Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


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sexta-feira, 9 de julho de 2010

Kapitel XC – A Princesa e o Palácio

Comecei meu segundo dia em Paris, finalmente, conhecendo o Champs-Élysées (ver Kapitel anterior), e o Arco do Triunfo, é claro. Depois, fui me encontrar com uma encantadora francesa chamada Julie e sua mãe, Catherine. Não as conheci nesta viagem, a história é mais longa. Nós nos conhecemos em Santiago do Chile, no ano passado, quando fui ao Congresso Mundial de Ciência Política e, por acaso, elas estavam no mesmo albergue. Mantivemos contato e, apesar de elas serem de Toulouse, acabamos nos encontrando em Paris, que é onde Julie trabalha, como professora de espanhol.

Foi um dia formidável! Marcamos o encontro na praça de St-Michel, almoçamos no Marais (comi um confit de canard), passeamos pelo bairro judeu, Cathedral de Notre Dame, Jardin du Luxembourg, Pantheon, Senado, Odéon, praça da Sorbonne, e vários outros lugares até, por fim, irmos a Montmartre, onde passamos pelo Moulin Rouge, pela Rue Lepic – onde se ambientou parte do filme de Amélie Poulain – e, claro, subimos até a Basilique du Sacre Cœur.

No dia seguinte, havia coisas que eu não podia deixar de fazer. Como ir à Torre Eiffel, por exemplo! E foi essa a minha missão pela manhã. Sim, porque as quilométricas filas tomam um tempo considerável. Minha ideia era subir a pé, pois não me lembro se foi o Cattapa ou a Joana que me disse que era mais barato e as filas eram menores. Pois quando percebi, após muito esperar na fila, eu estava em uma para o elevador. Dados o tempo já gasto e a quantidade de pessoas que chegaram depois de mim, resolvi ficar ali mesmo e subir de elevador.

Lá em cima, enquanto via a bela vista e tentava não me irritar com a enorme quantidade de pessoas atravan-cando a passagem, eu não conseguia parar de me questionar sobre a freqüência em que câmeras que caem lá de cima da torre. Todo mundo tira fotos colocando as mãos por fora da grade; é, portanto, impossível que nunca aconteça de a câmera escorregar e se espatifar lá embaixo. Portanto, deixo aqui a dica: evitem ao máximo ficar passeando na área debaixo da Torre Eiffel!

À tarde, fui dar uma última passeada pela cidade. Era o dia perfeito para ir a um museu, mas o Louvre estava fechado. Joana me indicou um menor, o Musée de l’Orangérie, onde há várias pinturas impressionistas, mas também fecha às terças. Eu já havia desistido e caminhava a esmo quando vi uma placa para o Museu Rodin. E não é que estava aberto? Passei algumas horas vendo o Pensador e companhia antes de voltar para a casa da minha querida anfitriã Joana, que acabei não podendo encontrar. Ela só voltaria de um casamento em Marselha à meia-noite e, como trabalharia durante todo o dia seguinte, não pude estar com ela.

Preparei minhas coisas e fui à casa de Julie, situada em um lindo vilarejo medieval a quarenta minutos de Paris chamado Moret-sur-Loing. Lá, passei um bom momento com ela e Catherine, jantamos um delicioso pato e bebemos vinho. No dia seguinte, passeei pela cidadezinha com Catherine. Na antiga igreja de Notre Dame de la Nativité, fomos surpreendidos por uma exibição privada de música sacra no órgão do século XVI.




Depois, fomos os três a Fontainebleau e, em seguida, ao palácio de Versalhes. Encaramos uma fila com sol de rachar e, então, visitamos as inúmeras salas, vimos os jardins e obras-de-arte. Depois, almoçamos em um restaurante próximo, onde comi um bom prato de carne crua, chamado tartare de bœuf. Com isso, em dez dias eu conheci sete cidades na França! Impressionante!

Voltamos a Paris, onde peguei o metrô para o aeroporto. Ainda
cheguei a tempo de ver, lá no Charles de Gaulle mesmo, o segundo tempo da derrota alemã para a Espanha.

Estou pior que o Mick Jagger: todos os times pelos quais eu torço vão sendo eliminados na Copa do Mundo. Foi assim com o Brasil, Portugal, Paraguai, Gana, Uruguai e, claro, a Alemanha.

Foi uma viagem inesquecível. E os últimos dias foram mesmo especiais. Mas antes que os leitores imaginem coisas, não aconteceu nada do que alguns podem estar pensando. A encantadora Julie tem namorado. Contos de fada não existem na vida real... Nem mesmo em um lindo passeio pela França.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Kapitel LXXXIX – A Corrida para a Luz

O domingo começou com fortes emoções. Acordei cedo, para não haver risco de me atrasar para o trem rumo a Paris. Mas queria aproveitar os últimos momentos de internet gratuita no albergue. Então, respondi e-mails, pesquisei a localização exata do prédio da minha amiga Joana, onde eu ia me hospedar, e esvaziei as fotos da câmera. Saí tranqüilo, comprei uma garrafa d´água, um croissant e um pain au chocolat e fui caminhando rumo à estação. De repente, ocorreu-me que eu estava fazendo uma confusão: o trem chegaria a Paris às 14h40 e não sairia de Toulouse às 9h40; sairia às 9h22! Logo, eu estava, sim, atrasado!

Comecei a correr desesperadamente. Não há táxis andando por toda parte em Toulouse, como há em outras cidades. Foi preciso um esforço hercúleo para correr metade do caminho com um mochilão pesadíssimo e uma bolsa com quase um litro de água, um laptop e dois livros.

Cheguei à estação às 9h25, ouvi um apito, corri na direção, vi uma porta aberta, entrei e perguntei: “À Paris?” Sim, era o meu trem. Partiu menos de um minuto depois. Ufa! Eu me senti o próprio Indiana Jones. Levei tempo para parar de suar e respirar normalmente de novo. Li um pouco, dormi muito, e cheguei à cidade-luz. Precisava telefonar e só conseguir achar um cartão de telefone com 120 créditos. O que vou fazer com 120 créditos?! Assim, o dinheiro vai embora.

E vai mesmo. Paris é muito mais cara que Toulouse, que é muito mais cara que Frankfurt. Fui provar o crêpe (pedi um doce, de licor Grand Marnier) e, sem recheio algum, só massa, era quatro euros. Depois de comprar o crédito e não conseguir telefonar, fui procurar no mapa a localização e constatei que a Joana mora razoavelmente perto da estação de trem de Montparnasse. Desisti do metrô e fui a pé mesmo. Para quem correu com a mochila, essa caminhada seria fichinha.

Ao chegar ao prédio, fui pegar a chave com a vizinha, conforme o combinado. Pois se existisse uma copa do mundo de vizinhas simpáticas, dona América seria seriíssima candidata ao caneco. Cubana (mas com sotaque compreensível, pois não fala correndo como os cubanos em geral), casada com um francês, mãe de um egiptólogo e moradora de Paris há meio século, ela é incrivelmente gentil e prestativa. Não bastasse ter ficado à disposição para me dar a chave, deu para mim também um mapa de Paris, me mostrou a localização dos lugares e as linhas de metrô, e ainda ofereceu cafezinho. Apesar de nunca recusar café, abri uma exceção, pois já estava com vergonha.

Parti, então, para minha primeira exploração de Paris. A ideia era atravessar os Champs-Élysées, mas, saltando na respectiva estação de metrô, andei para o lado errado. Os Champs-Élysées ficaram, portanto, para o dia seguinte. Conheci o rio Sena, o Jardim das Tulherias, a Assembleia Nacional, a praça da Sorbonne, o Louvre (só o exterior e a parte central interna, pois as exposições já estavam fechadas), entre outros lugares. A Torre Eiffel eu vi de longe, de vários ângulos, tanto de dia como, iluminada, à noite.

É interessante como Paris, Toulouse, Bordéus/Bordeaux e Carcassonne são cidades totalmente diferentes. Enquanto Paris tem prédios grandes como uma grande cidade, mas tem espalhados pela cidade muitas grandiosas obras arquitetônicas evocando às antigas civilizações e outras aos heróis da Segunda Guerra, com muito branco e dourado, Toulouse se caracteriza pela simplicidade, com um ar simpático de tudo o que imaginamos ver em uma antiga cidade francesa. Carcassone, por outro lado, preserva ao máximo uma atmosfera anterior, medieval, enquanto Bordéus também tem grandes espaços e grandiosidade, como Paris, mas é mais sóbria. Estou gostando de minha passagem francesa neste período da Europa.

domingo, 4 de julho de 2010

Kapitel LXXXVIII – A Última Volta

Acabou o congresso. Pedi meu certificado e ganhei um em branco, assinado, para que eu mesmo preenchesse. Ou seja, qualquer um que chegasse lá e dissesse que tinha apresentado um trabalho conseguiria um certificado. Uma zona! Mas valeu a pena, de todo modo.

Saindo de lá, aproveitei para conhecer todos os cantos de Toulouse aonde ainda não tinha ido! Conheci o lindo Jardin des Plantes, a antiqüíssima igreja de Notre Dame Du Taur (séculos XIII e XIV) e muitos outros lugares. E finalmente consegui encontrar aberta a igreja de Saint-Sérin, que fica perto do albergue. Já estava desconfiando que ela era só fachada que não tinha nada por dentro.


Aproveitei e comprei minha passagem de trem para Paris. Parto na próxima manhã. Saiu o dobro do preço da passagem de avião de Paris para Toulouse, que comprei adiantado. Fazer o quê? Em seguida, parei em um bar perto da estação de trem e assisti ao jogo da Alemanha com a Argentina bebendo cerveja Leffe. Não achei graça fiquei com pena dos argentinos. Quatro a zero é um exagero!

Depois, comi um pain au chocolat e, quando minha peregrinação já terminava e eu estava prestes a voltar para o albergue, ouvi: “Brasileiro! Brasileiro!” Era um pessoal do congresso, que não sabia meu nome mas tinha me reconhecido. Fomos comer uma pizza e tomar vinho rosé, que, segundo Manuel, o chileno, é típico da região.

Em seguida, fomos a outro bar assistir ao último jogo das quartas-de-final (e lamentar a eliminação paraguaia para a Espanha). Bebemos a cerveja Kronembourg, mas no meu segundo copo resolvi inovar e provar algo que é popular entre os franceses e que meu amigo Cattapa, que morou em Paris, disse que era horrível: Monaco. Trata-se da mistura de cerveja com um xarope chamado grenadine. Não é ruim. Mas é doce, cerveja pura é melhor e, principalmente, parece que se está bebendo suco de chiclete.

E assim acabou minha temporada em Toulouse. Que venha a cidade-luz!

sábado, 3 de julho de 2010

Kapitel LXXXVII – A Realidade é Laranja

Esta sexta-feira era um dia que prometia emoções. O clássico entre Brasil e Holanda definiria uma das equipes semifinalistas da copa. Minha apresentação de trabalho no congresso em Toulouse seria entre sexta à tarde e sábado de manhã. Morri de medo de ser na hora da partida Acabou que foi marcada para o horário entre as duas e as quatro horas. Daria para apresentar e ver o jogo em seguida!

Com atrasos, pessoas falando muito mais do que os quinze minutos, e um comparecimento de todos os inscritos na seção (isso não aconteceu em quase nenhuma outra seção), o tempo passou e só pude apresentar bem tarde. Eu me saí bem, fiz a apresentação em espanhol, e o meu trabalho foi o que gerou maior polêmica, suscitando perguntas e dividindo a sala entre olhares entusiasmados de aprovação e não disfarçadas expressões de contrariedade. O mais pitoresco foi a presença, na sala, do segundo colocado na eleição para presidente da Colômbia, Antanas Mockus, que havia dado uma palestra pela manhã. Ele até perguntou para mim, após minha apresentação, como eu entendia o conceito de desmercantilização.

No intervalo, saí desesperado para ver o jogo. Troquei a camisa azul de pano de mangas compridas da apresentação pela amarelinha da seleção. Já havia perdido todo o primeiro tempo e logo soube que o Brasil ganhava por 1 a 0. Minha intenção de ir a um bar ver a partida foi pelos ares, mas eu tinha um laptop e o local do congresso tinha internet wireless gratuita. Combinação perfeita!

Conectei na transmissão francesa da partida e logo começou a juntar gente para assistir. Entre eles, Rodrigo, um chileno que estava no mesmo quarto que eu no albergue e, pelo que soube com ele depois, estavam também vários outros hóspedes, que eu nunca tinha visto. Logo arrumaram uma sala vazia do congresso para assistirmos. Um sujeito da organização tentou até plugar o laptop para transmitir a imagem grande, pelo projetor, mas infelizmente não funcionou. Todos torciam para o Brasil. Quando tirávamos fotos em diferentes câmeras, eis que a Holanda empatou, em uma incomum falha do goleiraço Júlio César. A fotografia que ilustra este Kapitel foi tirada segundos antes (mas a do momento do gol foi a da máquina do Rodrigo!).

A situação piorou com a virada holandesa e degringolou com a estúpida expulsão de Felipe Melo, que pisou um adversário. O Brasil está fora da Copa. Saí frustrado e voltei para o albergue. Comi um pouco de pão com patê (é o que mais tenho comido nos últimos dois dias, pois comprei no Carrefour uma mousse de foi gras e uma mousse de canard au Porto). Depois fui ver a outra partida do dia, pois o Brasil está eliminado mas a Copa do Mundo continua.

Fui ao bar argelino (ver Kapitel LXXXII), onde há uma tevê com a transmissão dos jogos e lá vi o primeiro tempo da excelente partida entre Gana e Uruguai. Enquanto comia um sanduíche da lingüiça árabe merguez e tomava dois copos do típico chá com menta argelino, vi o belo gol ganês e muito equilíbrio entre as duas equipes. No intervalo, até para fugir do calorão que fazia lá dentro (Toulouse já está um forno, imaginem dentro de um minúsculo bar onde há chapas esquentando sanduíches!), resolvi dar uma volta.

Andei em busca do ótimo bar em que eu tinha ido dois dias antes (ver Kapitel anterior), mas nada de achá-lo. Vi, ao longe uma torre de igreja, e resolvi ir até lá. Chegando lá. Pareceu-me uma igreja sem nada de muito especial, mas, prudentemente refleti: não devo fazer pouco caso dela, pois, de repente, ela é antiga para caramba. Não deu outra. A igreja de Minimes é do século XVI! Isto é Europa...

Andei mais, passei por criancinhas árabes com a camisa do Brasil, continuei em busca do bar Musical Ralimera, e o encontrei! Bebendo, mais uma vez, chope Karlsbräu, vi o segundo tempo, o golaço do craque Forlán, a prorrogação, o incrível lance em que Gana quase marcou duas vezes o gol mas os uruguaios salvaram na linha, só que o segundo deles com a mão, o pênalti no último minuto batido pelo ganense no travessão. Aí, na disputa de pênaltis, a fênix celeste acabou com a última esperança africana.

Se o goleiro de Gana tivesse assistido aos jogos do Uruguai, teria mais chances. Arriscou o canto e não defendeu nenhuma cobrança. Só que uruguaios – especialmente os defensores e à exceção de craques como Forlán – têm uma incrível tendência a mandar um canhão bem no meio do gol. É só o goleiro não sair do lugar que suas chances aumentam consideravelmente. Mas ele sempre pulou e Gana está eliminada. Para alegria de meus amigos uruguaios, a celeste olímpica volta a uma semifinal de Copa do Mundo. Pena que contra a Holanda.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Kapitel LXXXVI – Horários Errados, Viajantes Errantes

Ontem, voltei à Universidade de Toulouse 2 – Le Mirail para o congresso. Diferentemente do dia anterior (ver Kapitel anterior), desta vez havia cartazes indicando aonde deveríamos ir. O credenciamento foi confuso, mas foi feito. O mais bizarro é que o material do congresso que nos entregaram tem um monte de papel, com gramatura grossa, informações turísticas mas... não tem os horários das apresentações! Isso é preciso copiar à mão de um mural na parede.

Enquanto eu tentava analisar a que e quando assistir, eis que sou surpreendido pela presença de iuperjianas! Regina e Daniela também vão apresentar trabalho, assim como Maíra, que chegou mais tarde e se encontrou conosco à noite.

Comentamos sobre os horários do congresso e uma triste constatação. Regina terá que fazer sua apresentação no horário do jogo entre Brasil e Holanda. Tanto eu como Daniela faremos nesse mesmo dia ou no dia seguinte, mas ainda não sabemos exatamente, nem qual será a hora. Ou seja, há alguma chance de o mesmo problema acontecer conosco. Atabalhoadamente, já perdi a vitória das oitavas-de-final contra o Chile (ver Kapitel LXXXIV), não posso perder o clássico confronto entre Brasil e Holanda nas quartas! Estou tenso com a possibilidade.

Matei a seção a que, sem muita empolgação, eu iria assistir e fomos eu, Regina e Daniela dar uma volta pela cidade. Elas chegaram no dia anterior e estão hospedadas mais longe, de modo que não conheciam nada de Toulouse ainda. Como eu tinha passeado muito na véspera, fui nomeado guia. Só que, como todos os que leem estes Contos Fantásticos sabem, tenho um catastrófico senso de direção. E um guia sem senso de direção é, necessariamente, um guia fajuto. Mas é melhor um guia fajuto na mão do que dois bons guias voando.

Combinamos de, às nove horas, ir a um coquetel na bela sede da prefeitura, o Capitole, que fazia parte do evento. Eis que, quando nos encaminhá-vamos para lá, a Daniela conferiu o convite e constatou que não era às nove, como pensávamos (e, creio, fui eu o primeiro a dizer que era), mas às dezenove! Ou seja, perdemos a boca-livre! Restou-nos dar mais uma volta e, depois, ir a algum bar.

No caminho, na Place des Tiercerettes, bem pertinho do meu albergue, uma incrível percussão nos chamou a atenção. Oito músicos africanos tocavam animadamente, enquanto a francesada estava em polvorosa, sacudindo o esqueleto.



Depois seguimos em busca de um lugar para comer. Daniela não gosta de carneiro e perdeu o delicioso sanduíche árabe shawarma que eu e Regina devoramos. Em seguida, fomos ao bar Musical Ralimera, não longe dali. Bebemos uns chopes Karlsbräu e falamos sobre viagens, Iuperj, França, nossas vidas... não necessariamente nesta ordem. O garçom, extremamente simpático e atencioso, não só fez várias piadinhas como serviu pão com queijo de cabra de cortesia.

Aliás, simpatia, gentileza e educação parecem ser uma marca do sul da França. Tanto em Toulouse, como em Carcassonne e Bordéus (Bordeaux), fiquei impressionado como todos pedem licença, agradecem, trocam sorrisos com pessoas desconhecidas. Quando se pede alguma informação em Toulouse, o cidadão local vai explicar pacientemente, e se não souber tentará descobrir, e se não estiver muito ocupado vai acompanhá-lo até um local mais próximo onde a indicação ficará mais fácil. Depois de Toulouse, vou a Paris. Não ouço que os parisienses costumam ser assim. Em alguns dias saberei empiricamente se poderei generalizar esses elogios para a França como um todo.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Kapitel LXXXV – Andanças Occitanas

Hoje conheci a Universidade Toulouse 2 Le Mirail, sede do congresso do qual vim para participar. Mas antes fui a um restaurante marroquino perto do albergue, almoçar couscous com carneiro, grão-de-bico e lingüiça merguez. Depois, sim, fui pegar o metrô. Como sairia mais barato, resolvi comprar logo um bilhete com dez viagens de uma vez. Só que, bizarramente, só se pode comprar o bilhete na máquina, e esta só aceita moedas e cartão. Como meu cartão não é de banco francês, precisava de mais de doze euros em moedas. Absurdo! Isso me lembrou a surreal situação dos ônibus de Buenos Aires, onde as pessoas acumulam moedas porque é o único meio para comprar a passagem, e todos os vendedores das lojas se recusam a trocar as notas porque sabem que as moedas são, lá, um artigo de luxo. Pois em Toulouse não é tão diferente. Consegui trocar algumas no Carrefour, mas se recusaram a trocar em três restaurantes, e todas as pessoas a quem perguntei na rua disseram que não tinham.

Sugeriram que eu fosse ao correio, onde bastaria eu colocar a nota numa máquina e ela a trocaria por moedas. Achei aquilo muito estranho, mas eu já estava há mais de quinze minutos tentando conseguir moedas e não custava tentar. Perguntei ao funcionário se havia um jeito de trocar uma nota de cinco por moedas, e ele me respondeu: “Normalmente não, mas excepcionalmente você pode trocar naquela máquina”. E, de fato, a máquina trocou o dinheiro. Como a garçonete havia dado exatamente essa dica, é óbvio que a situação nada tinha de excepcional. Mas eles tentam desencorajar todos os passageiros da cidade a irem lá trocar dinheiro.

O trem do metrô é estranha-mente estreito, e as pessoas ficam muito apertadas, mas o transporte funciona bem. São três linhas, sendo que a A e a B cobrem as áreas mais importantes. As estações têm uma separação transparente entre o trem e o local de espera. Quando o trem chega, abrem-se as portas tanto dele como as dessa separação. Muito interessante é que, a cada estação do metrô, o nome dela é anunciado primeiro em francês e, em seguida, em occitano. Soa meio italiano, e é bem engraçado. Aliás, muitas ruas (não sei se todas) também têm seus nomes escritos nas duas línguas. Há um movimento pela revitalização do occitano, língua da região de Languedoc, e a bandeira usada pelos ativistas occitanos é igual à de Toulouse, capital local.

Cheguei à universidade e foi uma luta descobrir onde, no campus, seria o evento. Na biblioteca me informaram mas, quando cheguei ao local, não havia ninguém. É que a versão do cronograma do congresso que está nos panfletos impressos e a que estava no site são diferentes. E adivinha qual está certa? Não era a do site, em que eu tinha me baseado, é claro! Em vez dos documentários que seriam exibidos às duas da tarde, houve uma discussão sobre a integração intelectual entre Europa e América Latina às 2h30. E nada de falarem sobre o credenciamento ou de fornecerem o material. Dei um tempo e me mandei. Definitivamente, aquela reunião que em nada me interessava, não me privaria de ver os jogos de hoje da Copa. Na manhã desta quarta, volto lá para – espero! – fazer meu credenciamento.

Aproveitei para passear por Toulouse, o que eu ainda não tinha feito. São bem bonitas as áreas do Capitole (onde funciona a prefeitura), do rio La Garone, e a basílica de St-Sernin, que fica próxima ao albergue. Quando vi que o jogo entre Paraguai e Japão tinha começado, entrei em um pub, onde assisti ao primeiro tempo bebendo uma cerveja francesa Kronenbourg. No Kapitel anterior eu contei sobre os estereótipos sobre os franceses que estavam se confirmando; pois eis o de número quatro: o garçom fedia muito!

Depois, para poder conhecer mais da cidade, pus novamente o pé na rua, e fiquei ansioso porque demorei a encontrar um lugar onde eu pudesse ver o segundo tempo. Já se passava metade dele quando encontrei um vazio restaurante de kebab. Sem nenhuma fome, comprei um sorvete e vi até o final do tempo regulamentar. Tive a infeliz ideia de dar mais uma volta antes da prorrogação. Andei muito e não conseguia achar qualquer lugar transmitindo o jogo durante o tempo extra. Quando, enfim, eu encontrei, já estava na disputa de pênaltis. Ali mesmo, na rua, acompanhei, satisfeito, a classificação paraguaia.

Continuei o passeio, comi um baguete com presunto e emental e vi que já estava se aproximando da hora do outro jogo. Encontrei um restaurante próximo do albergue cheio de portugueses, com camisas e bandeiras. Era lá mesmo que eu ia torcer pros lusos contra os espanhóis. Infelizmente, não deu. A seleção portuguesa jogou bem, esteve melhor em grande parte da partida, mas justamente quando era pressionada a Espanha fez um gol. Isso desestabilizou os portugueses, que pioraram bastante, e tudo degringolou quando o árbitro caiu na simulação de falta dos espanhóis e expulsou injustamente um jogador de Portugal. Voltei resmungando, xingando a mãe do árbitro. Mas nem toda a ajuda do mundo será suficiente quando (se) a Espanha tiver pela frente o Brasil, a Alemanha ou a Argentina.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Kapitel LXXXIV – Um Conto Bordelense

Apesar de a viagem de Toulouse para Bordeaux (Bordéus, segundo os portugueses) durar mais de duas horas, aproveitei meu segundo dia livre em Toulouse para conhecer a cidade. Acordei cedo e comi um croissant de café da manhã (aqui, os croissants, em geral, são com chocolate ou apenas amanteigados; não têm recheio, mas a massa é tão boa que não faz falta). Peguei o trem das 9h20 (cheguei em cima da hora!), com a intenção de voltar no último trem do dia, às 20h31.

Andei bastante por Bordéus (cidades com nomes bizarros em português, como Bordéus/Bordeaux e Mogúncia/Mainz – sobre esta, ver Kapitel XLIII – sempre me deixam na dúvida de como chamá-las). É uma bela cidade, com seu conjunto de maravilhas arquitetônicas consideradas pela Unesco como patrimônio mundial. Várias suntuosas edificações dos séculos XVIII e XIX, e outras tantas começadas bem antes a ser erigidas, dão um ar imponente. Impossível não destacar o belíssimo chafariz Monumento aos Girondinos, na Praça dos Quinconces.


Vias extremamente largas, em que não está clara a divisão do que é rua e o que é calçada, são um diferencial. Mas há também algumas ruelas bem estreitas, com velhos prédios algo enegrecidos pelo tempo. Como Bordeaux foi uma próspera cidade “galor-romana”, também vi ruínas do século III. Debaixo da Igreja de Saint-Serin, há um sítio arqueológico.

Mais impres-sionante do que ele, no entanto, é o Palais Gallien, uma antiga arena para gladiadores que teve capacidade para vinte mil espectadores (pouco menos do que metade do Coliseu romano). Apesar de a Revolução Francesa ter tomado a insensível decisão de demolir o local, por não ter “utilidade”, para construir em seu lugar um quarteirão moderno, o que sobreviveu está consideravelmente preservado.

Faço um breve interregno para comentar como, um a um, os estereótipos sobre os franceses vão se confirmando. Primeiro, foi o atraso do trem para Carcassonne (ver o Kapitel anterior). Depois, é a incapacidade da maioria dos franceses de pronunciar de modo aceitável nomes em outros idiomas. Na véspera, na transmissão da partida entre a Alemanha e a Inglaterra, tive o melhor exemplo disso: é difícil alguém ter um nome mais alemão do que Schweinsteiger. Florian me disse uma vez que, ao pé-da-letra, em tradução livre, o significado seria “escalador de porcos”. Bizarramente alemão! Pois a pronúncia correta é, mais ou menos, “chvainchtaiga”, só que o locutor francês, obviamente, dizia “chvenchteguér”.

Escrevo sobre os estereótipos porque nesta viagem a Bordeaux foi a vez de o terceiro se confirmar. Fui almoçar e pedi foi gras (precisava provar o legítimo francês!) e o vinho que o garçom indicou para acompanhar, Monbuzillac. Oito euros pelo prato e quatro pela taça não eram nenhuma pechincha, mas achei que devia experimentar. Eis que, quando o garçom trouxe o pedido, o prato vinha quase vazio, apenas com enfeites! Precisei avançar no pão. Até a taça de vinho me parecia mais incompleta do que o normal. Era o estereótipo da comida francesa.

Voltando à viagem como um todo: não consegui ver tudo da cidade, até porque alguns supostos pontos de interesse turístico não são conhecidos por ninguém perto de sua suposta localização. Mas vi muito coisa, principalmente se for considerado que só tive um dia para passear lá. Consegui ainda ver boa parte do segundo tempo da vitória holandesa sobre a Eslováquia. No bar, um restaurante indiano praticamente vazio, pedi um sorvete de café. Não estava nenhuma delícia, mas, além de o lugar ter uma televisão passando os jogos da Copa, o sorvete ali estava muito mais em conta (1,50 €) do que os de 2,50 € ou 5 euros que vi pela cidade. Na Alemanha, o preço da bola de sorvete é uma boa medida para se saber se uma cidade é careira (ver Kapitel XLVII). Só que em Toulouse, Bordeaux ou Carcassonne, os preços são proibitivos. Quase sempre mais que o dobro ou que o triplo dos 80 cêntimos de Frankfurt.

Depois, ainda fui ver mais alguma coisa antes de voltar para a estação de trem. Fui ao bairro de St. Michel, onde há uma igreja importante. O interessante é que, apesar da origem obviamente católica, o bairro tem um enorme número de árabes e turcos, o que é facilmente perceptível nas caras, nas lojas, nas roupas.

No ponto do bonde, perguntei a um senhor negro, com dois filhos, de qual dos lados da rua eu deveria pegar o transporte no sentido da estação de trem. Ele explicou que era onde eles estavam. Um dos meninos, curioso, perguntou aonde eu ia. Comecei, então, dentro do possível, a conversar em francês com o garoto. Respondi que ia a Toulouse, e ele perguntou se eu morava lá. Eu disse que não, que morava em Frankfurt, na Alemanha. Nesse momento, ele encheu a boca para dizer que morava em Bordeaux. Se entendi bem, desmereceu Toulouse, afirmando que Bordéus é muito maior.

Aí, perguntei se ele conhecia Toulouse e se não gostava da cidade. Ele respondeu que conhecia e que gostava sim, e em seguida disse qualquer coisa sobre Marrakesh. Perguntei, então, se ele era marroquino. Percebi uma demora na resposta, como se ele tivesse vergonha ou receio de dizer que não era francês, mas do Marrocos. Contei para ele, então, que tenho um tio marroquino, marido da irmã do meu pai. Fez bem para mim ver o enorme sorriso que o menino abriu ao ouvir a inesperada informação.

Tudo teria sido ótimo na viagem se não fosse por um detalhe: pela primeira vez em muitas copas do mundo, perdi o jogo do Brasil! Estupidamente, achei que a partida desta noite seria entre Paraguai e Japão e não conferi a maldita tabela. Enquanto o Brasil despachava o Chile, eu me angustiava no trem de Bordeaux para Toulouse, sem ter acesso a qualquer informação sobre o jogo. Já caminhando de volta para o albergue, foi só ver o primeiro bar no caminho que tinha transmitido a partida para atravessar a rua e perguntar para o atendente sobre o placar. A resposta “trois-zero” soou como música para meus ouvidos. Eu podia, então, voltar em paz, tranqüilo e satisfeito.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Kapitel LXXXIII – Em Algum Lugar do Passado

Este domingo foi, podemos dizer, um dia “retrô”. Conheci uma cidade medieval próxima a Toulouse, Carcassonne. Muralhas, castelo, ruelas... eu gosto disso. No caminho para a rodoviária, passei em uma doceria turca e comprei um bolinho chamado istamboulya e um outro docinho comprido, o cigare estilo turco. Este foi o meu café da manhã.

Comprei meu bilhete e aguardava o trem que iria às 12h40 para Montpellier, passando por Carcassonne e outras tantas cidades pelo caminho. Conheci bem como são os trens na França... Primeiro, foi avisado pelos alto-falantes que haveria um atraso de dez minutos. Pouco mais de dez minutos depois, foi dito que o trem estava cancelado! Ouvi rumores de que era greve – claro, estou na França! – mas não sei se isso era verdade.

Lá fui eu me unir a um monte de gente para reclamar e saber o que seria feito. A funcionária dava informações parciais, que não esclareciam nem a metade dos passageiros, que iam para destinos diferentes. Quando as pessoas, apreensivas, perguntavam, ela respondia com tom histérico: “Attend!” A impressão que dava era a de que não havia nada de errado em cancelarem subitamente um trem e que nós, passageiros, éramos uns arruaceiros que queríamos perturbar a vida dela.

Por fim, passageiros que iam a Carcassonne ou a outras várias cidadezinhas deveriam pegar o trem das 13h17 para Nice. Eu me dirigi até lá e, quando o trem chegou, logo fui perguntar para o maquinista... e ele me respondeu que não iria a Carcassonne, que sentia muito (estava “désolé”). Ou seja, nem ele sabia de nada! Acabou que o trem foi, sim, a Carcassonne.

É interessante que além dessa identidade medieval (que Toledo, na Espanha, também tem bastante forte), Carcassone também enfatiza a identidade occitana. Além de várias bandeiras dessa nação sem Estado, vi propaganda do partido occitano, engajado em conseguir mais autonomia para a região. Anúncios oficiais falam em “país cátaro”.

Dei a volta na cidade, vi o interior do castelo e, enfim, fui almoçar. Em uma praça onde se concentravam vários restaurantes, examinei menu a menu até achar o mais interessante. Sopa de cebola de entrada, cassoulet (a “feijoada” francesa, com feijão branco, frango e lingüiça, num estilo mais “sopa” que o prato brasileiro) e, de sobremesa, uma espécie de pudim de pão. E ainda pedi uma garrafinha de vinho da casa (na metade, achei que devia ter pedido só uma taça).

Quando acabava meu almoço, ouvi um grito de gol. Assim que paguei a conta, fui rapidamente ao bar de onde vinham os sons, que transmitia a partida. Entrei, pedi um café, e só saí quando o árbitro apitou o final. Minha volta ao passado não se resumiu à ida a uma cidade medieval. Fiquei perplexo com o gol da Inglaterra mal anulado pelo árbitro. Simplesmente, foi quase idêntico ao primeiro gol inglês na prorrogação da final da Copa do Mundo de 1966. A bola bateu no travessão, caiu perto da linha e saiu.

Como se isso não fosse o suficiente, o jogo era justamente contra a Alemanha jogando de branco, com a Inglaterra de vermelho! É impossível que não existam deuses do futebol. Se não, como seria possível que houvesse o remake do gol inglês da Copa de 66? As diferenças foram que, desta vez, a bola caiu dentro com certeza absoluta, e que apenas em 1966 o gol foi validado. Daquela vez, os anfitriões venceram na prorrogação e foram campeões. Esta copa, no entanto, não acontece na Inglaterra, e o juiz não deu o gol, apesar de legítimo.

A Alemanha ainda ampliaria e terminaria goleando o time da rainha. A vitória teutônica foi justa, o placar de 4 a 1 não. Foi muito exagerado. Os ingleses, que voltam para casa, poderiam ter feito pelo menos outros dois gols. Um senhor me perguntou se quem perdesse estaria fora. Respondi positivamente e ele contou que era catalão. Revelei que torceria por Portugal contra os espanhóis, já me desculpando por isso. Ele, então, respondeu que era catalão e que, portanto, queria que a Espanha se ferrasse, e também torceria por Portugal. Os regionalismos europeus são algo muito engraçado.

Andei mais um pouco pela cidade e voltei para a rodoviária. A bilheteria estava fechada e só era possível comprar o bilhete na máquina. Só que a máquina aceitava apenas pagamento em cartão ou moedas. Situação complicada para quem precisava pagar 14 euros e acredita que a bolsa ainda não foi depositada no banco. Tentei dar o dinheiro para uma senhora para que ela pagasse no cartão dela para mim, tentei trocar uma nota de vinte por moedas numa loja, mas não consegui nada. Fui instruído a falar com a controladora da viagem e comprar diretamente com ela o bilhete. Falei com ela, que me respondeu que lá dentro do trem ela me venderia. Ela passou direto por mim duas vezes e não parou nem cobrou minha passagem. Acabei viajando de graça. Não consegui pagar. Fazer o quê?

Cheguei já pensando no outro jogo. Voltando da rodoviária de Toulouse para a área do albergue, vi pela janela de um bar o gol irregular da Argentina contra o México, feito em impedimento não marcado. Depois, entrei em um pub já no centro histórico, que é onde estou hospedado, para ver o restante do jogo. Bebi cervejas britânicas que eu não conhecia: a “ruiva” Directors e a pilsen John Bull. Linda bomba de Tevez colocou os argentinos com 3 a 0. O gol de honra mexicano não impediu a eliminação. Agora, Argentina e Alemanha farão nas quartas-de-final um jogaço que promete. Só resta saber a que lugar do passado essa partida vai remeter: à final da copa de 86 no México ou à final da copa de 90 na Itália.

domingo, 27 de junho de 2010

Kapitel LXXXII – Os Três Desejos

Está uma noite bem quente em Toulouse. Quando o avião se aproximava, perto das nove horas, o comandante disse que fazia trinta graus. E há também uma bela lua cheia. Não sei se tão bela quanto a moça que veio do meu lado no avião (mais interessada na revista de fofoca que estava lendo do que em conversar comigo...), mas definitivamente uma bela lua.

Do aeroporto, peguei um ônibus a cinco euros que me deixou perto do albergue. Mas encontrar a rua exata não foi nada fácil. É uma ruela pequena e estreita, aliás, como várias neste centro antigo. Mas, tanto quanto as ostensivas e persistentes ofertas dos vendedores de maconha no meio da rua, chamou-me a atenção a prestatividade das pessoas aqui.

Vi duas mulheres – uma delas mais velha, podiam ser mãe e filha – e perguntei a elas sobre a rua. Não sabiam, mas foram comigo até um mapa público. Como não aparecia a referência da tal rua, perguntaram no restaurante. Como ninguém sabia, aconselharam-me a ir até o Domino’s Pizza – e me mostraram onde ficava, é claro – e perguntar lá. Para completar, ainda elogiaram o meu francês. E ele é péssimo! Acontece que os franceses não estão acostumados a encontrar estrangeiros que se esforçam para falar em francês, de modo que, acredito, houve um misto de boa vontade com falta de base para comparação.

Peguei a indicação na pizzaria mas ela não adiantou muito. Logo, eu já estava perdido de novo. Aí, perguntei para dois sujeitos sentados em uma esquina – pareciam árabes. Como eles não sabiam, um deles entrou na loja, fez a pesquisa no computador e me explicou. Com toda essa boa vontade, nem alguém tão perdido quanto eu é capaz de não encontrar o albergue.

Já instalado, saí para comer alguma coisa. Estava roxo de fome. Um saquinho de biscoito e um sanduíche não estavam se mostrando suficientes para minha necessidade diária de calorias. Dei uma volta nos arredores e vi que estava terminando o jogo de Gana com os Estados Unidos. Não consegui assistir nada da Copa hoje, neste dia de viagens. Quando estava no aeroporto em Paris, vi uma camisa uruguaia em uma televisão. Depois, vi que Gana vencia os estadunidenses por 1 a 0. Quando cheguei a Toulouse, vi que o jogo estava empatado. Quando saí para jantar, Gana vencia por um gol na prorrogação, e eu assisti pela tevê ao apito final.

Mas a fome persistia, e eu segui na busca por um restaurante. Não faltam opções, inclusive muitos restaurantes indianos, marroquinhos, bares... Mas achei tudo caro. Faltam aquelas opções baratinhas para dar aquela saciada no final da noite, sabe? Todos os lugares não vendiam nada abaixo de dez euros. Acabei voltando para a única exceção: justamente o lugar onde tinha passado o jogo de Gana.

Era um restaurante argelino meio estilo fast food. Pedi um sanduíche de uma espécie de kafta (kefta, na grafia deles) na baguete. Aproveitei para provar também uma massinha empanada, cujo nome perguntei três vezes, mas não entendi direito (sfinx, stinfz, ou qualquer coisa por aí) e ninguém lá sabia me explicar como se escreve. Veio junto, de cortesia, um chazinho com folha de menta dentro. Soube que é a bebida mais tradicional da Argélia, e costuma ser servida para os convidados. Achei simpático o gesto. E o chá era bonzinho. O copo de metal me queimou a mão e não acho que seja a melhor forma de servir um chá quente, mas a bebida vera boa.

Dos três desejos, dois foram satisfeitos: albergue encontrado e fome saciada. Toulouse está quente, tem árabes à beça, mas não tem nenhum gênio da lâmpada. E se tem, ele não estava no voo da EasyJet de Paris para cá para atender ao meu primeiro pedido.

sábado, 26 de junho de 2010

Kapitel LXXXI – Pelos Ares

Oui, je suis em France. A saída de Frankfurt não foi tranqüila, mas, felizmente, saí de casa com antecedência. Para começar, peguei o trem na estação Hauptwache para o sentido errado. Estava desconfiado de que tinha me distraído e, por isso, deixado passar o ponto do aeroporto. Quando vi que eu já estava em outra cidade, Offenbach (sobre ela, ver Kapitel XII), achei melhor perguntar ao senhor que, ali perto, lia seu jornal. A situação era ainda pior: eu tinha que ir na direção oposta. E lá fui eu voltar todo o caminho que tinha feito e ainda passar por mais algumas estações, até chegar ao aeroporto.

O aeroporto, por sinal, é tão grande quanto mal sinalizado. Fui e voltei umas tantas vezes até conseguir entender que o terminal 2 ficava longe para caramba. Tinha que pegar um trenzinho. As pessoas obviamente se aglomeravam na porta do tal trenzinho e tive meio que forçar a entrada, para não ficar de fora quando a porta fechou, quase em cima de mim. E lá se foi mais um tempo considerável até encontrar onde ficava o guichê da Air France.

Na hora de passar com a bagagem de mão, o detector de metais apitou. O cara responsável pela revista era de uma truculência bizarra. Ele me puxou pelo braço, falou grosseira-mente, apertou minha bunda, fez com que eu tirasse o sapato, não me respondeu quando tentei fazer uma pergunta, só falou me patolar enquanto me revistava. Lamentável. No voo foi tudo bem, mas eu esperava ter alguma coisa com mais sustância para comer. Eu não havia comido nada no café-da-manhã e o voo era às 12h40. Apesar de ser hora do almoço, a Air France serviu apenas um minúsculo saquinho de biscoitinhos de queijo. Pelo menos bebi vinho tinto! Com o estômago vazio...

No aeroporto Charles de Gaulle, o funcionário do balcão de informações acabou com qualquer esperança minha de usar minhas três horas de ócio até a partida para Toulouse para conhecer alguma coisa de Paris. Disse que são quarenta e cinco minutos para ir do banlieu (acho que de Saint-Denis) até a cidade. Eu tinha perguntado se havia alguma coisa perto fora do aeroporto. Ele respondeu que há aqui perto um lugar onde se pode fazer compras (e nada mais nos próximos quilômetros). Não era exatamente o que eu pretendia.

Restou-me matar a fome comprando um dos caros sanduichinhos de baguete aqui do aeroporto. Cinco euros por um Rustique Mixte. Pão, presunto, queijo emental, e uma carteira mais vazia. E tudo isso com o pesado mochilão à tiracolo, pois o funcionário da EasyJet, companhia de aviação do meu voo doméstico, disse que só é permitido despachar a bagagem a partir de duas horas antes da partida.

No momento, então, aproveito os dez minutos que tenho de conexão gratuita à internet aqui no aeroporto para atualizar estes Contos Fantásticos. Nos vemos mais tarde em Toulouse!

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Kapitel LXXX – Era uma vez no West

Hoje, depois da aula, fui ao campus de Westend assistir ao último jogo do Brasil na primeira fase. Como eu esperava, o confronto com Portugal foi um jogo morno, já que às duas equipes o empate interessava. O zero a zero não empolgou, mas, analisando pragmaticamente, foi bom.

Assistiram ao jogo comigo Bertram e um pessoal da aula de política brasileira. Lara, aquela que fala português muito bem, estava com blusa com a bandeira brasileira e calçava sandálias verdes também com a bandeirinha. Tinha ainda um colar de havaiana verde, amarelo e azul, mas, como eu não estava com a camisa da seleção, ela o emprestou para que eu ficasse “mais brasileiro”. Estavam lá também Xenia, a argentina da turma; a aprendiz de português Lucia; e Nikolai, o amigo inseparável dela que é filho de sérvio. Depois ainda chegou uma pernambucana amiga de Xenia, que não apenas estava toda paramentada como também carregava bandeira, pandeiro e tudo o mais que tinha direito.

Hoje ainda volto ao campus para “secar” a Espanha contra o Chile. Amanhã viajo para a França e só retorno à Alemanha já no meio das semifinais. Fará falta ouvir sempre aqueles mesmo anúncios no meio das transmissões: “Presentiert bei Bauhaus. Und... Bitburger.” Marcelo, companheiro brasileiro do curso de alemão, reclama que falta emoção aos locutores germânicos, e diz que sente falta do Galvão Bueno. Definitivamente, não sinto falta nenhuma dele. E não acho que sejam apáticos os locutores daqui; só não são afetados como o lamentável narrador da Globo.

Outra coisa boa é que ouço várias palavras na narração que parecem português. Bertram disse outro dia que ouviu que quinze por cento do vocabulário alemão vêm do latim. Eu suspeito que doze por cento são termos usados nas transmissões de futebol: neutralisieren, attackieren, presentieren, controlieren, disziplinieren, Aggressivität... Faz até o alemão não parecer tão dificílimo...

domingo, 20 de junho de 2010

Kapitel LXXV – Palavras Fujonas

Viajo para a França no próximo sábado, dia 26, onde participarei de um congresso (ver Kapitel XXV). Como eu tinha enviado um e-mail para o albergue em Toulouse no dia quinze e, até sábado passado, dia 9, não havia obtido resposta alguma, resolvi telefonar via Skype. E lá fui eu tentar desenferrujar meu precário francês. Foi sofrível, mas consegui me comunicar.

O bizarro é que misturei palavras em alemão no meio. Sabia que não eram em francês, mas eu não conseguia controlar: elas simplesmente saíam da minha boca. Era um “ja” para lá, um “gut” para cá... É complicada esta situação, estou misturando tudo. Um poliglota é aquele que sabe falar várias línguas. Eu sou um pré-poliglota: ao longo dos anos fui acrescentando ao meu repertório idiomas que não sei falar bem.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Kapitel XXV – O Limão Quente e os Franceses

Tenho um artigo para terminar, para um congresso sobre a América Latina que acontecerá em Toulouse. Acredito que sejam três coisas aquelas que, em nosso imaginário, mais caracterizam os franceses: a baguete (transportada debaixo do sovaco), o perfume (às vezes usado para disfarçar certa falta de banho) e a irritação com os ingleses. Pois esta última se manifesta de modo muito curioso nesse congresso.

Para começar, há três idiomas em que os textos podem ser escritos: francês, espanhol e português. Não se pode escrever em inglês! Não é incrível? Em um congresso internacional! Como se não bastasse, ainda recebi um e-mail com as instruções sobre o formato que devem ter os artigos, que diz explicitamente: “as referências são feitas em notas de rodapé e não no formato anglo-saxão (ou seja, entre parênteses)”. Não acho prático colocar tudo em notas de rodapé, mas eles não aceitam o modelo vigente na maior parte do mundo da ciência política, simplesmente porque este formato mais moderno foi inaugurado nas publicações de língua inglesa.

O e-mail tinha, no entanto, um lembrete muito pior do que o aviso sobre como deveríamos nos referir aos autores citados: o prazo para entrega é o dia 15 de abril! Sim, contando com hoje, só tenho três dias para terminar o texto. Por isso passei todo o fim-de-semana em casa, trabalhando. Pelo mesmo motivo, hoje não fui à universidade.

Saí de casa apenas para almoçar, e aproveitei para comprar água, na mesma loja em que quase sempre compro bebidas. Aliás, não é verdade, como eu disse no Kapitel VII, que aqui na Alemanha toda água engarrafada é com gás; já bebi algumas sem (aliás, infelizmente, pois prefiro a gasosa). Hoje, o vendedor percebeu que meu alemão era mais do que capenga e perguntou: “América?”. Eu respondi que era brasileiro, e ele teve a mesma reação que têm todas as pessoas quando informo minha nacionalidade: abrem um sorriso e dizem, com um ar afetuoso: “Ah... é do Brasil...”. Ele, por sua vez, contou que era da Armênia. Agora, já sei que compro comida com os turcos (ver Kapitel XIX) e bebida com os armênios. Frankfurt é mesmo uma cidade cosmopolita (ver Kapitel I).

Antes de comprar a água, no entanto, fui almoçar. Afinal, não havia por que ficar carregando uma garrafa para lá e para cá. Acabei indo no Cosi Cosi, o mesmo restaurante italiano e pizzaria mencionado nos Kapitel XVIII e XXIII. Das outras vezes, quem me atendeu foi um garçom com uma voz roupa, típica dos filmes de mafiosos. Hoje não, foi outro garçom, que logo, devido à minha quase mudez, ofereceu um cardápio em inglês. Recusei, é claro! Afinal, estou tentando entender os nomes em alemão. Se bem que, como eu pedi um tagliatelle ao gorgonzola, o cardápio poderia estar até em esloveno que não faria qualquer diferença.

Para beber, pedi uma limonada, orgulhoso por ter entendido do que se tratava ao ler o cardápio. Qual não foi minha surpresa quando ela chegou... quente! Com direito a biscoitinho e tudo, como se eu tivesse pedido um café! Sou obrigado, então, a homenagear os franceses de quem falei no começo deste Kapitel, voltando a parafrasear Asterix às avessas: são loucos esses germanos...