Soube do congresso por uma amiga chilena, Alejandra, que mora na Baviera e é casada com um alemão. Eu a conheci ano passado, no congresso mundial de ciência política em Santiago. Ela me contou sobre o evento de Eschborn, promovido pela Associação Alemã de Investigação sobre a América Latina – ADLAF (sim, existe uma associação alemã assim!). Disse que pretendia ir e perguntou se eu não queria ir também. Havia muitos motivos para eu ir e nenhuma boa razão para eu não ir. O congresso era gratuito, aconteceria em uma cidade que fica apenas a uns 15 ou 20 minutos de Frankfurt, seria realizado justamente em uma semana em que eu não teria aula na universidade, e seria uma boa oportunidade de conhecer mais gente. Fui então, né?
O congresso misturava os mais variados temas, tendo a América Latina como eixo, de modo que era possível, em uma mesma seção, ver trabalhos sobre tango, desenvolvimento financeiro, religião, e missão cubana em Angola. Como qualquer simpósio, teve trabalhos de todos os níveis de qualidade. O mais incrível foi que todas as apresentações foram em espanhol, mesmo as dos autores alemães. Quer dizer, houve dois brasileiros que não apresentaram em espanhol: um falou em português e a outra, em portunhol assumido.
O ponto alto acadêmico foi a palestra monumental de Enrique Russell Ambrosini, derrubando as premissas do eurocentrismo, realizada na Biblioteca Nacional – único evento do congresso a ocorrer em Frankfurt –, que fica a não muitas quadras da minha casa. Esse foi o ponto alto acadêmico. Mas não o único ponto alto. Depois de Eschborn, era a vez da “eschbórnia”!
Na primeira noite houve, é claro, um coquetelzinho, após a conferência de Russell. Mas a coisa animou mesmo no segundo dia. Após as palestras da tarde, um grupo foi a Frankfurt para beber uns coquetéis, caipirinhas (elas são populares na Alemanha!) e cervejas. Fomos eu, Alejandra, a venezuelana Maryhen (minha aluna), e mais dois argentinos – Franco e Ramón, o colombiano David, o chileno Álvaro, o costarriquenho Vladimir e uma alemã de quem não sei o nome.
Aliás, ela foi a responsável pela gafe do começo da noite: disse que os equatorianos eram feios, porque eram muito misturados. Vendo que todos estavam com os olhos arregalados de espanto com tão surreal declaração, tentou consertar: “os índios são bonitos, feios são os que são misturados com os brancos”. Bem... pegamos no pé dela por horas a fio, é claro.
Maryhen e Alejandra foram embora, mas os demais seguiram para outro bar, onde bebemos mais! Depois, juntaram-se a nós três alemães: Florian (outro, não o meu amigo da universidade), Sophie e Irene. Para vocês terem uma ideia de como estava a situação, vale dizer que Álvaro gastou um bom tempo contando para Florian como sua avó era importante para ele... Manguaça total!
Pausa para um pequeno interregno: meu amigo paulista Vítor tinha me enviado um torpedo me chamando para ir ao Balalaika, o bar musical que descrevi no Kapitel LVI, pois ele estaria lá a partir das onze. Concluí que não poderia encontrá-lo, pois já estava com o outro pessoal, que tinha conhecido no congresso. Pois qual não é minha surpresa quando nos encaminhávamos para o bar onde estava a namorada de David e o nome do lugar era... Balalaika!
Na mais incrível das coincidências, a polonesa namorada do David era professora de alemão do Vítor! As amigas dela, na verdade, eram colegas de turma dele e alunas dela: uma chinesa, uma ucraniana e uma colombiana. Lá no bar também estavam personagens descritos no mencionado Kapitel LVI, como a figuraça estadunidense dona do bar, o pianista romeno Marius, o cantor espanhol Nacho e a paulista Juliana, que, mais uma vez, soltou a voz. Lá ficamos até depois das cinco. Depois, uma passada no mesmo restaurante libanês da ida anterior ao Balalaika. Desta vez, não tinham shawarma, e por isso provei um sanduíche com uma escura lingüiça árabe picante chamada sujuk. Todo o pessoal afirmou que chegaria no congresso às nove. Eu mesmo disse que às nove seria difícil, mas que eu estaria lá.
Deitei-me às 6h20. Minha ideia inicial era acordar às sete, mas não podia dormir menos de uma hora. Apesar de ainda ser muito pouco, dormir uma hora é, na minha opinião, o mínimo possível para haver algum efeito de descanso no corpo. Marquei o despertador, então, para as 7h20. O incrível é que não apenas acordei, como cheguei pontualmente às nove em Eschborn. Fui o único a chegar na hora e, dentre os que estiveram comigo até o fim na Balalaika, somente Florian também foi, aparecendo umas duas horas mais tarde do que eu.
Depois, fomos até a casa do Tobi para buscar a Marion. Lá nós três tomamos uma cerveja Jever e saímos. Assim como ocorrera antes em Frankfurt (ver Kapitel XXXVI), era Noite dos Museus em Mogúncia. Em um evento como esse, não vale a pena ir a um grande museu gastar todo o tempo lá (como ocorreria no Museu Gutemberg, que ainda preciso conhecer); é melhor ir a muitos museus pequenos. Fomos, então, a várias salas alternativas, com manifestações artísticas inusitadas e pinturas perturbadoras.
O museu mais curioso era o museu de sete graus. Sim, ele foi todo construído com uma inclinação de sete graus. Não apenas por fora, como todas as suas paredes, o elevador, tudo é inclinado! Em um bar anexo, ocorria algo não menos curioso. Uma multidão acompanhava ansiosa por um telão o resultado de um concurso musical que eu nem sabia existir: o Eurovision Song Contest. Ele consiste em uma competição tradicional, com décadas de existência, em que cada país europeu envia um cantor (Israel também participa; não é só para a Fifa que o país não faz parte do Oriente Médio).
O público de casa escolhe os três melhores cantores, sem poder votar no próprio país. A apuração é feita com um número de pontos para cada um dos três primeiros colocados nas votações de cada país. É um critério que consegue algum grau de justiça, apesar de certamente existirem algumas distorções: acho difícil, por exemplo, os franceses votarem no Reino Unido (que, aliás, acabou em último lugar este ano). Além disso, Marion e Tobi disseram que há um monte de alemães que cruzam a fronteira com a Holanda para votar nos cantores alemães. São loucos esses germanos! De todo modo, não são sempre os mesmos países que vencem, o que significa que tais distorções não determinam o resultado.
Segundo Tobi e Marion contaram, esse concurso há tempos não fazia muito sucesso, era visto como algo antiquado. A Alemanha não era campeã desde 1982. Só que, desta vez, o país tinha enviado uma garotinha carismática de dezenove anos que era favoritíssima e, aí, todo mundo se encheu de orgulho patriótico. As pessoas no bar lotado aplaudiam, gritavam, e a Alemanha acabou, de fato, ganhando com rodadas de antecedência (a cada vez se divulgavam os votos de um país). Na saída, um motorista buzinava com passageiros tremulando a bandeira alemã! Tanto Tobi como, depois, Manfred (a primeira coisa que este me disse quando nos vimos no dia seguinte foi que a Alemanha venceu o concurso!) acham que, na verdade, os alemães não se importam tanto assim com esse resultado, e estavam apenas treinando para a Copa do Mundo.
Assim mesmo, as pessoas estavam empolgadíssimas no bar. Um quarteto cubano tinha sido contratado para tocar ao vivo, mas teve que esperar um tempão, porque a maioria não queria que a televisão ficasse no mudo; preferia ouvir as declarações da garota e, claro, uma palhinha da música campeã. Saímos e ainda fomos a outro bar, onde bebemos cerveja de trigo Paulaner. Já era madrugada, e eu ainda estava muito aceso, apesar de ter dormido por apenas sessenta minutos nas últimas 43 horas! Depois, pedi, àquela hora, um cafezinho, para agüentar o tranco e segurar o álcool. Mas em seguida chutaríamos o balde, pedindo um licor popular na cidade chamado Jägermeister.
Quando saímos de lá já eram umas duas e meia da matina. Até as quatro e meia já não haveria mais trem para eu voltar. Tobi ofereceu para eu dormir lá na casa deles. Eu disse que o problema é que, uma vez fechando o olho, não fazia a menor ideia de que horas acordaria. Meus amigos disseram que não havia problema e ainda me deram todo o conforto: emprestaram roupa para dormir, deram uma escova de dente, arrumaram a cama (na verdade, o sofá) e, no dia seguinte, ainda havia café-da-manhã para mim! Quer dizer, da tarde. Pois só fui acordar às duas e meia!
Chovia. Não tanto quanto da outra vez em que fui a Mainz, mas chovia. Tobi, que me acompanhou até a Hauptbanhof, disse que, normalmente, o tempo é melhor em Mogúncia do que em Frankfurt, e brincou que era eu que levava o tempo feio de Frankfurt para lá. De todo modo, certamente não seria aquela chuvinha que iria me atrapalhar, depois de encarar quase dois dias sem dormir, e ainda participar de um congresso acadêmico e viajar, tudo isso sem cair de sono. E já estou pronto para outra!
Fotos do encontro com Tobi e Marion em Mogúncia
Cenas da “Eschbórnia” pós-congresso nas fotos do terceiro mês em Frankfurt
É isso aí, cara! Curte mesmo, que você depois vai sentir saudades!
ResponderExcluir