Há uma velha televisão no meu quarto. Ela não pega mais do que uns sete ou oito canais, no máximo. Nenhum deles passava o jogo. Tentei ver pelos sites na internet, mas estava realmente precário. O único sinal que consegui congelava o tempo todo, até sair do ar de vez. Por sorte, acabei falando com minha mãe pelo Skype e aproveitei para pedir a ela para adotar o mesmo procedimento dos jogos importantes do Mengão: colocar a webcam de frente para a televisão. A imagem fica uma droga, mas é melhor do que nada.
Só que o jogo foi sofrível. Para piorar, eu havia apostado no bolão que seria zero a zero – placar que a partida merecia – mas nem isso se pôde aproveitar: não é que os eslovenos, que nada fizeram quase o tempo todo, marcaram a droga de um gol, graças a um frango do goleiro argelino? Lamentável. Felizmente, futebol ruim não marcaria o restante do dia.
Pouco depois, saí para ir ao campus de Westend assistir no telão a Gana contra Sérvia. Fui sozinho e lá vi um bom jogo. Gana foi superior, a Sérvia só resolveu jogar alguma coisa depois de ter um jogador expulso, mas foi justamente aí que levou o gol, em um pênalti mal batido. A partir de então, eu, que apoiava Gana, passei a torcer para não sair mais nenhum gol. É que tinha apostado no bolão exatamente no placar de 1 a 0. Bola ganesa na trave, e eu festejei que não entrou! Ao final, todos os presentes comemoraram a primeira vitória africana neste Mundial. Muitos vestiam camisas da seleção germânica, tinham os rostos pintados com as cores nacionais e usavam chapéus e outros adereços em vermelho, negro e amarelo/laranja.
Eu mesmo tinha ido disfarçado de alemão. Havia combinado de me encontrar depois na Hauptwache com Bertram, que fazia aniversário, e a namorada dele. Íamos assistir ao jogo da Alemanha contra a Austrália ali perto, em outro telão para exibição pública. Então, fui vestido com a camisa retrô da Alemanha de 1954 que comprei na lojinha do Eintracht Frankfurt; para fazer uma homenagem a ele e, também, porque não teria outra oportunidade de usá-la até o final da Copa (já que, depois, a competição ficará mais importante e não dará mais para vestir a camisa de um rival).
Cheguei mais cedo, comi dois sanduíches de lingüiça (um de Thüringer Wurst e outro da lingüiça Krakauer) na rua e dei umas voltas por ali, para sentir o clima. Era grande o número de pessoas com camisas e bandeiras da Sérvia, que tinham acabado de ver sua seleção perder. Só nesses momentos dá para se ter a dimensão do número de europeus do leste em Frankfurt, não tão facilmente perceptíveis quanto paquistaneses, africanos ou turcos. Havia também, é claro, um enorme número de alemães pintados, uniformizados, fantasiados, cantando e gritando. O clima era, realmente, de otimismo, em contraste com o ceticismo que eu tinha notado aqui antes de a Copa começar.
Hoje, Bertram me disse que todas as vezes em que, como este ano, a seleção alemã teve mais de vinte por cento de jogadores do Bayern de Munique, ela foi campeã mundial. Não quer dizer nada, mas é um dado interessante. Estatística mais furada eu vi no telão durante a partida entre Sérvia e Gana: eles mostravam times campeões mundiais e somavam os anos dos títulos, sempre dando 3964. Argentina em 1978 e 1986 (1978+1986=3964), Brasil em 1962 e 2002, Brasil em 1970 e 1994, Alemanha em 1974 e 1990. Então, mostraram a fórmula da esperança: 3964-1954=2010! Ou seja, os alemães, campeões em 54, haveriam de vencer este ano. Só que a fórmula deles, que até achei divertidinha, ignorou os dois títulos do Uruguai e todos os quatro da Itália. Os alemães, no entanto, teriam um motivo bem melhor do que esse para acreditar em sua seleção.
Encontrei Bertram e a namorada dele e fomos para o local da exibição. Havia uma baita aglomeração, e custei a entender que aquilo era uma fila para ter acesso ao espaço em frente ao telão. Seguranças orientavam as mulheres a irem para o lado esquerdo da fila. É incrível como a burocracia alemã opera até em uma exibição gratuita em local público de uma partida da Copa do Mundo de futebol! Certamente o acesso seria muito mais fácil sem aquele monte de obstáculos e seguranças.
Conseguimos entrar. O ambiente estava muito legal, mas os caras aproveitaram para meter a mão na venda de alimentos e bebidas. A péssima cerveja Binding, meio litro, custava quatro euros, mais um euro de Pfand (recuperado no momento da devolução do copo e da ficha que eles entregavam). A única coisa abaixo de quatro euros era a água mineral, que custava €3,50!
Antes de o jogo começar, brinquei com Bertram: “A Alemanha não pode perder para a Austrália, hein? É inadmissível perder para um time que chama futebol de ‘soccer’. O único nome além de football e suas variantes (Fußball, fútbol, futebol...) que é aceitável é ‘calcio’.” Ele concordou, mas não houve qualquer ameaça: a Alemanha jogou muito, enquanto a Austrália nem esboçou reação. Pelo que vi dos dois jogos do grupo (Gana e Sérvia também fazem parte), estavam ali em campo o melhor e o pior time da chave se enfrentando. A cada gol germânico a sensação era de que outro não tardaria a ser marcado, enquanto que os cangurus (Socceroos, no apelido do time) não sairiam do zero.
O primeiro gol, marcado em uma bomba de Podolski, rendeu oito pontos no bolão para Fabian e Marion Reiser (acertar o autor do primeiro gol da Alemanha era parte do bolão da Copa organizado pelo Florian). Quando Bertram comentava o quando considerava Miroslav Klose um péssimo atacante, ele fez um magnífico gol de cabeça. A expulsão de um jogador da Austrália, definitivamente, não contribuiu para mudar o panorama do jogo. Müller marcou o terceiro e, pouco depois, foi a vez de Cacau, o brasileiro naturalizado, fechar o caixão (Florian, outro dia, perguntou para mim: “Cacau é meio brasileiro, não é?” Eu respondi: “Não, Kurányi é meio brasileiro; o Cacau é completamente brasileiro!”).
A alemãozada, em polvorosa, não parava de cantar. Até diante do mictório cantavam e, pior, pulavam (definitivamente, ali não é lugar para se pular...). Após o quarto gol, diante de uma incontestável exibição de gala da seleção teutônica, eles pararam de cantar o previsível e pouco complexo mantra “Deutschland... Deutschland... Deutschland, Deutschland, Deutschland!” e cantaram uns versos bem mais interessantes:
Oh, wie ist das schön
Oh, wie ist das schön
So was hat man lange nicht gesehn
So schön, so schön!
“Oh, é tão bonito / Oh, é tão bonito / Bonito como há muito tempo não se via / Tão bonito, tão bonito!” Mereceram a música. Foi uma bela exibição, sem dúvida! Agora, resta-nos conferir na terça-feira se nós, brasileiros, mereceremos cantar “Que bonito é...”.
Acho mais fácil cantarmos: "Que tempo bom, que não volta nunca mais"...
ResponderExcluirrodrigo