Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


domingo, 4 de julho de 2010

Kapitel LXXXVIII – A Última Volta

Acabou o congresso. Pedi meu certificado e ganhei um em branco, assinado, para que eu mesmo preenchesse. Ou seja, qualquer um que chegasse lá e dissesse que tinha apresentado um trabalho conseguiria um certificado. Uma zona! Mas valeu a pena, de todo modo.

Saindo de lá, aproveitei para conhecer todos os cantos de Toulouse aonde ainda não tinha ido! Conheci o lindo Jardin des Plantes, a antiqüíssima igreja de Notre Dame Du Taur (séculos XIII e XIV) e muitos outros lugares. E finalmente consegui encontrar aberta a igreja de Saint-Sérin, que fica perto do albergue. Já estava desconfiando que ela era só fachada que não tinha nada por dentro.


Aproveitei e comprei minha passagem de trem para Paris. Parto na próxima manhã. Saiu o dobro do preço da passagem de avião de Paris para Toulouse, que comprei adiantado. Fazer o quê? Em seguida, parei em um bar perto da estação de trem e assisti ao jogo da Alemanha com a Argentina bebendo cerveja Leffe. Não achei graça fiquei com pena dos argentinos. Quatro a zero é um exagero!

Depois, comi um pain au chocolat e, quando minha peregrinação já terminava e eu estava prestes a voltar para o albergue, ouvi: “Brasileiro! Brasileiro!” Era um pessoal do congresso, que não sabia meu nome mas tinha me reconhecido. Fomos comer uma pizza e tomar vinho rosé, que, segundo Manuel, o chileno, é típico da região.

Em seguida, fomos a outro bar assistir ao último jogo das quartas-de-final (e lamentar a eliminação paraguaia para a Espanha). Bebemos a cerveja Kronembourg, mas no meu segundo copo resolvi inovar e provar algo que é popular entre os franceses e que meu amigo Cattapa, que morou em Paris, disse que era horrível: Monaco. Trata-se da mistura de cerveja com um xarope chamado grenadine. Não é ruim. Mas é doce, cerveja pura é melhor e, principalmente, parece que se está bebendo suco de chiclete.

E assim acabou minha temporada em Toulouse. Que venha a cidade-luz!

sábado, 3 de julho de 2010

Kapitel LXXXVII – A Realidade é Laranja

Esta sexta-feira era um dia que prometia emoções. O clássico entre Brasil e Holanda definiria uma das equipes semifinalistas da copa. Minha apresentação de trabalho no congresso em Toulouse seria entre sexta à tarde e sábado de manhã. Morri de medo de ser na hora da partida Acabou que foi marcada para o horário entre as duas e as quatro horas. Daria para apresentar e ver o jogo em seguida!

Com atrasos, pessoas falando muito mais do que os quinze minutos, e um comparecimento de todos os inscritos na seção (isso não aconteceu em quase nenhuma outra seção), o tempo passou e só pude apresentar bem tarde. Eu me saí bem, fiz a apresentação em espanhol, e o meu trabalho foi o que gerou maior polêmica, suscitando perguntas e dividindo a sala entre olhares entusiasmados de aprovação e não disfarçadas expressões de contrariedade. O mais pitoresco foi a presença, na sala, do segundo colocado na eleição para presidente da Colômbia, Antanas Mockus, que havia dado uma palestra pela manhã. Ele até perguntou para mim, após minha apresentação, como eu entendia o conceito de desmercantilização.

No intervalo, saí desesperado para ver o jogo. Troquei a camisa azul de pano de mangas compridas da apresentação pela amarelinha da seleção. Já havia perdido todo o primeiro tempo e logo soube que o Brasil ganhava por 1 a 0. Minha intenção de ir a um bar ver a partida foi pelos ares, mas eu tinha um laptop e o local do congresso tinha internet wireless gratuita. Combinação perfeita!

Conectei na transmissão francesa da partida e logo começou a juntar gente para assistir. Entre eles, Rodrigo, um chileno que estava no mesmo quarto que eu no albergue e, pelo que soube com ele depois, estavam também vários outros hóspedes, que eu nunca tinha visto. Logo arrumaram uma sala vazia do congresso para assistirmos. Um sujeito da organização tentou até plugar o laptop para transmitir a imagem grande, pelo projetor, mas infelizmente não funcionou. Todos torciam para o Brasil. Quando tirávamos fotos em diferentes câmeras, eis que a Holanda empatou, em uma incomum falha do goleiraço Júlio César. A fotografia que ilustra este Kapitel foi tirada segundos antes (mas a do momento do gol foi a da máquina do Rodrigo!).

A situação piorou com a virada holandesa e degringolou com a estúpida expulsão de Felipe Melo, que pisou um adversário. O Brasil está fora da Copa. Saí frustrado e voltei para o albergue. Comi um pouco de pão com patê (é o que mais tenho comido nos últimos dois dias, pois comprei no Carrefour uma mousse de foi gras e uma mousse de canard au Porto). Depois fui ver a outra partida do dia, pois o Brasil está eliminado mas a Copa do Mundo continua.

Fui ao bar argelino (ver Kapitel LXXXII), onde há uma tevê com a transmissão dos jogos e lá vi o primeiro tempo da excelente partida entre Gana e Uruguai. Enquanto comia um sanduíche da lingüiça árabe merguez e tomava dois copos do típico chá com menta argelino, vi o belo gol ganês e muito equilíbrio entre as duas equipes. No intervalo, até para fugir do calorão que fazia lá dentro (Toulouse já está um forno, imaginem dentro de um minúsculo bar onde há chapas esquentando sanduíches!), resolvi dar uma volta.

Andei em busca do ótimo bar em que eu tinha ido dois dias antes (ver Kapitel anterior), mas nada de achá-lo. Vi, ao longe uma torre de igreja, e resolvi ir até lá. Chegando lá. Pareceu-me uma igreja sem nada de muito especial, mas, prudentemente refleti: não devo fazer pouco caso dela, pois, de repente, ela é antiga para caramba. Não deu outra. A igreja de Minimes é do século XVI! Isto é Europa...

Andei mais, passei por criancinhas árabes com a camisa do Brasil, continuei em busca do bar Musical Ralimera, e o encontrei! Bebendo, mais uma vez, chope Karlsbräu, vi o segundo tempo, o golaço do craque Forlán, a prorrogação, o incrível lance em que Gana quase marcou duas vezes o gol mas os uruguaios salvaram na linha, só que o segundo deles com a mão, o pênalti no último minuto batido pelo ganense no travessão. Aí, na disputa de pênaltis, a fênix celeste acabou com a última esperança africana.

Se o goleiro de Gana tivesse assistido aos jogos do Uruguai, teria mais chances. Arriscou o canto e não defendeu nenhuma cobrança. Só que uruguaios – especialmente os defensores e à exceção de craques como Forlán – têm uma incrível tendência a mandar um canhão bem no meio do gol. É só o goleiro não sair do lugar que suas chances aumentam consideravelmente. Mas ele sempre pulou e Gana está eliminada. Para alegria de meus amigos uruguaios, a celeste olímpica volta a uma semifinal de Copa do Mundo. Pena que contra a Holanda.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Kapitel LXXXVI – Horários Errados, Viajantes Errantes

Ontem, voltei à Universidade de Toulouse 2 – Le Mirail para o congresso. Diferentemente do dia anterior (ver Kapitel anterior), desta vez havia cartazes indicando aonde deveríamos ir. O credenciamento foi confuso, mas foi feito. O mais bizarro é que o material do congresso que nos entregaram tem um monte de papel, com gramatura grossa, informações turísticas mas... não tem os horários das apresentações! Isso é preciso copiar à mão de um mural na parede.

Enquanto eu tentava analisar a que e quando assistir, eis que sou surpreendido pela presença de iuperjianas! Regina e Daniela também vão apresentar trabalho, assim como Maíra, que chegou mais tarde e se encontrou conosco à noite.

Comentamos sobre os horários do congresso e uma triste constatação. Regina terá que fazer sua apresentação no horário do jogo entre Brasil e Holanda. Tanto eu como Daniela faremos nesse mesmo dia ou no dia seguinte, mas ainda não sabemos exatamente, nem qual será a hora. Ou seja, há alguma chance de o mesmo problema acontecer conosco. Atabalhoadamente, já perdi a vitória das oitavas-de-final contra o Chile (ver Kapitel LXXXIV), não posso perder o clássico confronto entre Brasil e Holanda nas quartas! Estou tenso com a possibilidade.

Matei a seção a que, sem muita empolgação, eu iria assistir e fomos eu, Regina e Daniela dar uma volta pela cidade. Elas chegaram no dia anterior e estão hospedadas mais longe, de modo que não conheciam nada de Toulouse ainda. Como eu tinha passeado muito na véspera, fui nomeado guia. Só que, como todos os que leem estes Contos Fantásticos sabem, tenho um catastrófico senso de direção. E um guia sem senso de direção é, necessariamente, um guia fajuto. Mas é melhor um guia fajuto na mão do que dois bons guias voando.

Combinamos de, às nove horas, ir a um coquetel na bela sede da prefeitura, o Capitole, que fazia parte do evento. Eis que, quando nos encaminhá-vamos para lá, a Daniela conferiu o convite e constatou que não era às nove, como pensávamos (e, creio, fui eu o primeiro a dizer que era), mas às dezenove! Ou seja, perdemos a boca-livre! Restou-nos dar mais uma volta e, depois, ir a algum bar.

No caminho, na Place des Tiercerettes, bem pertinho do meu albergue, uma incrível percussão nos chamou a atenção. Oito músicos africanos tocavam animadamente, enquanto a francesada estava em polvorosa, sacudindo o esqueleto.



Depois seguimos em busca de um lugar para comer. Daniela não gosta de carneiro e perdeu o delicioso sanduíche árabe shawarma que eu e Regina devoramos. Em seguida, fomos ao bar Musical Ralimera, não longe dali. Bebemos uns chopes Karlsbräu e falamos sobre viagens, Iuperj, França, nossas vidas... não necessariamente nesta ordem. O garçom, extremamente simpático e atencioso, não só fez várias piadinhas como serviu pão com queijo de cabra de cortesia.

Aliás, simpatia, gentileza e educação parecem ser uma marca do sul da França. Tanto em Toulouse, como em Carcassonne e Bordéus (Bordeaux), fiquei impressionado como todos pedem licença, agradecem, trocam sorrisos com pessoas desconhecidas. Quando se pede alguma informação em Toulouse, o cidadão local vai explicar pacientemente, e se não souber tentará descobrir, e se não estiver muito ocupado vai acompanhá-lo até um local mais próximo onde a indicação ficará mais fácil. Depois de Toulouse, vou a Paris. Não ouço que os parisienses costumam ser assim. Em alguns dias saberei empiricamente se poderei generalizar esses elogios para a França como um todo.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Kapitel LXXXV – Andanças Occitanas

Hoje conheci a Universidade Toulouse 2 Le Mirail, sede do congresso do qual vim para participar. Mas antes fui a um restaurante marroquino perto do albergue, almoçar couscous com carneiro, grão-de-bico e lingüiça merguez. Depois, sim, fui pegar o metrô. Como sairia mais barato, resolvi comprar logo um bilhete com dez viagens de uma vez. Só que, bizarramente, só se pode comprar o bilhete na máquina, e esta só aceita moedas e cartão. Como meu cartão não é de banco francês, precisava de mais de doze euros em moedas. Absurdo! Isso me lembrou a surreal situação dos ônibus de Buenos Aires, onde as pessoas acumulam moedas porque é o único meio para comprar a passagem, e todos os vendedores das lojas se recusam a trocar as notas porque sabem que as moedas são, lá, um artigo de luxo. Pois em Toulouse não é tão diferente. Consegui trocar algumas no Carrefour, mas se recusaram a trocar em três restaurantes, e todas as pessoas a quem perguntei na rua disseram que não tinham.

Sugeriram que eu fosse ao correio, onde bastaria eu colocar a nota numa máquina e ela a trocaria por moedas. Achei aquilo muito estranho, mas eu já estava há mais de quinze minutos tentando conseguir moedas e não custava tentar. Perguntei ao funcionário se havia um jeito de trocar uma nota de cinco por moedas, e ele me respondeu: “Normalmente não, mas excepcionalmente você pode trocar naquela máquina”. E, de fato, a máquina trocou o dinheiro. Como a garçonete havia dado exatamente essa dica, é óbvio que a situação nada tinha de excepcional. Mas eles tentam desencorajar todos os passageiros da cidade a irem lá trocar dinheiro.

O trem do metrô é estranha-mente estreito, e as pessoas ficam muito apertadas, mas o transporte funciona bem. São três linhas, sendo que a A e a B cobrem as áreas mais importantes. As estações têm uma separação transparente entre o trem e o local de espera. Quando o trem chega, abrem-se as portas tanto dele como as dessa separação. Muito interessante é que, a cada estação do metrô, o nome dela é anunciado primeiro em francês e, em seguida, em occitano. Soa meio italiano, e é bem engraçado. Aliás, muitas ruas (não sei se todas) também têm seus nomes escritos nas duas línguas. Há um movimento pela revitalização do occitano, língua da região de Languedoc, e a bandeira usada pelos ativistas occitanos é igual à de Toulouse, capital local.

Cheguei à universidade e foi uma luta descobrir onde, no campus, seria o evento. Na biblioteca me informaram mas, quando cheguei ao local, não havia ninguém. É que a versão do cronograma do congresso que está nos panfletos impressos e a que estava no site são diferentes. E adivinha qual está certa? Não era a do site, em que eu tinha me baseado, é claro! Em vez dos documentários que seriam exibidos às duas da tarde, houve uma discussão sobre a integração intelectual entre Europa e América Latina às 2h30. E nada de falarem sobre o credenciamento ou de fornecerem o material. Dei um tempo e me mandei. Definitivamente, aquela reunião que em nada me interessava, não me privaria de ver os jogos de hoje da Copa. Na manhã desta quarta, volto lá para – espero! – fazer meu credenciamento.

Aproveitei para passear por Toulouse, o que eu ainda não tinha feito. São bem bonitas as áreas do Capitole (onde funciona a prefeitura), do rio La Garone, e a basílica de St-Sernin, que fica próxima ao albergue. Quando vi que o jogo entre Paraguai e Japão tinha começado, entrei em um pub, onde assisti ao primeiro tempo bebendo uma cerveja francesa Kronenbourg. No Kapitel anterior eu contei sobre os estereótipos sobre os franceses que estavam se confirmando; pois eis o de número quatro: o garçom fedia muito!

Depois, para poder conhecer mais da cidade, pus novamente o pé na rua, e fiquei ansioso porque demorei a encontrar um lugar onde eu pudesse ver o segundo tempo. Já se passava metade dele quando encontrei um vazio restaurante de kebab. Sem nenhuma fome, comprei um sorvete e vi até o final do tempo regulamentar. Tive a infeliz ideia de dar mais uma volta antes da prorrogação. Andei muito e não conseguia achar qualquer lugar transmitindo o jogo durante o tempo extra. Quando, enfim, eu encontrei, já estava na disputa de pênaltis. Ali mesmo, na rua, acompanhei, satisfeito, a classificação paraguaia.

Continuei o passeio, comi um baguete com presunto e emental e vi que já estava se aproximando da hora do outro jogo. Encontrei um restaurante próximo do albergue cheio de portugueses, com camisas e bandeiras. Era lá mesmo que eu ia torcer pros lusos contra os espanhóis. Infelizmente, não deu. A seleção portuguesa jogou bem, esteve melhor em grande parte da partida, mas justamente quando era pressionada a Espanha fez um gol. Isso desestabilizou os portugueses, que pioraram bastante, e tudo degringolou quando o árbitro caiu na simulação de falta dos espanhóis e expulsou injustamente um jogador de Portugal. Voltei resmungando, xingando a mãe do árbitro. Mas nem toda a ajuda do mundo será suficiente quando (se) a Espanha tiver pela frente o Brasil, a Alemanha ou a Argentina.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Kapitel LXXXIV – Um Conto Bordelense

Apesar de a viagem de Toulouse para Bordeaux (Bordéus, segundo os portugueses) durar mais de duas horas, aproveitei meu segundo dia livre em Toulouse para conhecer a cidade. Acordei cedo e comi um croissant de café da manhã (aqui, os croissants, em geral, são com chocolate ou apenas amanteigados; não têm recheio, mas a massa é tão boa que não faz falta). Peguei o trem das 9h20 (cheguei em cima da hora!), com a intenção de voltar no último trem do dia, às 20h31.

Andei bastante por Bordéus (cidades com nomes bizarros em português, como Bordéus/Bordeaux e Mogúncia/Mainz – sobre esta, ver Kapitel XLIII – sempre me deixam na dúvida de como chamá-las). É uma bela cidade, com seu conjunto de maravilhas arquitetônicas consideradas pela Unesco como patrimônio mundial. Várias suntuosas edificações dos séculos XVIII e XIX, e outras tantas começadas bem antes a ser erigidas, dão um ar imponente. Impossível não destacar o belíssimo chafariz Monumento aos Girondinos, na Praça dos Quinconces.


Vias extremamente largas, em que não está clara a divisão do que é rua e o que é calçada, são um diferencial. Mas há também algumas ruelas bem estreitas, com velhos prédios algo enegrecidos pelo tempo. Como Bordeaux foi uma próspera cidade “galor-romana”, também vi ruínas do século III. Debaixo da Igreja de Saint-Serin, há um sítio arqueológico.

Mais impres-sionante do que ele, no entanto, é o Palais Gallien, uma antiga arena para gladiadores que teve capacidade para vinte mil espectadores (pouco menos do que metade do Coliseu romano). Apesar de a Revolução Francesa ter tomado a insensível decisão de demolir o local, por não ter “utilidade”, para construir em seu lugar um quarteirão moderno, o que sobreviveu está consideravelmente preservado.

Faço um breve interregno para comentar como, um a um, os estereótipos sobre os franceses vão se confirmando. Primeiro, foi o atraso do trem para Carcassonne (ver o Kapitel anterior). Depois, é a incapacidade da maioria dos franceses de pronunciar de modo aceitável nomes em outros idiomas. Na véspera, na transmissão da partida entre a Alemanha e a Inglaterra, tive o melhor exemplo disso: é difícil alguém ter um nome mais alemão do que Schweinsteiger. Florian me disse uma vez que, ao pé-da-letra, em tradução livre, o significado seria “escalador de porcos”. Bizarramente alemão! Pois a pronúncia correta é, mais ou menos, “chvainchtaiga”, só que o locutor francês, obviamente, dizia “chvenchteguér”.

Escrevo sobre os estereótipos porque nesta viagem a Bordeaux foi a vez de o terceiro se confirmar. Fui almoçar e pedi foi gras (precisava provar o legítimo francês!) e o vinho que o garçom indicou para acompanhar, Monbuzillac. Oito euros pelo prato e quatro pela taça não eram nenhuma pechincha, mas achei que devia experimentar. Eis que, quando o garçom trouxe o pedido, o prato vinha quase vazio, apenas com enfeites! Precisei avançar no pão. Até a taça de vinho me parecia mais incompleta do que o normal. Era o estereótipo da comida francesa.

Voltando à viagem como um todo: não consegui ver tudo da cidade, até porque alguns supostos pontos de interesse turístico não são conhecidos por ninguém perto de sua suposta localização. Mas vi muito coisa, principalmente se for considerado que só tive um dia para passear lá. Consegui ainda ver boa parte do segundo tempo da vitória holandesa sobre a Eslováquia. No bar, um restaurante indiano praticamente vazio, pedi um sorvete de café. Não estava nenhuma delícia, mas, além de o lugar ter uma televisão passando os jogos da Copa, o sorvete ali estava muito mais em conta (1,50 €) do que os de 2,50 € ou 5 euros que vi pela cidade. Na Alemanha, o preço da bola de sorvete é uma boa medida para se saber se uma cidade é careira (ver Kapitel XLVII). Só que em Toulouse, Bordeaux ou Carcassonne, os preços são proibitivos. Quase sempre mais que o dobro ou que o triplo dos 80 cêntimos de Frankfurt.

Depois, ainda fui ver mais alguma coisa antes de voltar para a estação de trem. Fui ao bairro de St. Michel, onde há uma igreja importante. O interessante é que, apesar da origem obviamente católica, o bairro tem um enorme número de árabes e turcos, o que é facilmente perceptível nas caras, nas lojas, nas roupas.

No ponto do bonde, perguntei a um senhor negro, com dois filhos, de qual dos lados da rua eu deveria pegar o transporte no sentido da estação de trem. Ele explicou que era onde eles estavam. Um dos meninos, curioso, perguntou aonde eu ia. Comecei, então, dentro do possível, a conversar em francês com o garoto. Respondi que ia a Toulouse, e ele perguntou se eu morava lá. Eu disse que não, que morava em Frankfurt, na Alemanha. Nesse momento, ele encheu a boca para dizer que morava em Bordeaux. Se entendi bem, desmereceu Toulouse, afirmando que Bordéus é muito maior.

Aí, perguntei se ele conhecia Toulouse e se não gostava da cidade. Ele respondeu que conhecia e que gostava sim, e em seguida disse qualquer coisa sobre Marrakesh. Perguntei, então, se ele era marroquino. Percebi uma demora na resposta, como se ele tivesse vergonha ou receio de dizer que não era francês, mas do Marrocos. Contei para ele, então, que tenho um tio marroquino, marido da irmã do meu pai. Fez bem para mim ver o enorme sorriso que o menino abriu ao ouvir a inesperada informação.

Tudo teria sido ótimo na viagem se não fosse por um detalhe: pela primeira vez em muitas copas do mundo, perdi o jogo do Brasil! Estupidamente, achei que a partida desta noite seria entre Paraguai e Japão e não conferi a maldita tabela. Enquanto o Brasil despachava o Chile, eu me angustiava no trem de Bordeaux para Toulouse, sem ter acesso a qualquer informação sobre o jogo. Já caminhando de volta para o albergue, foi só ver o primeiro bar no caminho que tinha transmitido a partida para atravessar a rua e perguntar para o atendente sobre o placar. A resposta “trois-zero” soou como música para meus ouvidos. Eu podia, então, voltar em paz, tranqüilo e satisfeito.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Kapitel LXXXIII – Em Algum Lugar do Passado

Este domingo foi, podemos dizer, um dia “retrô”. Conheci uma cidade medieval próxima a Toulouse, Carcassonne. Muralhas, castelo, ruelas... eu gosto disso. No caminho para a rodoviária, passei em uma doceria turca e comprei um bolinho chamado istamboulya e um outro docinho comprido, o cigare estilo turco. Este foi o meu café da manhã.

Comprei meu bilhete e aguardava o trem que iria às 12h40 para Montpellier, passando por Carcassonne e outras tantas cidades pelo caminho. Conheci bem como são os trens na França... Primeiro, foi avisado pelos alto-falantes que haveria um atraso de dez minutos. Pouco mais de dez minutos depois, foi dito que o trem estava cancelado! Ouvi rumores de que era greve – claro, estou na França! – mas não sei se isso era verdade.

Lá fui eu me unir a um monte de gente para reclamar e saber o que seria feito. A funcionária dava informações parciais, que não esclareciam nem a metade dos passageiros, que iam para destinos diferentes. Quando as pessoas, apreensivas, perguntavam, ela respondia com tom histérico: “Attend!” A impressão que dava era a de que não havia nada de errado em cancelarem subitamente um trem e que nós, passageiros, éramos uns arruaceiros que queríamos perturbar a vida dela.

Por fim, passageiros que iam a Carcassonne ou a outras várias cidadezinhas deveriam pegar o trem das 13h17 para Nice. Eu me dirigi até lá e, quando o trem chegou, logo fui perguntar para o maquinista... e ele me respondeu que não iria a Carcassonne, que sentia muito (estava “désolé”). Ou seja, nem ele sabia de nada! Acabou que o trem foi, sim, a Carcassonne.

É interessante que além dessa identidade medieval (que Toledo, na Espanha, também tem bastante forte), Carcassone também enfatiza a identidade occitana. Além de várias bandeiras dessa nação sem Estado, vi propaganda do partido occitano, engajado em conseguir mais autonomia para a região. Anúncios oficiais falam em “país cátaro”.

Dei a volta na cidade, vi o interior do castelo e, enfim, fui almoçar. Em uma praça onde se concentravam vários restaurantes, examinei menu a menu até achar o mais interessante. Sopa de cebola de entrada, cassoulet (a “feijoada” francesa, com feijão branco, frango e lingüiça, num estilo mais “sopa” que o prato brasileiro) e, de sobremesa, uma espécie de pudim de pão. E ainda pedi uma garrafinha de vinho da casa (na metade, achei que devia ter pedido só uma taça).

Quando acabava meu almoço, ouvi um grito de gol. Assim que paguei a conta, fui rapidamente ao bar de onde vinham os sons, que transmitia a partida. Entrei, pedi um café, e só saí quando o árbitro apitou o final. Minha volta ao passado não se resumiu à ida a uma cidade medieval. Fiquei perplexo com o gol da Inglaterra mal anulado pelo árbitro. Simplesmente, foi quase idêntico ao primeiro gol inglês na prorrogação da final da Copa do Mundo de 1966. A bola bateu no travessão, caiu perto da linha e saiu.

Como se isso não fosse o suficiente, o jogo era justamente contra a Alemanha jogando de branco, com a Inglaterra de vermelho! É impossível que não existam deuses do futebol. Se não, como seria possível que houvesse o remake do gol inglês da Copa de 66? As diferenças foram que, desta vez, a bola caiu dentro com certeza absoluta, e que apenas em 1966 o gol foi validado. Daquela vez, os anfitriões venceram na prorrogação e foram campeões. Esta copa, no entanto, não acontece na Inglaterra, e o juiz não deu o gol, apesar de legítimo.

A Alemanha ainda ampliaria e terminaria goleando o time da rainha. A vitória teutônica foi justa, o placar de 4 a 1 não. Foi muito exagerado. Os ingleses, que voltam para casa, poderiam ter feito pelo menos outros dois gols. Um senhor me perguntou se quem perdesse estaria fora. Respondi positivamente e ele contou que era catalão. Revelei que torceria por Portugal contra os espanhóis, já me desculpando por isso. Ele, então, respondeu que era catalão e que, portanto, queria que a Espanha se ferrasse, e também torceria por Portugal. Os regionalismos europeus são algo muito engraçado.

Andei mais um pouco pela cidade e voltei para a rodoviária. A bilheteria estava fechada e só era possível comprar o bilhete na máquina. Só que a máquina aceitava apenas pagamento em cartão ou moedas. Situação complicada para quem precisava pagar 14 euros e acredita que a bolsa ainda não foi depositada no banco. Tentei dar o dinheiro para uma senhora para que ela pagasse no cartão dela para mim, tentei trocar uma nota de vinte por moedas numa loja, mas não consegui nada. Fui instruído a falar com a controladora da viagem e comprar diretamente com ela o bilhete. Falei com ela, que me respondeu que lá dentro do trem ela me venderia. Ela passou direto por mim duas vezes e não parou nem cobrou minha passagem. Acabei viajando de graça. Não consegui pagar. Fazer o quê?

Cheguei já pensando no outro jogo. Voltando da rodoviária de Toulouse para a área do albergue, vi pela janela de um bar o gol irregular da Argentina contra o México, feito em impedimento não marcado. Depois, entrei em um pub já no centro histórico, que é onde estou hospedado, para ver o restante do jogo. Bebi cervejas britânicas que eu não conhecia: a “ruiva” Directors e a pilsen John Bull. Linda bomba de Tevez colocou os argentinos com 3 a 0. O gol de honra mexicano não impediu a eliminação. Agora, Argentina e Alemanha farão nas quartas-de-final um jogaço que promete. Só resta saber a que lugar do passado essa partida vai remeter: à final da copa de 86 no México ou à final da copa de 90 na Itália.

domingo, 27 de junho de 2010

Kapitel LXXXII – Os Três Desejos

Está uma noite bem quente em Toulouse. Quando o avião se aproximava, perto das nove horas, o comandante disse que fazia trinta graus. E há também uma bela lua cheia. Não sei se tão bela quanto a moça que veio do meu lado no avião (mais interessada na revista de fofoca que estava lendo do que em conversar comigo...), mas definitivamente uma bela lua.

Do aeroporto, peguei um ônibus a cinco euros que me deixou perto do albergue. Mas encontrar a rua exata não foi nada fácil. É uma ruela pequena e estreita, aliás, como várias neste centro antigo. Mas, tanto quanto as ostensivas e persistentes ofertas dos vendedores de maconha no meio da rua, chamou-me a atenção a prestatividade das pessoas aqui.

Vi duas mulheres – uma delas mais velha, podiam ser mãe e filha – e perguntei a elas sobre a rua. Não sabiam, mas foram comigo até um mapa público. Como não aparecia a referência da tal rua, perguntaram no restaurante. Como ninguém sabia, aconselharam-me a ir até o Domino’s Pizza – e me mostraram onde ficava, é claro – e perguntar lá. Para completar, ainda elogiaram o meu francês. E ele é péssimo! Acontece que os franceses não estão acostumados a encontrar estrangeiros que se esforçam para falar em francês, de modo que, acredito, houve um misto de boa vontade com falta de base para comparação.

Peguei a indicação na pizzaria mas ela não adiantou muito. Logo, eu já estava perdido de novo. Aí, perguntei para dois sujeitos sentados em uma esquina – pareciam árabes. Como eles não sabiam, um deles entrou na loja, fez a pesquisa no computador e me explicou. Com toda essa boa vontade, nem alguém tão perdido quanto eu é capaz de não encontrar o albergue.

Já instalado, saí para comer alguma coisa. Estava roxo de fome. Um saquinho de biscoito e um sanduíche não estavam se mostrando suficientes para minha necessidade diária de calorias. Dei uma volta nos arredores e vi que estava terminando o jogo de Gana com os Estados Unidos. Não consegui assistir nada da Copa hoje, neste dia de viagens. Quando estava no aeroporto em Paris, vi uma camisa uruguaia em uma televisão. Depois, vi que Gana vencia os estadunidenses por 1 a 0. Quando cheguei a Toulouse, vi que o jogo estava empatado. Quando saí para jantar, Gana vencia por um gol na prorrogação, e eu assisti pela tevê ao apito final.

Mas a fome persistia, e eu segui na busca por um restaurante. Não faltam opções, inclusive muitos restaurantes indianos, marroquinhos, bares... Mas achei tudo caro. Faltam aquelas opções baratinhas para dar aquela saciada no final da noite, sabe? Todos os lugares não vendiam nada abaixo de dez euros. Acabei voltando para a única exceção: justamente o lugar onde tinha passado o jogo de Gana.

Era um restaurante argelino meio estilo fast food. Pedi um sanduíche de uma espécie de kafta (kefta, na grafia deles) na baguete. Aproveitei para provar também uma massinha empanada, cujo nome perguntei três vezes, mas não entendi direito (sfinx, stinfz, ou qualquer coisa por aí) e ninguém lá sabia me explicar como se escreve. Veio junto, de cortesia, um chazinho com folha de menta dentro. Soube que é a bebida mais tradicional da Argélia, e costuma ser servida para os convidados. Achei simpático o gesto. E o chá era bonzinho. O copo de metal me queimou a mão e não acho que seja a melhor forma de servir um chá quente, mas a bebida vera boa.

Dos três desejos, dois foram satisfeitos: albergue encontrado e fome saciada. Toulouse está quente, tem árabes à beça, mas não tem nenhum gênio da lâmpada. E se tem, ele não estava no voo da EasyJet de Paris para cá para atender ao meu primeiro pedido.