Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


segunda-feira, 5 de abril de 2010

Kapitel II - As Cinco Camas

Entre o dia 23 de março, quando cheguei em Frankfurt, e o dia 2 de abril, eu dormi em nada menos do que cinco camas diferentes! Não, não é isso que vocês estão pensando... Foi uma verdadeira saga. No Rio de Janeiro, reservei dois dias de albergue. O nome era muuuito original: Frankfurt Hostel. Ficava bem em frente à Hauptbahnhof, a estação principal de trem, Ou seja, bem centralizado mas também perto dos inferninhos; mas eu não os visitei, nem eles têm nada a ver com a minha contagem das camas, hehehe, garanto para vocês.

Naquela noite do dia 23, entro no quarto do albergue e não há nenhuma cama ocupada. Penso: nossa, que sorte! Horas depois, no entanto, o dormitório é invadido por um monte de poloneses bagunceiros, gritando e bebendo (o detalhe é que na recepção diziam que era proibido beber álcool no quarto; mas havia mais garrafas do que pessoas dentro da habitação!). Três deles ocupariam as demais camas, mas os seis gostavam de passar o tempo juntos, de beber juntos, de dar gargalhadas juntos, de conversar alto juntos, e tinham decidido fazer isso tudo no meu quarto. Um deles, que suspeito que queria tirar onda com a minha cara (mas não tenho certeza), foi o primeiro a se apresentar e perguntou se eu pretendia dormir.

Com o tempo, no entanto, a conversa foi fluindo e os caras logo gostaram de mim, e a perguntar coisas do Brasil, e iam se apresentando, e contando coisas da cidade deles (Poznam, no oeste do país). Ofereceram bebida para mim, disse a eles que não gostava muito nem de uísque nem de vodca (as bebidas preferidas deles, junto com cidra; aliás, eles misturavam uísque com Coca-Cola!). Perguntaram se eu não bebia, e eu disse que sim, e que gostava de cerveja. Para quê? Deram um latão de uma ótima cerveja para mim, que bebi na hora, ainda que quente. Exausto da viagem, não continuei a conversa até muito tarde e fui dormir. No dia seguinte, 24, no entanto, dormi tardíssimo. Eu e os poloneses ficamos falando besteira e bebendo. Tomei duas garrafinhas da boa cerveja Altenmünster Brauer Bier e uma de vinho de maçã no albergue (sobre as cervejas, ver Kapitel XI; sobre o vinho de maça, ver Kapitel VII).

Só tinha reservado dois dias de albergue porque achava que resolveria rapidamente o problema do apartamento. Afinal, já havia gostado de um, no bairro de Bornheim, que tinha visto pela internet no Rio de Janeiro, e só não tinha fechado porque o dono, que compartilharia o apartamento, queria conhecer o inquilino antes. Quando cheguei, ele, naturalmente, já havia alugado para outro. Comecei, então, desesperadamente a tentar outras alternativas. Só que ainda não tinha nada certo e precisava de um lugar para dormir. Um amigo no Rio, Ângelo, chegou a me perguntar qual era o mais confortável, o banco da direita ou o da esquerda na pracinha. Para eu continuar sem saber responder, eu precisava de mais tempo no albergue.

Só que havia uma megafeira de música na cidade. O evento era tão grande que os poloneses, que trabalhavam com iluminação para shows, tinham vindo a Frankfurt justamente por causa dele, assim como o casal de argentinos que veio do meu lado no avião e os dois mineiros com quem conversei enquanto esperava chegar a minha mala no aeroporto. E quando há feiras em Frankfurt, os hotéis lotam e as diárias sobem bastante de preço. Resultado: o albergue tinha quarto para mim naquela noite, mas não para o dia seguinte, só para dois dias depois (o que era totalmente inútil). Ah, e o único quarto disponível àquela noite em todo o albergue era um de oito camas! Putz, no de quatro camas já era uma bagunça, com meus camaradas polacos falando pra caramba.

Chegando ao quarto com oito camas, fiquei aliviado. Acho que eram apenas quatro camas ocupadas. Além de mim, havia um português e uma mexicana, ambos gente-boa, além de um provavelmente africano de quem não posso exatamente dizer o mesmo. A sorte não estava do meu lado naquela noite. O imbecil valia por dez pessoas! O cara, sem-noção, era o mais barulhento possível. Ficava andando, mexendo e falando ao telefone enquanto os outros dormiam ou tentavam dormir. Assim correu a noite toda... Tive uma enorme vontade de me vingar depois que eu não tive mais como continuar dormindo e me levantei (o português tinha ido embora às 4h da manhã). Mas a mexicana ainda dormia, e não tinha culpa de nada... Fiquei sem minha vingança e o barulhento ficou impune para sempre. Mas minha aventura não acabou: depois de duas camas diferentes no albergue, ainda faltavam três...

Tinha visto, enquanto estava no albergue, um bom quarto no bairro de Dornbush, que, se não é o mais charmoso e cheio de opções, tem transporte muito acessível, muitas alternativas de serviços e restaurantes, e é perto dos bairros em que eu estava interessado. Fechei com o irmão da dona do apartamento, Mario, um filho de espanhóis meio basco, nascido no sul da Alemanha, quase fronteira com a Suíça, com quem converso sempre em castelhano. Entretanto, havia um problema... O sujeito que estava no quarto tinha deixado uma toalha molhada encostada na parede e deu mofo. Então, não apenas era preciso esperá-lo sair como seria necessário tirar o mofo e pintar a parede. Isso significava que ainda demoraria mais alguns dias até eu poder ir para lá. Como eu não tinha para onde ir, Mario disse que tinha como arrumar um lugar para eu ficar até vagar o meu quarto.

Ele me hospedou no apartamento onde ele morava, no qual também tinha quarto para alugar. Era bem próximo do outro, coisa de 50 metros de distância, talvez. Era uma casa muito engraçada; se por um lado tinha teto, por outro o lavabo com privada não tinha pia e ficava numa ponta do apartamento, enquanto que o banheiro com chuveiro e pia ficava na outra extremidade! Com a minha mania de lavar compulsivamente a mão, devo ter andado quilômetros nos quatro dais em que dormi lá.

Ficou previsto, então, que no dia primeiro de abril eu me mudaria para o apartamento definitivo. Mas eu deveria ter desconfiado do primeiro de abril... Dia 31, após ir de mala e cuia para o futuro apartamento, tive que ir para o segundo apartamento provisório, completando quatro camas na viagem, em apenas nove dias! E espera aí: quantos quartos esse Mario tem para alugar?! Aparentemente são só estes três onde eu pernoitei (contando o definitivo), mas é difícil ter certeza. Só sei que a cada dia ia descobrindo um novo! Este ficava na mesma rua, Eschersheimer Landstraße (levei cerca de uma semana para conseguir memorizar esse nome!), mas duas estações de metrô adiante. O apartamento já era bem melhor, e o quarto era ótimo. Lá viviam um estadunidense californiano e um alemão. O primeiro me foi apresentado por Mario e só falei com ele naquele momento, pois ele viajaria na manhã seguinte para a Áustria. Já o segundo levou um susto quando chegou no dia seguinte à noite. Ele não sabia que eu estaria no apartamento! Conversamos um pouco e ele iria no dia seguinte visitar a família em Dresden, pela semana santa. Isso significa que tive, pela primeira vez, um dia de apartamento só para mim!

Eis que, na sexta-feira santa... Aleluia! Aleluia! Eu vim para o apartamento definitivo! Apesar de eu ainda não ter arrumado minhas coisas, tirado as roupas da mala, de ainda ter coisas que não são minhas aqui (inclusive um gigantesco urso de pelúcia que não sei o que fazia aqui), é ótima a sensação de, enfim, estar no meu quarto e não ter que me mudar alguns dias depois.

Divido apartamento com três alemães. Até agora só conheci dois, porque a terceira está viajando. Manfred é um sujeito engraçadíssimo e muito particular, que merecerá uma descrição mais pormenorizada mais adiante (ver Kapitel XIII). Com Janine eu falei menos, mas também é gente-boa. Parece que estou em boa companhia. Tomara que esses alemães me ajudem a aprender essa língua complicada que se fala aqui! Manfred já começou a corrigir meu R.

3 comentários:

  1. Cara, tá muito bom esse começo da tua saga. Já dei umas risadas boas por aqui e espero conseguir acompanhar tua história. Eu, normalmente, leio tudo muito atrasado, porque tenho a obsessão de ler na ordem cronológica. de qualquer forma, vamo-que-vamo!

    Aí...esse ursõ é do mal! Já se livrou dele?

    Liebe Grüsse!

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  2. Hahaha, valeu, Gewesen! 8oD)))
    Até o Kapitel XV, a ordem de leitura não faz muita diferença, porque publiquei os 15 textos ao mesmo tempo, dividindo-os por tema. A partir do Kapitel XVI as publicações de fato seguem uma ordem cronológica.
    Quanto ao ursão, já desisti de me livrar dele, já até me acostumei com aquela estranha presença felpuda no canto do quarto. Pelo menos, ele poderia dividir o aluguel comigo, né? Haha.
    Schöne Tag, mein Freund, tschüss!

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  3. Bring du ihn mit dir!

    Meu ursinho pimpão (Pimpão!)

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