Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


domingo, 18 de julho de 2010

Kapitel XCV – Antes de Partir

A última sexta-feira foi um dia de encerramentos. Primeiro, pela manhã, após faltar, por diferentes razões, as últimas cinco ou seis aulas de alemão, fui ao campus de Westend para assistir à última. A aula foi curta e, ainda assim, entendi tanto quanto na maioria das aulas anteriores: ou seja, não entendi nada! O professor distribuiu certificados; os alunos os pegavam em branco, preenchiam seus nomes e os davam para que ele assinasse. Eu não quis o meu. Não preciso de nenhum comprovante de proficiência em alemão, sigo longe de tê-la, não aprendi basicamente nada no curso e ainda faltei à beça no final.

Depois da aula, estudei um pouco e almocei com João Guilherme, o italiano Jan e outros amigos deles. Os dois me chamaram para um piquenique que ocorreria no Grüneburg-park, à noite. Segundo João, seria mais um “Trinknik”, pois beberíamos (“trinken”) muito mais do que comeríamos.

Tomei um café com o pessoal – pelo menos o que sobrou depois que deixei um bocado do meu cair no chão – e segui para o outro campus, o de Bockenheim. Seria a última aula do curso Politik und Gesellschaft in Brasilien, em que fui assistente do Jens. Não sei se por estar cansado, mas, apesar da afinidade com o tema, entendi ainda menos do que de costume o que todo mundo dizia. O resultado foi que entrei mudo e saí calado dessa última aula de política brasileira. No balanço do final do curso, um dos alunos chegou a comentar que achou muito bom haver um brasileiro ajudando na aula, e todos os alunos demonstraram concordar com ele. Isso é legal, mas sei que certamente eu teria sido muito mais útil e ajudado bem mais se compreendesse tudo o que foi dito na aula ao longo do semestre. Mas tudo bem, nada é perfeito, fiz o melhor que pude.

Depois da aula, Jens convidou a todos para irmos ao bar Albatros para bebermos alguma coisa e conversarmos. Foi ótimo, uma parte considerável da turma compareceu, inclusive alguns alunos com quem não tive contato – os sempre presentes Lara, Xenia, Lucia, Nikolai e Maryhen também foram, é claro. E, como descobriram recentemente a existência destes Contos Fantásticos, devem estar comentando o fato de seus nomes terem sido mais uma vez mencionados.

Voltei para casa, tomei um banho e, obviamente, eu me atrasei. Havia marcado de me encontrar com João Guilherme às 8h20 na estação de metrô da Hauptwache para, de lá, irmos nos encontrar com os demais em Bockenheim – exatamente o bairro onde eu havia estado uma hora mais cedo! Eram umas 8h15 e eu ainda estava em casa. Telefonei avisando que não chegaria a tempo; ele disse que esperaria e brincou que estava com saudade da pontualidade brasileira.

Nós nos juntamos ao Jan e, depois, aos demais. Os planos foram mudando. Ninguém foi a parque algum, acabamos todos ficando mesmo no pátio do alojamento universitário. Também não era propriamente o que eu chamaria de piquenique. Era o que, no termo técnico utilizado no Brasil, denominaríamos “farofada”. Além de muita cerveja, o povo chegava com vasilhas cheias de comida, com uma misturança danada.

Esta foi, possivelmente, a maior aglomeração de pessoas que se conheciam que eu vi desde que cheguei na Alemanha. Estavam lá todos os milhões de italianos do curso de alemão, além de pessoas das mais variadas partes, como Hungria, Polônia, França, Coreia do Sul... O motivo da reunião era a despedida de um dos italianos, Paolo, que voltaria no sábado para seu país. Até o hino da Itália o pessoal cantou!

O plano era, depois, irem a uma boate, CafeKoz. Desde o início decidi que eu não iria, pois viajaria para Berlim no sábado de manhã. Na verdade, só saí naquela noite porque imaginei que seria algo leve e que acabaria cedo. Só que saí bem tarde, fiquei lá até uma e meia. Fui embora preocupado se ainda haveria metrô funcionando. Não havia. Desde que comecei a comprar os bilhetes mensais de transporte público, fiquei mais preguiçoso e faço muito menos coisas a pé, sempre pegando o metrô. Fazia tempo, portanto, que não trilhava a pé o percurso de Bockenheim até Dornbush, onde moro. Coube-me fazê-lo de madrugada. Por sorte Frankfurt é uma cidade muito segura e, apesar de minha lendária desorientação, consegui me lembrar de várias referências e achei o caminho até minha casa.

Não sei por que, quando tenho uma viagem, tendo a, em vez de descansar na véspera, dormir pouco. O resultado é que faço várias coisas nas viagens já com o corpo cansado e, como não quero perder tempo descansando quando estou fora, na volta eu estou sempre completamente estragado. Fui dormir a umas duas e meia e acordei às sete. Mas isso não importa; finalmente vou conhecer Berlim. Meu amigo Florian tem casa na cidade e me ofereceu para ficar lá.

Florian fez ainda mais: como aqui há um sistema institucionalizado de caronas – Mitfahrgelgenheit –, que sai muito mais barato do que viajar de trem ou avião, ele marcou uma para mim. Sairia a 25 euros apenas, para uma viagem de quatro horas. Nada mal. Mas conheci um possível efeito colateral do Mitfahrgelgenheit: as caronas têm muito mais chance de furar do que os trens. E foi o que aconteceu. Quarenta e cinco minutos antes da hora marcada – 8h30 na estação central de trem – o sujeito me mandou um torpedo desculpando-se que não poderia ir a Berlim. Minhas opções seriam, portanto, tentar marcar outra carona e, portanto, perder pelo menos um dia, ou ir de trem. Fui de trem. A diferença? A passagem me custou absurdos 113 euros! Quase noventa a mais do que sairia a carona... Vejamos se, na volta, o motorista não vai dar para trás e conseguirei economizar na passagem.

No trem, eu escrevia este “conto fantástico” que vocês estão lendo e um garoto, que estava sentado ao meu lado, perguntou se o idioma era espanhol. Expliquei que era português, e que eu era brasileiro, e isso foi suficiente para seguirmos a viagem conversando até Berlim. Era um garoto novo, ainda a quatro anos de terminar o colégio, que quer ser cirurgião e estudar medicina, mas, no momento, parece estar mais interessado em música e em jogos de computador. Mas foi muito interessante porque conversamos muito mais em alemão do que em inglês, e ele pacientemente falava devagar, repetia quando eu não entendia e traduzia as palavras que véu não conhecia. Meu alemão continua fraco, mas talvez estejam ocorrendo progressos. Quem sabe também falarei em alemão na carona de volta para Frankfurt, não é?

Nenhum comentário:

Postar um comentário