretzel (Bretzel em alemão e Brezn no dialeto bávaro), as já conhecidas salsichinhas brancas com mostarda doce (ver Kapitel VII), uma estranha mas boa Bayerische Festagssuppe (com bolinhos de semolina, bolinhos de fígado, tiras de panqueca e Markklößchen, que acho que é tutano, mas não tenho certeza), e um porco enrolado (Roll-qualquer-coisa-shwein; não anotei o nome, e este era comprido) acompanhado de chucrute. Só provei cervejas que ainda não conhecia: Franziskaner Dunkel Hefe-Weisse, Augustiner Dunkel, Augustiner Lagerbier Hell, uma ótima Ayinger Kellerbier (não filtrada), a também boa Ayinger Jahrhundert (clara), Hofbräu Urbock (forte). Nenhuma cerveja mais ou menos; todas aprovadas!

Por falar em comidas e bebidas, o atendimento nos bares de cerveja em Munique é péssimo (exceção para o Ayingers Wirtshaus). No que fica perto do albergue, que serve Augustiner, eu fiquei um tempão esperando e nada de me atenderem. Fui, então, ao bar, supondo que era preciso pedir lá. Ao me ouvir falando com o funcionário do bar, um garçom respondeu que eu tinha que pedir na mesa, pois lá não funciona self-service.

No dia seguinte, fui ao Biergarten (jardim de cerveja) da Torre Chinesa, localizada no parque Jardim Inglês. Lá, há uma grande fila onde cada um, com sua bandeja, vai pedindo o que quer e, depois, paga no caixa. Primeiro, vi uma costela grande e uma carne de porco enrolada. Perguntei ao sujeito do balcão o que era – porque eu queria saber os nomes – e ele me respondeu, impaciente: porco e porco, os dois são porco.

Depois, quando fui pagar, a mulher do caixa perguntou se eu não tinha cinqüenta cêntimos, e eu fiquei procurando, mas nada de encontrá-los. Estava tão difícil que até uma moeda de um euro caiu no meu prato (eca!). E não é que a salafrária ficou resmungando? Quem tinha a obrigação de ter troco era ela, eu estava fazendo uma gentileza de tentar encontrar. Esse povo está assoberbado de trabalho, eu sei, é muita gente enchendo a cara de cerveja, mas não pode atender mal desse jeito... Além de tudo, é cobram caro!

No meu primeiro dia em Munique, passeei principal- mente pelo centro histórico, onde vi muitas construções bonitas, como as igrejas St. Paul’s Kirche e Freuen Kirche, o Neues Rathaus e toda a área da Marienplatz. No segundo, também passei por lá mas procurei ver os marcos presentes no mapa que estavam mais afastados, como o Maximilianeum. Quando eu procurava o Deutsches Museum, que fica mais a sudeste, acabei me deparando, sem querer, com o rio Isar. Muito bonito. Eu já estava estranhando estar em uma cidade grande na Europa em que não via um rio bem no meio onde as pessoas se encontram. Foi uma grata surpresa...

Faz um calor toulousiano em Munique (quando fui a Toulouse, estava tão quente que comecei o Kapitel LXXXII dizendo isso), mas a população descobriu um jeito fantástico de resolver o problema: ir à praia! Munique está londe do mar, mas as pessoas vão com trajes de banho (sunga, calção, biquíni, até topless eu vi!) para a beira do rio Isar. Eu não estava preparado para isso, mas não resisti. Tirei camisa, óculos, relógio, e, na beira, tomei o chamado “banho de gato”, de calça comprida e botina mesmo. Excelente! Se mais tempo eu ficasse, é certo que tiraria uma manhã ou tarde para nadar!

Depois, fui ao Deutsches Museum, uma dica do Marlos. Ele fica, a exemplo dos principais museus de Berlim, em uma ilha, também chamada pelo convencional nome de Museumsinsel. O museu é enorme, são muitas salas e muita coisa exposta. Para fazer uma visita detalhada e completa, são necessários pelo menos quatro ou cinco horas. Eu estava cansado de tanto caminhar e, por isso, uma olhada despretensiosa durante duas horas foi satisfatória. E, apesar de não ter sido tão minuciosa, ainda assim não consegui ver tudo e faltaram várias salas, como a dos instrumentos musicais e a das telecomunicações.

O museu é dedicado à tecnologia, mas a aborda de maneira bem abrangente. É um prato cheio para engenheiros, físicos, aficionados por automóveis ou por aviação. Mas é interessante para outras pessoas também. Há motores, hélices, turbinas, altímetros, robôs, tratores, muitos aviões e helicópteros, carros, moinhos e várias outras máquinas. Além disso, há criaturas abissais submarinas, um modelo que simula o diferente funcionamento da físico-química para dimensões muito microscópicas, e por aí vai.

Na saída do albergue, antes de ir a Regensburg, ouvi reclamação de montão porque fiz o check-out à uma quando o certo seria às dez. Eu não me lembro de terem me dado tal informação e, se deram, eu não devo ter entendido. Senti no ar uma intenção de me cobrarem outra diária, o que obviamente não ia rolar. Fiquei repetindo “mas eu não sabia, mas eu não sabia”, até que deixassem para lá. De todo modo, o albergue – Meininger City Hostel – era bom. É limpo, fica não longe da Hauptbahnhof, e tem um bar que, se não é animado, pelo menos serve cerveja boa. No hall, tinha internet wireless, que era meio lerda, mas era gratuita (havia internet nos computadores do hall e wireless nos quartos, mas aí era cara e não sei se menos lenta, pois obviamente não a usei).

Apesar de estar próximo à estação ferroviária, custei a encontrar o albergue quando cheguei à cidade. É que sou enrolado, não conhecia Munique, não tinha ainda um mapa e não segui as instruções do site: ele dizia para pegar o trem urbano S-bahn e andar uma estação; ora, são muito preguiçosos, não querem caminhar nada... Eu quis ir a pé. Foi meio cansativo, até porque andei um pouco mais do que precisava, mas não me arrependo. Aliás, nem sei se o transporte público em Munique é bom, porque fiz tudo a pé.

Uma coisa que me chamou muito a atenção logo que cheguei a Munique é que há vários lugares vendendo as roupas típicas dos bávaros, provavelmente devido à proximidade da Oktoberfest. A brincadeira não sai por menos de uns 140 euros. A roupa típica consiste em um vestido característico para as mulheres, e em berbudas e suspensórios de couro para os homens.

O mais engraçado é que vi um homem andando na rua vestido assim! E não era nenhum garotão fazendo piada não, era um senhor de idade. Só não sei se ele era um orgulhoso entusiasta das tradições bávaras ou se precisava se vestir assim para trabalhar. Por exemplo, as garçonetes de vários restaurantes usam vestidos típicos da Baviera, e na Torre Chinesa uma banda tocava, lá no alto, com todos os seus componentes devidamente paramentados com a bermuda e o suspensório de couro.

Essa roupa é tão característica desta região da Alemanha que, conforme Bertram me contou, os torcedores de outros times costumam cantar a seguinte canção para o Bayern de Munique quanto sua equipe o enfrenta: “Zieht den Bayern die Lederhosen aus, Lederhosen aus, Lederhosen aus!” Significa nada menos do que: “Tire fora as bermudas de couro do Bayern, fora as bermudas de couro, fora as bermudas de couro!” É engraçado, mas, por favor, façam isso longe de mim. Prefiro ser poupado dessa visão do inferno. Se ainda fosse para tirar os vestidos de belas bávaras...


Vídeo de Munique

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