Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


quarta-feira, 26 de maio de 2010

Kapitel LX – Como uma Máquina do Tempo

Hoje foi um dia chuvoso e sem graça, em que eu ficaria em casa estudando e só. Bem, a ideia era estudar sim, mas o “e só” me incomodava. Então, resolvi fazer algo em que eu estava pensando desde a última vez em que estive no Römerberg, a histórica praça central de Frankfurt. Daquela vez, passei em frente ao Museu Histórico, localizado ali ao lado, e pensei: “poxa, tenho que entrar nele qualquer dia”. O museu chama atenção porque, em frente a ele, há uma estátua de Carlos Magno, ao lado da qual já posei para foto uma vez, coisa que um alemão dificilmente faria.

Pois resolvi que hoje era um bom dia para conhecer o museu. Aproveitei e convidei Manfred para ir. Ele começou com seu tradicional pão-durismo, mas, quando viu que a entrada era baratinha, resolveu aceitar. Antes ele queria renovar uma tal carteirinha-mamata que dá descontos em vários centros culturais. Fomos até o lugar, que é ao lado do antigo trabalho de Manfred, onde Mario trabalha. Até subimos para fazer uma visita.

No lugar onde se faz a carteirinha, há também uma loja sem fins lucrativos que vende brinquedos usados a preço baixo para quem não pode comprar presentes novos para os filhos. Muito baixo mesmo! Havia bonequinhos de pelúcia por 20 e 30 cêntimos. Manfred até brincou que o de trinta cêntimos devia ser de muito melhor qualidade que o de vinte.

De qualquer forma, a viagem foi em vão. A máquina para fazer a carteirinha não estava lá. Manfred tinha duas opções: preencher um formulário e esperar duzentos anos até o documento ficar pronto, ou ir a outro lugar, onde estava a máquina, para fazê-lo. Duas opções que ele logo descartou, e fomos ao museu assim mesmo.

Lá, aceitaram tanto a carteira velha dele como minha carteirinha brasileira de estudante, sem problemas. Foram apenas dois euros para cada, para visitar um museu bastante interessante, onde permanecemos um bom tempo. Trata-se de um museu particularmente voltado para a história da cidade. No primeiro andar há moedas antigas, e pinturas e esculturas de séculos passados, especialmente o XV e o XVI. A maioria delas tem motivos religiosos, claro, e sempre que o artista é frankfurtiano isso é destacado.

No andar de cima, objetos e textos sobre a história da cidade, originalmente livre e, depois, parte da Prússia. Muita informação sobre o histórico de aceitação de estrangeiros, especialmente protestantes perseguidos pela Igreja Católica em outros países europeus. É claro que esse histórico foi rompido com a ascensão dos nazistas, contrastando com a confortável situação social e política que os judeus viviam pouco tempo antes, na República de Weimar.

Aliás, apesar de até determinada época os judeus terem que viver em guetos na cidade, depois disso houve um longo período de aceitação até o mais recente e famoso retrocesso. De 1800 a 1900 a população de Frankfurt se multiplicou por dez, e os judeus, que eram cerca de um décimo dos habitantes, aumentaram na mesma proporção. Era, proporcionalmente, a maior população judia da Alemanha. Outra vítima dos nazistas bastante destacada foi a comunidade cigana. Além disso, nem sempre a vida dos estrangeiros foi tranqüila antes do nazismo, e se mencionavam as condições precárias de habitação dos trabalhadores vindos do sul da Europa.

Havia no museu a reprodução de diferentes mapas da cidade, mostrando como Frankfurt cresceu, inclusive incorporando regiões próximas. O lugar onde vivo, por exemplo, estava bem fora dos limites originais de Frankfurt. Passeando-se pela cidade podem-se ver algumas torres, que eram pontos de observação que demarcavam onde ficavam os antigos muros. Comprei a réplica de um desses mapas lá por dois euros e cinqüenta.

A última coisa que vimos foi uma interessante mostra temporária de fotografias tiradas pelos próprios soldados alemães na segunda guerra. Além do dia-a-dia das tropas, foi retratado tudo o que lhes chamou atenção nos países invadidos.

Os curadores observaram que àquela época eles estacam pouco habituados a sair do país, e variava como eles reagiam ao que viam: enquanto no Ocidente em geral adotavam uma postura de turistas, em outras partes destacavam o que lhes parecia exótico e inferior, como os russos, a população do norte da África e os soldados negros que lutaram pela França.

Duas fotos me impressionaram particularmente: em uma, os invasores alemães debochavam dos poloneses diante de mulheres polacas que olhavam para eles com cara de zangadas; em outra, uma pessoa local atravessa um rio para que o exército alemão se certifique de que não há minas ali. A Guerra é uma coisa nojenta!

Antes disso, vi uma série de objetos das mais variadas épocas, mostrando fatos históricos e hábitos do dia-a-dia. Algo que não se vê em outros museus são pinturas simpáticas ao nazismo. Mais bizarro foi ver que foram publicados livros infantis com apologia ao regime, e até uma árvore de natal com suásticas em vez de bolas havia lá.

Entre os cartazes, havia de tudo um pouco: propaganda nazista, comercial da Lufthansa, anúncio de eventos musicais dos anos quarenta, protesto de esquerda contra a grande coalizão dos social-democratas com os democrata-cristãos após a Segunda Guerra. Roupas, louças, e até banheiros de outras épocas marcavam presença, juntamente com a réplica de uma coroa de Carlos Magno e uma camisa do Eintracht Frankfurt, usada pelo ganês Yeboah. Nela, no lugar da propaganda, havia os dizeres: “meu amigo é estrangeiro”. Um recado importante nessas idas e vindas desta cidade cosmopolita.

Outras fotos que tirei do museu estão acessíveis neste link.

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