Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


quinta-feira, 29 de julho de 2010

Kapitel C – A Torre, os Tomos e o Baile

Este é o centesimo Conto Fantástico. Trata de terça-feira, um dia de busca na biblioteca em que acabei dançando. Literalmente, aliás. Acabaram minhas aulas na Universidade de Frankfurt, mas isso não significa que terminaram minhas obrigações acadêmicas. Terei um curso de verão em Bruxelas em setembro, para o qual preciso enviar um artigo até o final de agosto.

Resolvi, então, buscar alguns textos na biblioteca da universidade, para ver se me davam pistas sobre que tipo de dados seria interessante de se obter. Procurei no sistema on-line da biblioteca textos do dinamarquês Esping-Andersen e do catalão Carles Boix. Encontrei os três livros do Esping-Andersen que eu buscava, além de um do Boix.

Este último eu deveria pedir on-line, e, algumas horas mais tarde, passar lá para pegar, no prédio da biblioteca perto de Bockenheimer Warte. Já os de Esping-Andersen não poderiam ser retirados, mas eu poderia ir consultá-los na “torre”, edifício onde tive aulas de Politica Comparada, que fica ao lado de onde estão localizadas as salas do instituto de ciência política (ou seja, ao lado do prédio FLAT, que deu o nome ao nosso vitorioso time de futebol; ver Kapitel XCI).

Parti, então, inicialmente para o décimo-sétimo andar da “torre”. Li no balcão da entrada um aviso aparentemente sobre alguma proibição relacionada ao laptop, que não entendi bem. Não compreendi perfeitamente, mas o suficiente... Como eu já tinha apurado antes, pode-se ir lá sem problemas com o laptop, mas, para minha desagradável surpresa, o aviso indicava que o mesmo não valia para a bolsa do laptop.

Isso tem a ver com uma coisa que me chocou logo de cara aqui na Alemanha (tanto que abordei tal fato no Kapitel IX): enquanto, por um lado, eles não fiscalizam um monte de coisa, supostamente por confiarem uns nos outros, por outro às vezes se preocupam com besteira. É o medo de roubarem a caneca na cafeteria, é a preocupação que os alunos furtem livros da biblioteca escondendo-os na bolsa do laptop... É tão mesquinho isso!

Eu não tinha uma bolsa, apenas uma capa de proteção para o computador. O funcionário da biblioteca disse que ela também não podia, e que eu precisaria guardá-la no locker. Fui colocá-la, então, mas ele não fechava. O rapaz disse que era preciso pagar dois euros para fechá-lo. Naquele momento eu fiquei realmente contrariado. Cheguei a pensar em ir embora da biblioteca. Dois euros para guardar uma capinha fininha de laptop porque suspeitam que vamos roubar livros?! Perguntei: “Preciso mesmo colocar ali a capa?!” O funcionário, sem-graça com o absurdo da situação, mudou de opinião e disse que eu não precisaria, que bastava colocá-la numa cestinha.

Enfim, consegui entrar na biblioteca! Mas a saga apenas começava. Um dos livros estaria naquele andar, enquanto para ver os outros dois eu precisaria subir uma escada. Lá, cada um procura os livros com os respectivos códigos por conta própria, e eu não conseguia encontrar o primeiro deles de forma alguma. Fui, então, para o outro andar e, após algum esforço, encontrei os dois livros, que fiquei pesquisando. Acabada essa missão, desci as escadas e pedi àquele funcionário para encontrar o livro para mim. Ficou claro que não era desatenção minha: ele buscou em cinco estantes diferentes, e nada. Depois, olhou uma pilha de livros no balcão, e também não estava lá.

Ele me disse, então, que o livro estava emprestado. Mas espera aí! Esse não era um dos livros que não podem ser emprestados, que não podem sair da biblioteca? Além disso, por que ele foi concluir que estava emprestado não depois de consultar o sistema, mas depois de procurá-lo e não achá-lo? Tudo muito esdrúxulo.

Restou-me, então, ir à biblioteca perto da Bockenheimer Warte, para pegar o quarto livro, aquele que eu tinha clicado no botão do site para reservá-lo. Ao chegar lá, a funcionária me disse que já estava reservado. Imaginei que fosse a minha reserva, por ter solicitado o livro pelo site, e pedi para que ela conferisse. Pois não era. Apesar de o site indicar que o livro estava livre e ter mudado de status somente depois que eu cliquei, a reserva estava em nome de outro. E pior: até janeiro! Mais de uma pessoa já me perguntou, assombrada: e se pode reservar por tanto tempo? Bem... pelo visto, pode... não sei se todo mundo, mas alguém pode...

A biblioteca, portanto, foi menos proveitosa do que eu esperava. E mais uma vez a burocracia alemã mostrou suas peculiaridades. Tentei reservar o livro mas acabei dançando. Aliás, horas depois seria a vez de dançar literalmente. Marhyen, a venezuelana, e Lara, a alemã que fala um perfeito português da Bahia, me chamaram para ir a um bar onde tocam salsa, bachata e merengue. Já era a terceira vez que me convidavam; na primeira eu não tinha ouvido o celular e só fui ver o recado dois dias depois, e na última eu estava em Berlim. Desta vez, não havia escapatória: teria que medir quão vexatório seria o meu desempenho na pista.

Até que não foi dos piores. Danço mal, mas dançar mal para um brasileiro é equivalente a dançar razoavelmente para um alemão. Os caras, em geral, são muito duros, passam mais tempo contando os passos do que ouvindo a música. O bar estava cheio de estrangeiros, muitos deles latino-americanos. E os que dançavam melhor eram os que menos pareciam alemães. Do nosso pessoal, estavam lá também o namorado de Marhyen (chamado Jens; não confundir com meu professor e amigo), Xenia, Lucia e Nikolai.

Um suposto minicurso de dança, que durou cinco minutos e com o qual não aprendemos nada, custou três euros de cada um. Mas está tudo bem, cada dia o bar inventa uma desculpa diferente para cobrar os três euros; na verdade, é o preço da entrada, mas eles não querem dizer. O bar nem foi tão caro, e os coquetéis estavam a quatro euros, 2,50 abaixo do valor do cardápio.

Acho, sim, que o bar devia ser menos quente e, claro, falhas no som, como as que aconteceram, não são aceitáveis em um bar de dança. Mas como posso reclamar? Pelo menos ninguém ficou desconfiando, como na biblioteca com os livros, que esconderíamos os copos ou as caixas de som dentro da bolsa...

2 comentários:

  1. Depois de um tempão sem vir aqui, voltei e fico contente ao perceber sua desenvoltura - não dançando, mas conversando com o funcionário da biblioteca em alemão. Você já está mandando bem na língua, amigão?
    Abs., saudades!

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  2. Mal, mas não é nulo. E quase sempre tento falar em alemão na rua. Mas na biblioteca (assim como no banco) eu abro uma exceção e falo em inglês mesmo.

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