Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


segunda-feira, 28 de junho de 2010

Kapitel LXXXIII – Em Algum Lugar do Passado

Este domingo foi, podemos dizer, um dia “retrô”. Conheci uma cidade medieval próxima a Toulouse, Carcassonne. Muralhas, castelo, ruelas... eu gosto disso. No caminho para a rodoviária, passei em uma doceria turca e comprei um bolinho chamado istamboulya e um outro docinho comprido, o cigare estilo turco. Este foi o meu café da manhã.

Comprei meu bilhete e aguardava o trem que iria às 12h40 para Montpellier, passando por Carcassonne e outras tantas cidades pelo caminho. Conheci bem como são os trens na França... Primeiro, foi avisado pelos alto-falantes que haveria um atraso de dez minutos. Pouco mais de dez minutos depois, foi dito que o trem estava cancelado! Ouvi rumores de que era greve – claro, estou na França! – mas não sei se isso era verdade.

Lá fui eu me unir a um monte de gente para reclamar e saber o que seria feito. A funcionária dava informações parciais, que não esclareciam nem a metade dos passageiros, que iam para destinos diferentes. Quando as pessoas, apreensivas, perguntavam, ela respondia com tom histérico: “Attend!” A impressão que dava era a de que não havia nada de errado em cancelarem subitamente um trem e que nós, passageiros, éramos uns arruaceiros que queríamos perturbar a vida dela.

Por fim, passageiros que iam a Carcassonne ou a outras várias cidadezinhas deveriam pegar o trem das 13h17 para Nice. Eu me dirigi até lá e, quando o trem chegou, logo fui perguntar para o maquinista... e ele me respondeu que não iria a Carcassonne, que sentia muito (estava “désolé”). Ou seja, nem ele sabia de nada! Acabou que o trem foi, sim, a Carcassonne.

É interessante que além dessa identidade medieval (que Toledo, na Espanha, também tem bastante forte), Carcassone também enfatiza a identidade occitana. Além de várias bandeiras dessa nação sem Estado, vi propaganda do partido occitano, engajado em conseguir mais autonomia para a região. Anúncios oficiais falam em “país cátaro”.

Dei a volta na cidade, vi o interior do castelo e, enfim, fui almoçar. Em uma praça onde se concentravam vários restaurantes, examinei menu a menu até achar o mais interessante. Sopa de cebola de entrada, cassoulet (a “feijoada” francesa, com feijão branco, frango e lingüiça, num estilo mais “sopa” que o prato brasileiro) e, de sobremesa, uma espécie de pudim de pão. E ainda pedi uma garrafinha de vinho da casa (na metade, achei que devia ter pedido só uma taça).

Quando acabava meu almoço, ouvi um grito de gol. Assim que paguei a conta, fui rapidamente ao bar de onde vinham os sons, que transmitia a partida. Entrei, pedi um café, e só saí quando o árbitro apitou o final. Minha volta ao passado não se resumiu à ida a uma cidade medieval. Fiquei perplexo com o gol da Inglaterra mal anulado pelo árbitro. Simplesmente, foi quase idêntico ao primeiro gol inglês na prorrogação da final da Copa do Mundo de 1966. A bola bateu no travessão, caiu perto da linha e saiu.

Como se isso não fosse o suficiente, o jogo era justamente contra a Alemanha jogando de branco, com a Inglaterra de vermelho! É impossível que não existam deuses do futebol. Se não, como seria possível que houvesse o remake do gol inglês da Copa de 66? As diferenças foram que, desta vez, a bola caiu dentro com certeza absoluta, e que apenas em 1966 o gol foi validado. Daquela vez, os anfitriões venceram na prorrogação e foram campeões. Esta copa, no entanto, não acontece na Inglaterra, e o juiz não deu o gol, apesar de legítimo.

A Alemanha ainda ampliaria e terminaria goleando o time da rainha. A vitória teutônica foi justa, o placar de 4 a 1 não. Foi muito exagerado. Os ingleses, que voltam para casa, poderiam ter feito pelo menos outros dois gols. Um senhor me perguntou se quem perdesse estaria fora. Respondi positivamente e ele contou que era catalão. Revelei que torceria por Portugal contra os espanhóis, já me desculpando por isso. Ele, então, respondeu que era catalão e que, portanto, queria que a Espanha se ferrasse, e também torceria por Portugal. Os regionalismos europeus são algo muito engraçado.

Andei mais um pouco pela cidade e voltei para a rodoviária. A bilheteria estava fechada e só era possível comprar o bilhete na máquina. Só que a máquina aceitava apenas pagamento em cartão ou moedas. Situação complicada para quem precisava pagar 14 euros e acredita que a bolsa ainda não foi depositada no banco. Tentei dar o dinheiro para uma senhora para que ela pagasse no cartão dela para mim, tentei trocar uma nota de vinte por moedas numa loja, mas não consegui nada. Fui instruído a falar com a controladora da viagem e comprar diretamente com ela o bilhete. Falei com ela, que me respondeu que lá dentro do trem ela me venderia. Ela passou direto por mim duas vezes e não parou nem cobrou minha passagem. Acabei viajando de graça. Não consegui pagar. Fazer o quê?

Cheguei já pensando no outro jogo. Voltando da rodoviária de Toulouse para a área do albergue, vi pela janela de um bar o gol irregular da Argentina contra o México, feito em impedimento não marcado. Depois, entrei em um pub já no centro histórico, que é onde estou hospedado, para ver o restante do jogo. Bebi cervejas britânicas que eu não conhecia: a “ruiva” Directors e a pilsen John Bull. Linda bomba de Tevez colocou os argentinos com 3 a 0. O gol de honra mexicano não impediu a eliminação. Agora, Argentina e Alemanha farão nas quartas-de-final um jogaço que promete. Só resta saber a que lugar do passado essa partida vai remeter: à final da copa de 86 no México ou à final da copa de 90 na Itália.

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