Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


segunda-feira, 3 de maio de 2010

Kapitel XLIII – Um Trem, Três Chuvas, Treze Horas

Acordei cedo neste domingo porque tinha planos bem diferentes em relação aos domingos anteriores. Eu me programei para, pela primeira vez, sair de Frankfurt! Resolvi fazer minha primeira de muitas viagens na Alemanha. Comecei de leve, escolhendo cidades próximas. Mas logo três de uma vez!

Tomei meu café-da-manhã, saí às 8h45 por pura lerdeza (tinha acordado às 7h!) e parti para a estação de metrô. Lá, astutamente comprei a passagem de acordo com o meu plano; vejam só quanta esperteza! Selecionei três cidades que têm o mesmo código de distância em relação a Frankfurt, 65, ou seja, a passagem de ida ou volta para qualquer uma delas custa 7,15 euros. Como não sou bobo nem nada, comprei a passagem de dia todo para o código 65, que custa 14,30 euros. Ou seja, pelo mesmo preço que eu pagaria para ir a uma das três cidades e voltar, eu viajei por todas elas!

A primeira da minha rota era Wiesbaden. Apesar de Frankfurt ser bem maior e mais importante, é ela a capital do estado onde moro, Hesse. São bonitos os prédios do governo, como o da assembleia legislativa Landtag, mas o que mais chama a atenção, logo de cara, é sem dúvida a igreja neogótica Marktkirche. Por dentro, é até razoavelmente simples, mas por fora sua construção em tom de tijolo impressiona. Andando mais um pouco pelas ruas, deparei-me com blocos, peças e resquícios de um antigo aqueduto dos antigos romanos. Muito legal! Ah, e há torneirinhas espalhadas pela cidade onde se pode pegar suas famosas águas termais, que inclusive dão o nome à cidade (Wiesbaden significa “banhos da pradaria”).

Já cansado e com fome, estava quase na hora de trocar de cidade, mas antes faltava ir a um lugar: Neroberg, a parte mais alta de Wiesbaden. Havia duas atrações lá que eu não podia perder: a igreja ortodoxa russa e o teleférico. Difícil foi descobrir como ir para lá. Perdido, pedindo orientações, acabei perguntando a uma senhorinha que – vejam só! – me ofereceu carona. Ela me perguntou se eu era espanhol ou italiano e, quando disse que era brasileiro, falou que esteve por dois dias no Rio de Janeiro e que já conheceu a Argentina e o Peru, onde o marido dela trabalhou. Tentou arranhar um castelhano, mas ele não era muito melhor do que o meu alemão. Não precisei esperar ônibus nem nada, ela me deixou exatamente no ponto do teleférico. Comprei a passagem e subi.

Lá em cima a vista não era tão boa quanto eu supunha. Havia muitas árvores tapando um pouco os mirantes e, principalmente, os pontos mais atraentes da cidade lá embaixo ficavam muito distantes do Neroberg. A igreja ortodoxa russa Elisabeth (vários nobres russos se mudaram para a cidade antes da revolução comunista) também é bonita, com suas cúpulas douradas. Entrei e achei lá dentro surpreendentemente pequeno para o tamanho que ela tem por fora. Não tenho certeza, mas acho que vi um papel lá dentro dizendo que custava 1 euro ou 1,50 euro para entrar na igreja. Ora, não havia quase nada para ver lá dentro (precisei de 6 segundos para dar uma geral no lugar) e, ainda por cima, era proibido fotografar... será que ainda assim eles cobram?! Na dúvida, saí de fininho. O curioso é que, além da placa de proibição de fotografar, havia uma proibindo a entrada de cachorro! Achei hilário, mas talvez aqui seja preciso avisar, pois poucos são os lugares onde os caninos não entram (ver Kapitel VIII).

Havia mais um ponto interessante lá em cima: uma floresta! Na parte mais próxima do estaciona-mento, do mirante, do teleférico e do restaurante havia cordas e construções no alto das árvores para as crianças. Avançando mais, no entanto, havia um “caminho do filósofo” que seguia mata adentro, onde se viam poucas e afastadas construções da administração do parque. Achei muito interessante ver uma floresta temperada; as folhas das árvores davam a impressão de estarem flutuando, pela sua disposição em arcos.

Para descer do Neroberg foi fácil: havia um ônibus que saía direto de lá e ia até a parte central da cidade. Ele iria até a estação central de trem, mas saltei antes porque, mais cedo, a Marktkirche estava fechada e só tinha podido vê-la por fora. Pois na caminhada da igreja até a estação de trem desandou a chover. Eu tinha guarda-chuva, mas o coitado ficou todo desmantelado desde a primeira chuva de verão que me pegou aqui em Frankfurt (impossível esquecer, na primeira vez em que vi o rio Main e fui ao bairro de Sacksenhausen, o vento virando meu guarda-chuva pelo avesso). A verdade é que, desde então, ele está mais para capa do Batman do que para algo que evite que eu me molhe; aliás, não sei se fico mais molhado com ou sem ele.

Parti para o segundo ponto da viagem: Hochheim. É uma cidadezinha bem menor que as outras duas e ninguém dá nada por ela, mas foi uma boa dica do Jens. Trata-se de uma cidade do interior, mas na Alemanha, ou seja, cheia daquelas pitorescas casinhas germânicas e ruazinhas estreitas. Além disso, tem uma característica que a diferencia da grande maioria das cidadezinhas de interior do mundo todo: lá, os restaurantes não fecham cedo, e as pessoas vão almoçar nos mais diversos horários, como 4 ou 5 da tarde.

Após dar uma volta (e tomar a segunda chuva do dia), já roxo de fome, escolhi um dos vários restaurantes especializados em vinho. Para dizer a verdade, o vinho (pedi o da casa) não era grande coisa, estava mais para suquinho de uva. Mas o prato estava ótimo! Pela primeira vez provei um chucrute na Alemanha. Não achei melhor do que os que havia comido no Brasil, mas estava bom. O chucrute acompanhava uma lingüiça chamada Bauern Bratwurst, que, esta sim, estava deliciosa.

Era o momento de seguir para meu destino final: Mainz, ou Mogúncia, que é como a cidade se chama em português. Apesar de bem próxima de Frankfurt e de Wiesbaden, ela fica em outro estado, Renânia-Palatinado (Rheinland-Pfalz), do qual é a capital. Já não estava mais cedo, passava das cinco. O caminho para Mainz – digo, Mogúncia (é esquisito esse nome, não é?) – também não era tão simples quanto o que fiz para Hochheim. Eu precisava ir até uma estação chamada Mainz-Kastel e, ali perto, pegar um ônibus para a estação central de Mainz, de Mogúncia, ou seja lá como vocês quiserem chamar.

Saltei em Mainz-Kastel, que é um distrito administrado por Wiesbaden e que outrora pertenceu a Mainz/ Mogúncia. Enquanto procurava a estação de ônibus, até explorei aquela área da cidade, mas ela carecia de atrativos, e não por acaso não estava em minha rota planejada. O ponto mais bonito da cidade era a vista para o rio Main e para o outro lado da margem, onde ficava Mogúncia/Mainz.

Soube que Mainz ficava lá justamente quando encontrei o ponto de ônibus. Mas o tempo passava e o raio do coletivo não chegava. Olhei para aquela ponte, ela olhou para mim, e foi irresistível atravessá-la. Afinal, mesmo que a estação central não fosse perto do rio (e não era), ali havia coisas bonitas que eu queria ver de perto. O que não foi bonito foi a chuva que caiu quando eu estava no meio do caminho. Foi mais forte que as duas anteriores, juntas! Meu guarda-chuva batia asas, cruzava os braços, fazia piruetas, tudo menos me proteger do aguaceiro. Até então, as chuvas estavam chatinhas; naquele momento, ela ficou realmente insuportável.

Assim que vi um lugar aberto, entrei. Bebi uma Paulaner e esperei a chuva pelo menos voltar ao estágio de “chatinha”. A verdade é que com aquela chuva, àquela hora, e ainda por cima num domingo (quando muita coisa está fechada), meu aproveitamento de Mainz não foi tão bom como o das outras cidades. Mogúncia tem alguns museus interessantes, e todos obviamente estavam fechados. Há o museu estadual, um museu romano-germânico e o Museu de Gutenberg. Ah, sim! Gutemberg está para Mogúncia como Goethe está para Frankfurt. O inventor da imprensa nasceu lá em Mainz e, tal como ocorre com o poeta na cidade onde moro, tudo o que se refere a Gutenberg é ressaltado. Ele tem estátua, museu e até uma igreja em ruínas que – claro! – é onde ele supostamente foi batizado.

Voltarei a Mogúncia (já estou me acostumando com esse nome...) em algum momento. Há lugares para visitar e mesmo o que eu vi e achei bonito merece uma visão mais ensolarada e sem a chuva atrapalhando. Um dos lugares que preciso visitar novamente é a catedral. Quando cheguei lá, havia duas garotas conversando diante da porta semiaberta. Pedi licença e entrei. A igreja estava sinistramente escura, com pouquíssimas luzes, em parte quase que apenas iluminada por velas. Assim mesmo, dei uma volta lá por dentro. Não dava para ver tão bem, mas já tinha me deslocado até lá e serviria para ter uma ideia, antes de viajar para lá novamente. Quando eu chegava na saída, um funcionário estava trancando a igreja! Ele levou um susto, perguntou como entrei e se havia mais alguém lá. Quase fico trancafiado dentro da catedral!

Depois do susto, já exausto, era hora de voltar. Demorei algum tempo e perguntei algumas vezes até encontrar a estação de trem. Também precisei de umas tantas voltas na estação e de fazer algumas perguntas até saber que trem pegar e em que parte ele chegaria, para voltar a Frankfurt. Foi curioso ver que, quando perguntei a um turco, ele chamou a criança que estava com ele para falar comigo, pois ela entendia melhor alemão que ele.

Apertado, fui ao banheiro e... não pude usá-lo! Era pago – custava 50 cêntimos – e só aceitava moedas de 50, 20 ou 10 cêntimos. Eu tinha moedas de 1 cêntimo, de 1 euro, uma única de 10 e outra de 20, nenhuma de 50; ou seja, eu não tinha 50 cêntimos trocados para poder pagar pelo uso do banheiro.

Após entrar no trem da linha S8, saltei na estação Hauptwache, onde há conexão com as linhas de metrô que fazem o trajeto norte-sul. Entrei no metrô rumo ao norte e saltei uma estação antes da minha, para comprar mantimentos. Afinal, no café-da-manhã eu tinha acabado com o queijo e com o frio Bierschinken (não faltam frios diferentes aqui; até mortadela com pistache eu já tracei). Para a noite, portanto, só me restava comer pão com pão, ou fazer compras. Mas, apesar da latente vontade de ir ao banheiro, isso não seria um grande problema para mim, pois há um supermercado Rewe 24 horas ali em frente à estação de metrô anterior. Não seria se não fosse por um detalhe que eu não tinha percebido: ele é 24 horas e segunda-feira a sábado!

Frustrado, voltei para o metrô e finalmente saltei em Dornbusch. A vontade de ir ao banheiro era grande mas o problema da fome precisava ser resolvido. A pizzaria perto da minha casa, Pizzeria da Benito (nunca entendi por que “da” e não “do”), estava aberta mas com cara de que estava fechando. Perguntei, e ela estava mesmo encerrando o expediente, mas o italiano resolveu fazer minha pizza. Foi a última pizza do dia no restaurante! Estava gostosa, com um pepperoni – aqui chamado de Pepperoniwurst – bem apimentado.

Trouxe a pizza para casa, pois a pizzaria estava fechando e eu tinha um assunto urgente para resolver. Assunto pendente desde a estação de metrô de Mogúncia/Mainz! Cheguei em casa às 20h50, 13 horas depois de pôr os pés na rua. Aliviei minha bexiga e pude saborear a pizza tranqüilamente. A propósito, como será que eu faria se tivesse ficado na catedral?!

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