Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


terça-feira, 29 de junho de 2010

Kapitel LXXXIV – Um Conto Bordelense

Apesar de a viagem de Toulouse para Bordeaux (Bordéus, segundo os portugueses) durar mais de duas horas, aproveitei meu segundo dia livre em Toulouse para conhecer a cidade. Acordei cedo e comi um croissant de café da manhã (aqui, os croissants, em geral, são com chocolate ou apenas amanteigados; não têm recheio, mas a massa é tão boa que não faz falta). Peguei o trem das 9h20 (cheguei em cima da hora!), com a intenção de voltar no último trem do dia, às 20h31.

Andei bastante por Bordéus (cidades com nomes bizarros em português, como Bordéus/Bordeaux e Mogúncia/Mainz – sobre esta, ver Kapitel XLIII – sempre me deixam na dúvida de como chamá-las). É uma bela cidade, com seu conjunto de maravilhas arquitetônicas consideradas pela Unesco como patrimônio mundial. Várias suntuosas edificações dos séculos XVIII e XIX, e outras tantas começadas bem antes a ser erigidas, dão um ar imponente. Impossível não destacar o belíssimo chafariz Monumento aos Girondinos, na Praça dos Quinconces.


Vias extremamente largas, em que não está clara a divisão do que é rua e o que é calçada, são um diferencial. Mas há também algumas ruelas bem estreitas, com velhos prédios algo enegrecidos pelo tempo. Como Bordeaux foi uma próspera cidade “galor-romana”, também vi ruínas do século III. Debaixo da Igreja de Saint-Serin, há um sítio arqueológico.

Mais impres-sionante do que ele, no entanto, é o Palais Gallien, uma antiga arena para gladiadores que teve capacidade para vinte mil espectadores (pouco menos do que metade do Coliseu romano). Apesar de a Revolução Francesa ter tomado a insensível decisão de demolir o local, por não ter “utilidade”, para construir em seu lugar um quarteirão moderno, o que sobreviveu está consideravelmente preservado.

Faço um breve interregno para comentar como, um a um, os estereótipos sobre os franceses vão se confirmando. Primeiro, foi o atraso do trem para Carcassonne (ver o Kapitel anterior). Depois, é a incapacidade da maioria dos franceses de pronunciar de modo aceitável nomes em outros idiomas. Na véspera, na transmissão da partida entre a Alemanha e a Inglaterra, tive o melhor exemplo disso: é difícil alguém ter um nome mais alemão do que Schweinsteiger. Florian me disse uma vez que, ao pé-da-letra, em tradução livre, o significado seria “escalador de porcos”. Bizarramente alemão! Pois a pronúncia correta é, mais ou menos, “chvainchtaiga”, só que o locutor francês, obviamente, dizia “chvenchteguér”.

Escrevo sobre os estereótipos porque nesta viagem a Bordeaux foi a vez de o terceiro se confirmar. Fui almoçar e pedi foi gras (precisava provar o legítimo francês!) e o vinho que o garçom indicou para acompanhar, Monbuzillac. Oito euros pelo prato e quatro pela taça não eram nenhuma pechincha, mas achei que devia experimentar. Eis que, quando o garçom trouxe o pedido, o prato vinha quase vazio, apenas com enfeites! Precisei avançar no pão. Até a taça de vinho me parecia mais incompleta do que o normal. Era o estereótipo da comida francesa.

Voltando à viagem como um todo: não consegui ver tudo da cidade, até porque alguns supostos pontos de interesse turístico não são conhecidos por ninguém perto de sua suposta localização. Mas vi muito coisa, principalmente se for considerado que só tive um dia para passear lá. Consegui ainda ver boa parte do segundo tempo da vitória holandesa sobre a Eslováquia. No bar, um restaurante indiano praticamente vazio, pedi um sorvete de café. Não estava nenhuma delícia, mas, além de o lugar ter uma televisão passando os jogos da Copa, o sorvete ali estava muito mais em conta (1,50 €) do que os de 2,50 € ou 5 euros que vi pela cidade. Na Alemanha, o preço da bola de sorvete é uma boa medida para se saber se uma cidade é careira (ver Kapitel XLVII). Só que em Toulouse, Bordeaux ou Carcassonne, os preços são proibitivos. Quase sempre mais que o dobro ou que o triplo dos 80 cêntimos de Frankfurt.

Depois, ainda fui ver mais alguma coisa antes de voltar para a estação de trem. Fui ao bairro de St. Michel, onde há uma igreja importante. O interessante é que, apesar da origem obviamente católica, o bairro tem um enorme número de árabes e turcos, o que é facilmente perceptível nas caras, nas lojas, nas roupas.

No ponto do bonde, perguntei a um senhor negro, com dois filhos, de qual dos lados da rua eu deveria pegar o transporte no sentido da estação de trem. Ele explicou que era onde eles estavam. Um dos meninos, curioso, perguntou aonde eu ia. Comecei, então, dentro do possível, a conversar em francês com o garoto. Respondi que ia a Toulouse, e ele perguntou se eu morava lá. Eu disse que não, que morava em Frankfurt, na Alemanha. Nesse momento, ele encheu a boca para dizer que morava em Bordeaux. Se entendi bem, desmereceu Toulouse, afirmando que Bordéus é muito maior.

Aí, perguntei se ele conhecia Toulouse e se não gostava da cidade. Ele respondeu que conhecia e que gostava sim, e em seguida disse qualquer coisa sobre Marrakesh. Perguntei, então, se ele era marroquino. Percebi uma demora na resposta, como se ele tivesse vergonha ou receio de dizer que não era francês, mas do Marrocos. Contei para ele, então, que tenho um tio marroquino, marido da irmã do meu pai. Fez bem para mim ver o enorme sorriso que o menino abriu ao ouvir a inesperada informação.

Tudo teria sido ótimo na viagem se não fosse por um detalhe: pela primeira vez em muitas copas do mundo, perdi o jogo do Brasil! Estupidamente, achei que a partida desta noite seria entre Paraguai e Japão e não conferi a maldita tabela. Enquanto o Brasil despachava o Chile, eu me angustiava no trem de Bordeaux para Toulouse, sem ter acesso a qualquer informação sobre o jogo. Já caminhando de volta para o albergue, foi só ver o primeiro bar no caminho que tinha transmitido a partida para atravessar a rua e perguntar para o atendente sobre o placar. A resposta “trois-zero” soou como música para meus ouvidos. Eu podia, então, voltar em paz, tranqüilo e satisfeito.

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