Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


segunda-feira, 21 de junho de 2010

Kapitel LXXVI – Os Elefantes e as Formigas

Na sexta-feira, não haveria aula porque a partida da Alemanha contra a Sérvia ocorreria no mesmo horário. Fui, então, ao campus Westend, para almoçar no bandejão Mensa e, em seguida, assistir lá ao jogo. Estava lotado! Muito mais do que nas partidas de qualquer outro time. Muitas pessoas com camisas da seleção alemã, com as três listras (não as da Adidas, mas a preta, a vermelha e a amarela) pintadas nas bochechas. Aliás, ainda não vi, mas as listras são tão certinhas que não tenho dúvidas de que estão vendendo pilôs com as três cores, para esta Copa.

Minha sorte foi que, enquanto procurava, em vão, por alguma cadeira vazia onde eu pudesse me sentar para comer, fui encontrado pelo namorado de Mayhen (chamado Jens; não confundi-lo com meu professor Jens). Ele me levou aonde estavam sentados. Quer dizer, onde ela estava sentada. Afinal, a falta de cadeiras era crônica. Jens – o namorado da Maryhen – estava, naquele momento, justamente procurando uma cadeira para ele. Ela cedeu o lugar para que eu pudesse almoçar. Depois, quando os dois voltaram e já tinham assento, foi a minha vez de sair à caça de uma cadeira.

A situação era surreal. Dezenas de pessoas andavam em fila indiana carregando cadeiras acima da cabeça. Parecia uma colônia de formigas. Todas as cadeiras do Mensa ou das salas de aula próximas onde não havia ninguém em cima eram transferidas para o jardim onde ocorre a exibição pública dos jogos da Copa. Quando fui buscar uma para mim, já não havia nenhuma no térreo. Juntei-me, então, a outros tantos e subi as escadas. Um a um íamos tirando as cadeiras empilhadas da sala, descendo os degraus e atravessando o mundaréu de gente no Mensa.

Consegui. Estávamos os três sentados. Era só esperar o jogo. Pouco depois, vi chegarem Lucia e seu amigo inseparável, Nikolai. Ele tem uma história interessante: nasceu em Wiesbaden, onde mora, mas é filho de um sérvio com uma norueguesa, que se conheceram aqui na Alemanha. Como a situação da Sérvia, derrotada na estreia por Gana, era bem pior do que a da Alemanha, que havia goleado a Austrália, ele resolveu torcer pela primeira. E estava lá, contrastando com tantos orgulhosos alemães paramentados, balançando uma pequena bandeirinha sérvia.

O jogo foi bem disputado. E o futebol mostrou por que, como reza o clichê, é conhecido como uma “caixinha de surpresas”. Os veteranos jogadores poloneses naturalizados Klose e Podolski atravessavam uma má fase em suas carreiras, mas o técnico Joachim Löw bateu o pé e, contra todas as críticas, não apenas os convocou como os escalou como titulares. E eles foram os heróis da goleada contra os socceroos (ver Kapitel LXXIII), marcando os dois primeiros gols do time na Copa do Mundo. Mas nada como um dia após o outro...

Desta vez, foram os vilões. Klose, que já tinha um cartão amarelo, chutou a gol depois que o árbitro já havia apitado o impedimento (“Abseits”, em alemão). Generosamente, o juiz não deu o segundo amarelo, que lhe valeria a expulsão. Mas não é que Klose continuou tentando? Fez falta por trás e recebeu novo cartão amarelo, seguido, é claro, pelo vermelho. Expulso aos 37 minutos do primeiro tempo, deixou a Alemanha com um a menos a maior parte do jogo. Um minuto depois, os sérvios fizeram o único gol da partida. Não que não houvesse chances para a Alemanha empatar, mas Podolski se esforçaria para dividir com Klose a responsabilidade pela derrota. A Alemanha criou inúmeras possibilidades, e Podolski desperdiçou todas. Inclusive, para o cúmulo do absurdo, um pênalti, que, aos treze do segundo tempo, Podolski fez o favor de chutar no meio do gol, para defesa do goleiro.

Até um tênis foi atirado no telão da universidade por um irritado torcedor! No meio da multidão sentada, apenas uma pequena bandeirinha sérvia era agitada (sabemos por quem). O pessoal ainda tentava acreditar no time, entoando a tradicional musiquinha da torcida alemã mencionada outro dia por Aninha “Ännchen” no meu Orkut: “Auf gehts Deutschland schiess ein Tor, schiess ein Tor, schiess ein Tooor!” Mas o grito para os alemães marcarem gol – que também se podia ouvir na transmissão televisiva direto do estádio – não foi ouvido pelos jogadores. Especialmente por Podolski.

Saímos de lá e fomos para o campus de Bockenheim. Apesar de não termos tido a aula de política brasileira, eu exibiria para os alunos filmes brasileiros, para que eles vissem algo do país em vez de ficar apenas na frieza das leituras. Mostrei o curta-metragem Ilha das Flores e o longa Notícias de uma Guerra Particular. Depois, fomos a um barzinho perto, o Sausalitos. O jogo da Inglaterra começou e ainda estávamos lá. Depois, eu e Lara, a que fala português perfeito (ver Kapitel LXXII), fomos até outro bar próximo, onde assistiríamos ao segundo tempo. Lá o namorado dela (também chamado Jens!) juntou-se a nós. Acabou que não vi nada do jogo direito. Não que tenha perdido alguma coisa. Ridícula a atuação inglesa nesse empate em zero a zero com a Argélia.

Neste domingo, fui à exibição pública do jogo do Brasil contra a Costa do Marfim, seleção conhecida como “os elefantes”. Fui ao mesmo lugar da partida contra a Coreia do Norte e do jogo entre Alemanha e Austrália: a praça Rossmarkt. Lá encontrei boa parte da galera gente-boa da festa da casa do Filipe e da Fiorina: eles próprios, Julian, Vítor, Alecio, Gilberto, Letice, Ulisses, Celi e muitos outros. Lá também conheci um peruano vizinho do Vítor, chamado Alejandro, e um sírio amigo deles, ambos devidamente paramentados com a amarelinha.

Vimos o futebol brasileiro que queríamos ver. Três belos gols, boas jogadas. Dizem que um elefante incomoda muita gente, e dois elefantes incomodam muito mais. Pois onze elefantes com chuteiras de trava incomodam mais ainda, e bateram o tempo todo nos brasileiros, além de teatralmente cavarem a expulsão do Kaká. Mas não tem nada não... A Coreia do Norte jogou com extrema lealdade e perdeu só de 2 a 1. A Costa do Marfim apelou para a violência e levou 3 a 1, chegando a estar três a zero. Fizemos um bolão do resultado do jogo. Surrealmente Gilberto e Alejandro apostaram 3 a 1! Isso é resultado que se aposte? Qual a chance de acontecer? Bem, aconteceu.

Agora, é só torcer para Portugal ficar em segundo no grupo, fazer a festa, e deixar de tromba os brutos elefantes. Diferentemente dos europeus, que estão tendo atuações decepcionantes, nós latino-americanos vamos muito bem na Copa, obrigado. A América Latina vai decidir o Mundial. Pelo menos, decidirão a competição os jogadores latino-americanos que os anfitriões africanos não tiverem eliminado por contusão.

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