Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


domingo, 11 de julho de 2010

Kapitel XCI – O Campeão

A Copa do Mundo só se define neste domingo, na final entre Holanda e Espanha, mas neste sábado já tivemos um campeão, aqui em Frankfurt. É que foi organizado um torneio de futebol institucional, com professores, pesquisadores e alguns alunos da Universidade de Frankfurt e até de universidades de outras cidades, como Munique e Mainz/Mogúncia.

O torneio Institutsbolz Weltmeister-schaft aconteceria todo neste sábado, no Real Sport Entertainment GmbH (em Frankfurt, mas em um lugar bem afastado), de meio-dia até umas oito da noite (quando ainda está claro, pois aqui só escurece bem depois das nove!). Era um torneio misto, em grama sintética, com algumas regras bastante específicas. Jogavam times de quatro jogadores, podendo-se fazer quantas substituições desejássemos.

Nossa equipe, que reunia o pessoal que trabalha com o Jens e era organizada por Florian e Marion Reiser, tinha quatorze jogadores e sempre substituímos de três em três (o goleiro húngaro Christian nunca saía, é claro). Para garantir que nenhum time tivesse mulheres apenas para constar, todos deveriam ter pelo menos uma mulher em campo. A bola nunca saía pela lateral ou pela linha de fundo (havia parede) e uma das poucas regras era a de que só se podia fazer gol a partir da linha de meio de campo. O absurdo, no entanto, era que não havia árbitro, o que, é claro, pode gerar muitos problemas (e gerou).

Nosso time jogava de camisas azul-celeste (é bem verdade que não havia muito padrão, e alguns foram com camisas bastante escuras, mas a ideia era ser azul claro) em referência ao estilo uruguaio com que pretendíamos jogar. O nome da equipe, nascido acidentalmente em uma conversa de bar no Albatros após a minha palestra na universidade (ver Kapitel LXXIX) era FLATmengo. O prédio onde ficam nossos escritórios e algumas salas de aula no campus de Bockenheim se chama FLAT e, claro, todos já estavam cansados de me ouvir falar sobre o Flamengo. Daí o nome, que os alemães têm enorme dificuldade de pronunciar, sempre falando “Flatmenco”, provavelmente por causa da dança.

A competição reuniu doze equipes, divididas em dois grupos de seis. Os quatro primeiros se classificavam para as quartas-de-final, em que jogariam o primeiro de cada grupo contra o quarto da outra chave, e os segundos contra os terceiros. Os jogos duravam doze minutos na primeira fase em um único tempo, e dezesseis minutos em dois tempos no mata-mata. Estreamos com uma derrota, por 2 a 0 para os United Brühls, que jogavam com camisas brancas confeccionadas para o torneio, com alusão às Nações Unidas. O pior é que entrei no final, o time perdia por 1 a 0, eu estava correndo muito para tentar o empate e, numa extrema infelicidade, chutaram uma bola em mim e ela foi parar no fundo da rede. Do nosso lado. Fiz um gol contra. Dois a zero para eles. Lamentável e frustrante.

A sorte, no entanto, estaria do nosso lado. Os United Brühls venceriam ainda três partidas seguidas, só perderiam a última na primeira fase, e acabariam em primeiro no grupo A, de modo que nossa derrota não foi tão ruim assim. Depois, vencemos o Cluster of Mediocrity por 1 a 0 e o Turmhoch Überlegen por 3 a 0. O segundo gol foi meu (a favor!), em um chute de média distância no canto direito do goleiro. Foi bom ter podido zerar meu saldo, que estava negativo com aquele gol contra do primeiro jogo.

Nem tudo, no entanto, correu bem neste jogo. Martina, nossa melhor jogadora feminina, que inclusive tinha feito de cabeça o terceiro gol, levou uma forte bolada e quebrou o pulso! Teve que ser atendida, foi triste. Os últimos minutos de jogo nem foram realizados. Marion Reiser foi com ela para o hospital. Ou seja, ainda perdemos uma segunda mulher. Só tínhamos, a partir de então, duas mulheres para se revezarem, Janeth e Dana, o que seria exaustivo para elas. Duas que faziam parte de equipes já eliminadas, Katja e Mona, entretanto, reforçaram nosso time e pudemos seguir no torneio sem esse problema.

Derrotaríamos ainda o Team HSFK II, de Mogúncia, por 3 a 1, com incríveis dois gols de Florian e garantimos nossa classificação. Acabamos, no entanto, caindo de segundo para terceiro lugar no grupo por causa do saldo de gols, devido à derrota para o Team Augsburg por 5 a 2. O mais triste é que o último gol deles saiu no finalzinho, quando eles já estavam brincando, sem levar o jogo a sério: um cara chutou a bola de letra para o lado, o outro chutou também de letra e a bola entrou.

Teríamos que encarar nas quartas-de-final o segundo colocado do grupo B, o Master ISFK. O primeiro do grupo B havia sido o Team Forst, do qual faziam parte meus amigos Filipe, Julian e Vítor. Este último, aliás, também se contundiu. Torceu feio o tornozelo e não pôde seguir na competição. O Team Forst, assim como o United Brühls no nosso grupo, tinha feito uma campanha quase perfeita, de quatro vitórias e uma derrota. O inusitado é que tinham perdido apenas para o (até então) saco de pancadas do grupo B, o Team Naase.

Não seria o fato mais inusitado do campeonato. Vi a mais cristalina confirmação da lei-de-ferro do ludopédico: “o futebol é uma caixinha de surpresas”. Os dois primeiros da primeira fase e os dois segundos colocados foram derrotados nas quartas-de-final pelos terceiros e quartos. Os quatro times que, em tese, eram os melhores, estavam eliminados. A semifinal envolveria, portanto, os times que tinham ficado em terceiro e quarto, com campanhas bem menos brilhantes, com números equivalentes de vitórias e derrotas.

Vencemos o Master ISFK por 2 a 1. Filipe, Julian e companhia seriam eliminados com o seu Team Forst ao perder por 2 a 0 para o Turmhoch Überlegen, que mais cedo nosso FLATmengo tinha goleado. O bicho-papão do nosso grupo, o United Brühls, caiu por 2 a 1 diante dos bávaros do Stella Rossa Monaco. E o Team Augsburg, que tinha feito um monte de palhaçada na partida contra a nossa equipe, apanhou de 5 a 2 para o HSFK.

A semifinal foi tensa. Os azuis do Turmhoch Überlegen não demonstravam muito fair play. Quando o placar estava 1 a 1, marcaram um gol que pessoas do meu time alegaram ter sido feito de trás da linha do meio de campo (a proibição disso era uma das raras regras do torneio). Eles insistiram e acabamos considerando, a contragosto, o gol deles. Por sorte, Jonas, um grandalhão do nosso time, estava destinado a fazer gols nos momentos mais difíceis e, imediatamente em seguida, empatou a partida.

No finalzinho, o goleiro pulou em cima da Florian para pegar a bola e o derrubou na área. Nosso time pediu pênalti, e eles recusaram. Era a segunda vez no jogo em que a falta de um árbitro neutro se mostrava um problema, e a segunda vez em que eles se beneficiaram com isso. A decisão foi para os pênaltis. Nosso supergoleiro Christian defendeu a primeira cobrança, mas Fabian também perdeu a dele. Eles converteram a segunda, mas Robert, nosso artilheiro junto com Florian, também cobrou bem e marcou. O terceiro batedor deles chutou para fora, e nosso heroico guardarredes Christian acertou a última cobrança.

Incrivelmente e contra todos os prognósticos, estávamos na final. Nosso adversário seria o HSFK, onde jogava Jonas Wolf, um alemão gente-boa que conheci no congresso de Toulouse. Ele fala muito bem espanhol e é pesquisador em uma instituição na cidade de Frankfurt. A final foi tranqüila. Goleamos por 4 a 1. O primeiro gol foi do sempre decisivo Jonas, é claro. Jens, que tinha feito o passe para o segundo gol (que foi do Fabian), marcou o terceiro em um lance de muito oportunismo. O FLATmengo certamente não era o time com os melhores jogadores, mas era o legítimo campeão do Institutsbolz Weltmeistershcaft, torneio que tinha um formato parecido com o da Copa do Mundo.

Já com nossas medalhas e troféus, pudemos comer nosso churrasco alemão (muito porco e salsichas), beber cervejas Licher e Franziskaner e assistir à decisão de terceiro lugar entre Alemanha e Uruguai, vencida pelos germânicos por 3 a 2 em partida equilibrada. Vestidos como uruguaios, terminamos mais bem colocados que o Uruguai original. Hoje, meu corpo todo dói, mas foi bem melhor do que eu podia esperar. FLAT-MEN-GOOOO!


As imagens do título.

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