Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


sexta-feira, 23 de julho de 2010

Kapitel XCVII – Casinhas de Tijolos, Cortina de Ferro

Na terça-feira, saí com Florian para comprar alguma coisa para o café-da-manhã. Eu vestia uma camiseta azul que comprara no dia anterior, com a inscrição DDR (sigla para República Democrática da Alemanha) e o brasão da antiga Alemanha Oriental. Era, afinal, a primeira vez que visitava a parte leste do país, onde fica não apenas o bairro onde mora Florian – Neu Köln – como também Potsdam, que eu visitaria mais tarde. Usava a camiseta não por apoiar o repressivo regime que vigorou no extinto país, mas simplesmente porque gosto do símbolo e era minha primeira vez lá (eu vestiria também uma camiseta do antigo Zaire ou da Coreia do Norte, se fosse o caso...). Todos que me conhecem sabem que sou de esquerda sim mas, também, um defensor da democracia representativa parlamentar eleitoral. Entretanto, esse não era o caso de um senhor que passava pelo quarteirão do prédio de Florian...

O homem começou a gritar comigo, furioso. E eu não entendia nada! Depois, Florian me explicou que ela reclamava que aquele “era um regime injusto”. Acredito que tenha sofrido bastante antes da queda do muro, perdendo parentes, ou sendo preso. Caso contrário, não se justificaria uma reação tão impressionante. As feridas da cortina de ferro ainda estão abertas. Florian respondeu algo que não entendi mas, pelo tom de voz, devia significar algo entre “pega leve, deixa de besteira” e “vai catar coquinho”, e seguimos em frente.

Tomamos o café, mostrei a ele dois curta-metragens no meu laptop (o clássico “Ilha das Flores” e o ótimo alemão vencedor do Oscar do não passado, “Spielzeug-land”) e saí para a viagem. Peguei, então, o trem para Potsdam, capital do estado de Brandemburgo. Próxima de Berlim, trata-se de um tradicional ponto de visitação para turistas que estão na maior cidade da Alemanha. Residência dos reis da Prússia até 1918, Potsdam é conhecida por seus jardins e palácios. Além disso, lá funciona a universidade onde Jens lecionava quando foi meu professor no mestrado no Iuperj. E também lá Florian cursou o Diplom (sobre os tipos de cursos na Alemanha, ver Kapitel XXVIII).

Quando chego à ferroviária, vejo a exibição de vários enormes bonecos de monstros mitológicos, alguns bem-feitos, outros constrangedo- ramente ridículos. Começo a passear por Potsdam, que tem uma cara de cidade pequena, bem diferente de Berlim ou Frankfurt. Passei pelo Portão de Brandemburgo (bem menos imponente que seu homônimo em Berlim) e pela área do Alter Markt. A primeira coisa que me impressionou, no entanto, foi a grande quantidade de casinhas de tijolos. Há ruas inteiras com casas assim. Depois vim a saber pela Wikipedia que se trata do “quarteirão holandês”, que reúne 150 casas e é o único do tipo na Europa.

Andei muito até chegar ao Parque Sanssouci, a área mais bela da cidade. Só que o parque é mal sinalizado e o meu mapa resumido também não ajudava (muito menos o meu senso de direção). Então, andei erraticamente, conhecendo os pontos totalmente fora de uma ordem geograficamente racional. Vi os palácios Neues Palais, Orangerieschloss e Schloss Sanssouci. O primeiro, apesar de, oficialmente, só não funcionar às sextas-feiras, estava fechado ao público em plena terça! O segundo eu pude visitar e, após tirar algumas fotos, fui avisado pela guia que eu precisava comprar o direito de fotografar (?!); tive, então, que guardar novamente a câmera. O terceiro, já estava fechado quando passei por lá.

Vi ainda a – muito dourada – Chinesisches Teehaus (Casa de Chá Chinesa), o Neptune Grotto, o obelisco, o Historische Mühle (moinho histórico) e a Igreja da Paz (Friedens-kirche), perto da qual um grupo de cisnes tranqüilamente repousava. Mais bonitos do que todos os palácios são os jardins que os cercam e seu conjunto de estátuas e piscinas. Na volta, já com pressa, passei ainda pelo Heiliger See (ou lago sagrado), onde do outro lado da margem se podia avistar o palácio de mármore, e pelo Tiefer See, onde havia barcos a vela e pescadores.

A volta não foi tranqüila. A viagem dura uns quarenta minutos, mas levei muito mais tempo. O transporte público em Berlim, apesar de eficiente, é mais complicado que o de Frankfurt (Florian não concorda, mas acho que é pela implicância que os alemães não-frankfurtianos têm com a cidade). Como se não bastasse a loucura que são suas nove linhas de metrô U-Bahn e as quinze de trem urbano S-Bahn (diferentemente de Frankfurt, onde as linhas de metrô são as centrais e os S-Bahn levam para áreas mais afastadas, em Berlim são os S-Bahn que atravessam a cidade de leste a oeste, enquanto os U-Bahn levam para norte e para sul nos mais variados pontos), ainda por cima todos os mapas da rede de transporte público chamam a estação central de Lehrter Stadtbahnhof, apesar de, lá, todas as placas a chamarem de Hauptbahnhof. Adivinhar fica difícil, não é?

Eu estava meio que cochilando quando vi que tinha chegado à estação central de Berlim. Saltei, mas não sabia que trem pegar para ir à linha 8 de metrô, que é a que leva à casa do Florian. Telefonei para meu amigo-anfitrião, que, após breve pesquisa na internet, indicou-me um trem. Estava em frente a ele, quando, subitamente, mudaram a destinação do trem e avisaram pelo alto-falante alguma coisa que eu não tinha a menor chance de compreender. Eu estava ferrado! Tentei ligar novamente para Florian e percebi que meus créditos tinham acabado. Eu teria que resolver essa parada sozinho.

Pesquisei muito até que, após perguntar a dois policiais, eles me indicaram o trem urbano S-15. Chegando à plataforma, vi que havia um trem que iria para a estação de Bellevue e outro para a de Friedrichstraße. Achei estranho. Afinal, tratavam-se das estações seguintes em cada um dos sentidos. Deduzi que, como não era possível que o trem andasse apenas mais uma estação, já que havia muitas para os dois lados, eles simplesmente estavam indicando os dois sentidos, só que mencionando as estações seguintes em vez das estações finais. Deduzi errado, era possível sim... Chegando à Friedrichstraße, ouvi pelo alto-falante que aquela era a estação final daquele trem, e que eu precisaria descer. Ou seja, tive ainda que pegar mais dois trens para voltar. Cheguei duas horas depois de sair de Potsdam.

Apesar de exausto, a noite ainda demoraria a acabar. Eu e Florian saímos com Rocco e Jacqueline, companheiros de apartamento dele. De bicicleta, é claro! Fomos a um bar chamado pelo peculiar nome Tristeza. Lá bebemos cerveja e uma versão de Blood Mary chamada Mexikaner, e jogamos totó (chamado Kicker por aqui). Florian me disse que, em Berlim, todos são, no mínimo, semiprofissionais em totó. Por sorte, jogamos quase todas as partidas entre a gente. Quando fomos enfrentar os caras, não deu nem para a saída. Vencê-los é mais complicado do que andar de bicicleta (sobre as bicicletas, ver o Kapitel anterior).



As imagens de Potsdam.

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