Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

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sexta-feira, 21 de maio de 2010

Kapitel LV – Cama e Mesa

Está tudo errado! Uma temporada longe de casa que mal começou e já estou comendo besteira freqüentemente. Esse monte de embutidos que há aqui na Alemanha, definitivamente, fez mais minha cabeça do que a modinha supersaudável “bio” (ver Kapitel XX). Ontem, talvez, tenha sido o dia em que mais exagerei.

Para começar, resolvi, antes de sair para a aula de política comparada, preparar alguma coisa para comer, em vez de almoçar na rua. Para mim, preparar alguma coisa para comer significa esquentar alguma coisa pré-pronta. No caso, as salsichinhas brancas bávaras. Manfred me disse: “isso não me parece ser um almoço”. Eu respondi que já havia comido isso duas vezes como jantar (ambas descritas nos Kapitel VII e XLI) e que, se pode ser servido como janta, também pode como almoço. Ele retrucou: “Bem, isso também não me parece ser algo para o jantar.”

Comi assim mesmo. Na embalagem, que Manfred leu para mim, além das instruções de preparo, dizia-se que era para servir com mostarda doce, pretzel e cerveja de trigo. O pretzel (aqui, Bretzel) foi substituído pela última fatia de pão de forma da minha dispensa. Também me faltava a mostarda, mas ontem mesmo comprei uma no mercado para comer com as próximas salsichas. Quanto à cerveja, eu não tinha a de trigo, mas poderia substituí-la por qualquer uma das três garrafas que eu tinha na geladeira. Mas não o fiz, a responsabilidade falou mais alto: eu não apenas precisaria ir à aula em seguida como ainda teria que fazer uma apresentação sobre rational choice. Bebi água com gás mesmo.

Outro dia, vi em um vídeo na internet que essas salsichinhas brancas da Baviera não são cozidas (o que se confirmava nas instruções da embalagem): deve-se ferver a água e, então, tirar a panela do fogo e, só aí, colocar as salsichas, que devem ficar lá por 10 a 12 minutos. No vídeo dizia ainda, nojentamente, que os bávaros consideram um absurdo cortar a salsicha com a faca, e que sua técnica para comê-la é chupá-la até só sobrar a pele. Bem, não sei quanto a eles, mas definitivamente não sou homem de chupar salsicha. Prefiro continuar com a mais educada técnica de tirar com garfo e faca a salsichinha branca de dentro da pele.

Na aula, foi tudo bem na apresentação, apesar de que, diferentemente da teoria rational choice que apresentamos, nosso comportamento foi totalmente irracional. Eu teria que fazer a apresentação com um búlgaro descendente de gregos chamado Georgi. Combinamos há várias semanas que leríamos logo o texto e, em seguida, marcaríamos de nos encontrarmos para preparar a apresentação. Só que nós dois nos atrapalhamos, um não entrou em contato com o outro porque ambos demoramos muito para ler tudo, e preparamos a apresentação separadamente. Para ficar no jargão da ciência política de tradição racionalista, vivenciamos o “problema da ação coletiva”.

Na hora H, portanto, não tínhamos definido o que cada um deveria falar, e fomos no improviso. Um ia falando e, quando desse margem ou titubeasse, o outro tomava a frente e continuava. Deu tudo certo no final das contas. Depois da aula, conversei um pouco com Georgi, Jens e um grego gente-fina, e fui ao café, onde consegui acessar a internet wireless pelo meu laptop pela primeira vez na universidade. Até liguei para casa pelo Skype, para tirar onda. Tentei marcar com o Jens de, depois, sairmos para uma cerveja ali perto, mas nos desencontramos.

Aí, fui embora, mas tive uma ideia para não ir direto pra casa. Eu havia comprado a passagem de metrô que dura um mês inteiro, que fica muito menos cara do que pagar todas as vezes; então, não custa nada para mim fazer várias viagens curtas e me desviar do caminho direto para casa. Minha ideia foi ir ao Römerberg, um dos lugares mais bonitos aqui da cidade (ontem, um pouco menos, devido ao tempo feio). É lá onde fica a sede do governo municipal, o Römer, desde o século XV. Lá também vendem vários tipos de Würsten (lingüiças, salsichas e outros embutidos) com pão e mostarda. Eu queria experimentar um que sabia que eles tinham: a tradicional salsicha frankfurtiana. E foi esse o meu jantar. Almocei e jantei salsicha. Saudável, não? Sempre ouvi dizer que salsichas são um monte de porcaria cheio de conservante. Bem, isso meu exame de sangue vai dizer quando eu voltar para o Brasil.

Tomei ainda um sorvete de casquinha de café e voltei. Mal cheguei em casa e já me preparei para ir ao supermercado Rewe. Eu não tinha mais pão, nem queijo, nem frios, nem suco, nem pizza, nem Schnitzel... Ou seja, nada para comer. Só café, água mineral e cerveja. Isso alimenta ainda menos que salsicha! Peguei, então, meu mochilão, enchi de garrafas vazias para trocar, e parti. Lá, fiz minhas maiores compras até agora, mas acabei me esquecendo de pegar pizza e Schnitzel. Mas tudo bem, foram duas garrafas de suco de maçã, três de água mineral, queijos, pão, frios, manteiga, mostarda e... vários tipos de salsicha. Comprei a frankfurtiana (só que a do mercado era totalmente diferente da que comprei no Römerberg) e duas que ainda não conheço: a Wiener (vienense) e a Rostbratwürtschen de Nurenberg. Em algum momento de preguiça de sair para comer na rua, elas serão devidamente traçadas com a mostarda que eu comprei. Depois das compras, arrematei com a ótima cerveja tcheca Březňák, desta vez a clara “Original Böhmisch” (a preta eu bebi outro dia, conforme relatei no Kapitel XLVIII).

Bem, já falei da mesa; falta, portanto, falar da cama. Era inevitável. Mais cedo ou mais tarde isto aconteceria. Marquei o relógio para acordar às 7h45, pois teria aula de alemão hoje às 9 horas. Só que, sem querer, marquei para as 7h45 PM. Malditos despertadores programados no sistema anglo-saxão! Acabei acordando sozinho às 9h10, ou seja, com a aula já começando. Inicialmente, pensei em ir e assistir a metade da aula pelo menos. Mas o tempo de manhã passa rápido. Quando vi que há eram 10h15 e eu ainda nem havia trocado de roupa ou colocado a lente de contato... deixei para lá, não é? Uma aula de alemão a menos, em que eu sempre boio mesmo, não fará tanta diferença assim.

Escrito mais um Kapitel, vou ler agora o texto que falta para a aula de hoje sobre política e sociedade no Brasil. Ah... não sei se é por causa da salsicha, mas estou com uma irresistível vontade de me despedir de vocês com o bordão: “Scooby-doo, meu filho, onde está você?!”

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