Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Kapitel LXXIII – A Bela e o Canguru Fraquinho

Copas do Mundo são, geralmente, algo que, de quatro em quatro anos, ocupa mais de cinqüenta por cento dos meus pensamentos. Mal acordei e já pensava em como eu iria assistir ao primeiro jogo do dia. Eslovênia e Argélia tinham tudo para fazer uma péssima partida. Isso era motivo suficiente para que eu não saísse de casa para assistir a ela, mas não para que deixasse de assistir. Eu precisava ver aqui em casa.

Há uma velha televisão no meu quarto. Ela não pega mais do que uns sete ou oito canais, no máximo. Nenhum deles passava o jogo. Tentei ver pelos sites na internet, mas estava realmente precário. O único sinal que consegui congelava o tempo todo, até sair do ar de vez. Por sorte, acabei falando com minha mãe pelo Skype e aproveitei para pedir a ela para adotar o mesmo procedimento dos jogos importantes do Mengão: colocar a webcam de frente para a televisão. A imagem fica uma droga, mas é melhor do que nada.

Só que o jogo foi sofrível. Para piorar, eu havia apostado no bolão que seria zero a zero – placar que a partida merecia – mas nem isso se pôde aproveitar: não é que os eslovenos, que nada fizeram quase o tempo todo, marcaram a droga de um gol, graças a um frango do goleiro argelino? Lamentável. Felizmente, futebol ruim não marcaria o restante do dia.

Pouco depois, saí para ir ao campus de Westend assistir no telão a Gana contra Sérvia. Fui sozinho e lá vi um bom jogo. Gana foi superior, a Sérvia só resolveu jogar alguma coisa depois de ter um jogador expulso, mas foi justamente aí que levou o gol, em um pênalti mal batido. A partir de então, eu, que apoiava Gana, passei a torcer para não sair mais nenhum gol. É que tinha apostado no bolão exatamente no placar de 1 a 0. Bola ganesa na trave, e eu festejei que não entrou! Ao final, todos os presentes comemoraram a primeira vitória africana neste Mundial. Muitos vestiam camisas da seleção germânica, tinham os rostos pintados com as cores nacionais e usavam chapéus e outros adereços em vermelho, negro e amarelo/laranja.

Eu mesmo tinha ido disfarçado de alemão. Havia combinado de me encontrar depois na Hauptwache com Bertram, que fazia aniversário, e a namorada dele. Íamos assistir ao jogo da Alemanha contra a Austrália ali perto, em outro telão para exibição pública. Então, fui vestido com a camisa retrô da Alemanha de 1954 que comprei na lojinha do Eintracht Frankfurt; para fazer uma homenagem a ele e, também, porque não teria outra oportunidade de usá-la até o final da Copa (já que, depois, a competição ficará mais importante e não dará mais para vestir a camisa de um rival).

Cheguei mais cedo, comi dois sanduíches de lingüiça (um de Thüringer Wurst e outro da lingüiça Krakauer) na rua e dei umas voltas por ali, para sentir o clima. Era grande o número de pessoas com camisas e bandeiras da Sérvia, que tinham acabado de ver sua seleção perder. Só nesses momentos dá para se ter a dimensão do número de europeus do leste em Frankfurt, não tão facilmente perceptíveis quanto paquistaneses, africanos ou turcos. Havia também, é claro, um enorme número de alemães pintados, uniformizados, fantasiados, cantando e gritando. O clima era, realmente, de otimismo, em contraste com o ceticismo que eu tinha notado aqui antes de a Copa começar.

Hoje, Bertram me disse que todas as vezes em que, como este ano, a seleção alemã teve mais de vinte por cento de jogadores do Bayern de Munique, ela foi campeã mundial. Não quer dizer nada, mas é um dado interessante. Estatística mais furada eu vi no telão durante a partida entre Sérvia e Gana: eles mostravam times campeões mundiais e somavam os anos dos títulos, sempre dando 3964. Argentina em 1978 e 1986 (1978+1986=3964), Brasil em 1962 e 2002, Brasil em 1970 e 1994, Alemanha em 1974 e 1990. Então, mostraram a fórmula da esperança: 3964-1954=2010! Ou seja, os alemães, campeões em 54, haveriam de vencer este ano. Só que a fórmula deles, que até achei divertidinha, ignorou os dois títulos do Uruguai e todos os quatro da Itália. Os alemães, no entanto, teriam um motivo bem melhor do que esse para acreditar em sua seleção.

Encontrei Bertram e a namorada dele e fomos para o local da exibição. Havia uma baita aglomeração, e custei a entender que aquilo era uma fila para ter acesso ao espaço em frente ao telão. Seguranças orientavam as mulheres a irem para o lado esquerdo da fila. É incrível como a burocracia alemã opera até em uma exibição gratuita em local público de uma partida da Copa do Mundo de futebol! Certamente o acesso seria muito mais fácil sem aquele monte de obstáculos e seguranças.

Conseguimos entrar. O ambiente estava muito legal, mas os caras aproveitaram para meter a mão na venda de alimentos e bebidas. A péssima cerveja Binding, meio litro, custava quatro euros, mais um euro de Pfand (recuperado no momento da devolução do copo e da ficha que eles entregavam). A única coisa abaixo de quatro euros era a água mineral, que custava €3,50!

Antes de o jogo começar, brinquei com Bertram: “A Alemanha não pode perder para a Austrália, hein? É inadmissível perder para um time que chama futebol de ‘soccer’. O único nome além de football e suas variantes (Fußball, fútbol, futebol...) que é aceitável é ‘calcio’.” Ele concordou, mas não houve qualquer ameaça: a Alemanha jogou muito, enquanto a Austrália nem esboçou reação. Pelo que vi dos dois jogos do grupo (Gana e Sérvia também fazem parte), estavam ali em campo o melhor e o pior time da chave se enfrentando. A cada gol germânico a sensação era de que outro não tardaria a ser marcado, enquanto que os cangurus (Socceroos, no apelido do time) não sairiam do zero.

O primeiro gol, marcado em uma bomba de Podolski, rendeu oito pontos no bolão para Fabian e Marion Reiser (acertar o autor do primeiro gol da Alemanha era parte do bolão da Copa organizado pelo Florian). Quando Bertram comentava o quando considerava Miroslav Klose um péssimo atacante, ele fez um magnífico gol de cabeça. A expulsão de um jogador da Austrália, definitivamente, não contribuiu para mudar o panorama do jogo. Müller marcou o terceiro e, pouco depois, foi a vez de Cacau, o brasileiro naturalizado, fechar o caixão (Florian, outro dia, perguntou para mim: “Cacau é meio brasileiro, não é?” Eu respondi: “Não, Kurányi é meio brasileiro; o Cacau é completamente brasileiro!”).

A alemãozada, em polvorosa, não parava de cantar. Até diante do mictório cantavam e, pior, pulavam (definitivamente, ali não é lugar para se pular...). Após o quarto gol, diante de uma incontestável exibição de gala da seleção teutônica, eles pararam de cantar o previsível e pouco complexo mantra “Deutschland... Deutschland... Deutschland, Deutschland, Deutschland!” e cantaram uns versos bem mais interessantes:

Oh, wie ist das schön
Oh, wie ist das schön
So was hat man lange nicht gesehn
So schön, so schön!

“Oh, é tão bonito / Oh, é tão bonito / Bonito como há muito tempo não se via / Tão bonito, tão bonito!” Mereceram a música. Foi uma bela exibição, sem dúvida! Agora, resta-nos conferir na terça-feira se nós, brasileiros, mereceremos cantar “Que bonito é...”.

Um comentário:

  1. Acho mais fácil cantarmos: "Que tempo bom, que não volta nunca mais"...

    rodrigo

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