Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


quinta-feira, 22 de julho de 2010

Kapitel XCVI – As Bicicletas de Berlimville

Quando se fala sobre algo que nunca se esquece, diz-se que é como andar de bicicleta. Só que esta é uma meia verdade. De fato, nunca se esquece como se anda de bicicleta, mas o tempo de inatividade tem um inegável impacto sobre o desempenho do ciclista.

Como eu narrei no Kapitel XX, as pessoas vão a todas as partes de bicicleta na Alemanha (e, quando estive na França, vi que lá não é diferente). Quando cheguei a Berlim, portanto, meu amigo e anfitrião Florian me emprestou sua bicicleta, pegou a de sua namorada, e nos pusemos a pedalar. Ele assegurou que não há melhor forma de conhecer a cidade do que sobre duas rodas. E assim me apresentou os principais lugares de Berlim nos meus dois primeiros dias lá.

Só que fazia anos que eu não pedalava. Foi, portanto, um relativo desastre. É verdade que melhorei um pouco ao longo desses dias, e também que fui capaz de segui-lo. Mas era surreal o tempo que eu levava para conseguir subir na bicicleta (que me parecia excessivamente alta, apesar de Florian, seu proprietário, ser mais baixo que eu) e sair pedalando. Pior foi quando eu me estabaquei na rua ao prender a roda no trilho do bonde. Lamentável...

Mas foi divertido. Passamos pelo Checkpoint Charlie (local onde as tropas russas e estadunidenses se encontraram e quase entraram em conflito), pelo parlamento Bundestag, pela sede do governo Bundes-kanzleramt (apelidada popularmente como máquina de lavar, devido a sua aparência), pelo Portão de Brandemburgo (havia tantos turistas que me senti como se estivesse em Paris; odeio outros turistas que não eu!), pela rua Unter den Linden, pelo Deutscher Dom e pelo Französischer Dom, pela Catedral de St. Hedwigs, pela Universidade Humboldt, pela estátua de Frederico o Grande, pela Ilha dos museus (Museumsinsel), pela Neue Synagoge (certamente, a sinagoga mais bonita que eu já vi!) e pela East Side Gallery, que reúne pinturas em uma parte não destruída do muro de Berlim. Depois, nós nos encontramos com vários amigos do Florian, todos muito bacanas, no bairro alternativo de Kreuzberg. A ideia era almoçarmos uma comida preparada por alguns deles em um restaurante lá – mas estava tão cheio que acabamos matando a fome no árabe do outro lado da rua mesmo.

No dia seguinte, eu e Florian fomos ao espetacular Pergamon-museum, onde estão expostas várias obras mesopotâ-micas, islâmicas e gregas. É realmente incrível ver pessoalmente esculturas e mosaicos que pareciam não poder ser contemplados fora dos livros. Em todo o mundo se podem ver – sejam eles melhores ou piores – museus de arte moderna, de esculturas, de história natural, de pinturas, de folclore... mas um museu como o Pergamonmuseum é muito raro!

Situado na Ilha dos Museus, o Pergamonmuseum não apenas apresenta esculturas, joias, tapeçarias e estátuas como reconstrói vários locais, como a magnífica Porta de Ishtar, o Altar de Pérgamo e a Porta do Mercado de Mileto (os dois últimos, ambos do século II a.C., foram extraídos em escavações arqueológicas e transportados da Turquia no começo do século XX; é questionada a legitimidade de sua posse pelo museu e se argumenta que deveriam voltar para seu país de origem). A Porta de Ishtar, da antiga Babilônia, é sem dúvida o que mais me impressionou: até vendo em fotografias nos livros eu sempre babei com seus tons de azul e dourado e imagens de leões, dragões mushhushshu (ser mitológico com as pernas dianteiras de felino e as traseiras de águia), touros e flores.

Depois, fomos com dois dos amigos de Florian – Johannes e Mulan – comer hambúrgueres. Johannes, que fala bem português, já morou em Belo Horizonte, onde estudou ciência política. Bebi pela primeira vez a cerveja inglesa Newcastle Brown Ale; o preço estava bom e eu queria experimentar. Nada contra as cervejas alemãs, até porque também bebi nessa viagem a Flensburguer, a Krombacher, e provei a de trigo Schneider Weisse, a escura Märkischer Landmann, e as locais Berliner Kindl e Berliner Pilsner – esta última inferior a anterior, mas também tomável).

Lá no restaurante, pegamos um jornal e nada de Johannes e Florian encontrarem a programação de cinema. Surpreenden- temente, eu, que falo um pífio alemão, peguei o jornal e rapidamente encontrei! Fomos, então, a um cinema ao ar livre em Kreuzberg, só que o filme que estava passando não era o planejado. Vimos “Same, same, but different”, um filme alemão sobre um turista germânico que se apaixona por uma prostituta cambojana. Não consegui entender os diálogos em alemão, mas deu para entender bem a história porque havia muitos trechos falados em inglês (que contavam com legenda em alemão).

Na segunda-feira, Florian ficou em casa para adiantar seu projeto de tese. Saí, então, sem bicicleta (imaginem que perigo – para mim e para as demais pessoas – eu, sozinho, circulando de bicicleta por uma cidade que não conheço!). Voltei a alguns lugares onde tinha estado antes para tirar fotos, como o Bundestag, a “máquina de lavar” e a East Side Gallery. Tinha planejado entrar no Bundestag, de onde, lá do alto, tem-se uma bela vista. Na véspera, havia uma fila que, segundo Florian, duraria uma hora e meia. Ele achava que seria tranqüilo que eu visitasse o parlamento no dia seguinte. Mas estava enganado: a fila estava três vezes maior! Desisti, é claro. Mas tinha muito mais lugares para conhecer.

Fui ainda ao Deutscher Dom, de onde, do alto da cúpula, pode-se ter uma bela vista da cidade. Em seguida, comi uma Currywurst. Já a havia provado em Frankfurt e não tinha gostado. Como é típica de Berlim, dei uma segunda chance. Estava melhor do que a que comi em Frankfurt, mas ainda acho que há opções bem melhores de comida na Alemanha.

Visitei, depois, o Museu Histórico, que tem muita coisa interessante. Merecem destaque os pôsteres políticos dos anos trinta – que mostram a tensão daquelas eleições envolvendo nazistas, social-democratas, comunistas e centristas – e os brinquedos infantis com motivos nazistas, como uma casa de bonecas com a foto de Hitler na parede! Andei bastante e passei pelo Nicolaiviertel, área muito diferente, que parece uma cidade do interior. Lá, tomei uma sopa de Gulasch e comi um sanduíche de Berlin Bratwurst.

Tinham se passado três dias de maratona na capital alemã. No dia seguinte, eu iria a Potsdam, a 24 quilômetros de Berlim. Ainda havia muito o que conhecer. E mais quilômetros para percorrer de bicicleta!

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