Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


quinta-feira, 15 de julho de 2010

Kapitel XCIV – A Bolsa e os Espiões

Hoje, um estrangeiro sem dinheiro foi abordado pela polícia na Alemanha. Não, não estou falando de nenhum imigrante ilegal ou criminoso. Estou falando de mim mesmo! Explicarei.

Minha conta bancária continua no negativo, porque minha bolsa de estudos está há dois meses atrasada e o dinheiro que o banco descontou por causa do envio do segundo cartão – o primeiro extraviou por culpa do correio – e disse que me devolveria não foi devolvido (detalhes da tragédia no Kapitel LXXVIII). Eu havia telefonado para o CNPq e tinham me dito que o dinheiro estaria depositado na minha conta no dia 28 (do mês passado! Já com atraso!). Eu estava na França e fui conferir minha conta alguns dias depois, já de volta a Frankfurt. Ao me deparar com a desagradável surpresa de que minha situação era a mesma do mês anterior, somada ao fato de que eu precisava pagar mais um aluguel, telefonei para o CNPq novamente.

A responsável pela minha bolsa me garantiu que, certamente, o dinheiro estaria na minha conta no início desta semana. Eu ainda perguntei: “Dia 12 ou 13, então, com certeza?”. Ela respondeu afirmativamente, mas é claro que, no dia 13, não havia dinheiro algum. Assim que cheguei em casa, telefonei novamente. A responsável pela minha bolsa disse que ia falar com o setor financeiro e pediu para eu telefonar cinco minutos depois. Esperei doze e liguei. Ela não estava. Perguntei se tinha ido embora ou apenas dado uma saída. Não sabiam responder com certeza mas sugeriram que eu telefonasse um pouco depois. Fiz isso e me responderam que ela tinha precisado sair um pouco mais cedo.

Não é incrível? Disse para eu ligar um pouco depois e se mandou! A situação continuaria bizarra. Expliquei para outra pessoa a minha situação e ela me passou para a chefa deles. Alguém atendeu – suponho que a chefa – e eu perguntei “com quem eu falo?”. Ela desligou na minha cara! Muito esdrúxulo! Telefonei novamente, um cara atendeu e me passou para uma mulher, que – enfim! – efetivamente me atendeu: ela não transferiu a ligação para mais ninguém, ouviu o meu problema, pesquisou o que estava acontecendo e ficou chocada com o tamanho da confusão. Explicou-me que o dinheiro é dado ao Banco do Brasil e que ele, então, envia a grana para os bancos da Europa e dos Estados Unidos onde os bolsistas têm conta. E o dinheiro, segundo constava lá, efetivamente tinha ido para o Banco do Brasil no dia 28. Só que, dezessete dias depois, não há nem sinal dele na minha conta. Ela disse que encaminharia naquele mesmo dia o problema para o setor financeiro, para que se investigasse o que havia ocorrido.

Só me resta esperar. De todo modo, mesmo sem dinheiro em minha conta alemã eu precisava pagar meu aluguel. Então, no dia seguinte – que foi ontem – eu fui ao banco perto da minha casa para pegar dinheiro da minha conta do Banco do Brasil. Eis que o caixa eletrônico do Kommerzbank me informou que eu não podia pegar a quantia que eu tinha pedido, mas que eu poderia sacar dez euros. Espera um pouco... o que diabos eu vou fazer com dez euros?! Comprar seis picolés? Fui hoje a outro banco perto da universidade e finalmente peguei o dinheiro para o aluguel.

Chegamos, então, à segunda parte da aventura. Na terça-feira eu havia tomado uma cerveja com o Jens na Bockenheimer Warte, perto da universidade, e, por isso, entrei na estação do metrô pelo outro lado. A estação de Bockenheimer Warte é peculiar, pois ela dá acesso a duas linhas que fazem o percurso leste-oeste e é também o ponto final da linha U4, que, diferentemente das outras seis linhas de metrô, faz um U em vez dos percursos leste-oeste ou norte-sul. Normalmente, pego o U4, pois também me serve e, a partir da entrada mais próxima da universidade, preciso andar menos lá dentro. Só que eu tinha entrado pelo outro lado e não me dei conta de que estava pegando a outra linha. Esta também me serviria, se não fosse pelo fato de eu tê-la pegado no sentido errado. Minha distração me tomou algum tempo mas também me levou a uma estação de metrô que me deixou intrigado: a Kirchplatz.

Eu nunca havia estado nessa praça, que, a julgar pelo tema das paredes da estação de metrô, deveria ter diferentes igrejas. Pensei: “hoje quero voltar logo para casa, mas, qualquer dia destes, volto aqui para conhecer esta praça, que deve ser interessante”. Resolvi fazer isso hoje. Saltei lá e fiquei olhando, como um bobo, para ver se via as igrejas. Só vi uma, nada de mais. Mas acredito que chamou a atenção essa postura de nunca-estive-aqui-antes-e-não-sei-para-onde-vou.

Um homem veio em minha direção e me chamou. Achei que iria perguntar alguma coisa; mas não exatamente... Mostrou um documento e disse que era da polícia, sendo imediatamente acompanhado por outro homem e uma mulher, todos à paisana. Falaram alguma coisa que não entendi, e retruquei interrogativamente: “desculpa...”. Ele respondeu um pouco mais asperamente e disse que queria ver meu passaporte.

Normalmente estou com ele e, por sorte, hoje não foi uma exceção. Mas não podia deixar de pensar nas vezes em que o deixei em casa, por não imaginar que poderia se passar tal situação. O cara olhou o passaporte e disse: “ah, é brasileiro!”. Naquele instante, achei que tinha sido uma interjeição neutra, mas pouco depois suspeitei que, nas entrelinhas, houve certa conotação não muito positiva.

Ele me perguntou quando eu tinha entrado no país e, quando respondi que em março, ele começou a fazer contas na minha frente, como que ironizando pelo fato de o tempo de permanência dos turistas já ter expirado. Mostrei a ele, então, o visto no meu passaporte. Só então eu deixei de ser um suspeito. Ele mostrou para o outro a explicação de que eu sou um pesquisador-visitante convidado pelo professor Jens para estudar na universidade de Frankfurt. Eles não escondiam sua expressão, que era um misto de surpresa com certa admiração. Disse que estava tudo certo – “Alles klar” – e me desejou um bom dia.

Ou seja, sem qualquer razão aparente, eu, que estava apenas andando pela rua, fui abordado por policiais disfarçados, como se fosse um filme de espionagem. Se eu estivesse sem o passaporte, apenas com minha identidade, certamente teria uma dor de cabeça tão grande ou até maior do que a da falta da minha bolsa. Bem, minha situação com a polícia não foi das mais agradáveis, mas se resolveu logo. Vejamos se minha desagradabilíssima situação com o Postbank e com o CNPq não demora muito mais para se resolver também.

2 comentários:

  1. Gostei da historia e amei o blog! Eles devem ter ficado com cara de ignorantes perto de voce! hahahahaah! Eles nao sabem que vc ta duro e sem um tostão e nem que vc tava mesmo meio perdido na frente da roda do carro, mas isso nao tem nada com a historia. O bom é que eles estavam doidos para chutar um cachorro naquele dia e voce mostrou o pedigree - hahahaha! Eles que arranjem outro para chutar! rsss. E espero que sua situaçao se resolva logo, senao teremos que fazer campanha aqui para enviar recursos para voce, no melhor estilo AJUDE UM PESQUISADOR BRASILEIRO A TERMINAR SUAS PESQUISAS NA ALEMANHA! ABX! Lucinha

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  2. Hahahaha, obrigado, Lucinha. Quando a situação se resolver, eu aviso por aqui, hehehe. 8o)
    Beijão

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