Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


quinta-feira, 22 de abril de 2010

Kapitel XXXIV – O Véu e a Jaqueta Preta

Hoje comi um döner em um pequeno restaurante de turcos perto da universidade. O bizarro foi ver o homem e a mulher que trabalham no lugar coçando loucamente o olho antes de manusear os alimentos (eu só ficava me lembrando da mensagem do meu amigo Felipe nos comentários do Kapitel XXVII). Depois disso, tive uma aula sobre política comparada e voltei para casa.

Minha rápida refeição me lembrou de um assunto que pretendia incluir nestes Contos Fantásticos mais cedo ou mais tarde (na verdade, eu estava justamente aguardando um dia em que não tivesse mais nada para dizer): a questão dos turcos. Eles são muitos, têm mercadinhos, padarias e... claro, restaurantes de döner, deliciosa iguaria aparentada do não menos saboroso shawarma dos árabes.

Percebi em conversas que muitos alemães, realmente, sentem certo incômodo pela presença deles, que são associados a furtos em locais de muita aglomeração ou a outros delitos. Uma coisa sempre ressaltada é que eles não querem se integrar, e mesmo turcos nascidos aqui não falam alemão corretamente. “Se não gostam da Alemanha, por que não vão para a Turquia, então?” é o que perguntam.

Minha primeira impressão é de que sua integração ocorre, mas com tensão. Observo grupos de amigos em que claramente há, entre os alemães, pessoas de origem turca ou de outras partes, como negros. Também não parece haver qualquer rejeição por parte dos alemães de freqüentar restaurantes turcos, por exemplo. Mas não apenas existe esse discurso antiturco de alguns alemães (não sei como os turcos de fato veem a Alemanha, pois não tive ainda a oportunidade de conversar proximamente com eles), como também os próprios turcos fazem questão de se diferenciar.

Vejo uma relação com o que também percebo nos Estados Unidos, onde há negros que vestem as roupas o mais chamativas possível justamente para enfatizar a sua diferença. Creio que há implícito um discurso: “vocês não nos querem, pois também não queremos estar com vocês; vejam como somos diferentes, seus branquelos!”

Aqui, é óbvio que as mulheres turcas se diferenciam de forma mais radical, pelo fato de, em função da religião islâmica, cobrirem os cabelos com o véu. Isso vale para jovens ou idosas. Pelo volume atrás da cabeça, dá para perceber que, apesar de não mostrá-lo, deixam o cabelo bastante comprido. O véu tampouco é sinal de falta de vaidade: não são poucas as turcas com grandes unhas pintadas ou com forte maquiagem no rosto.

Meu argumento sobre a diferenciação (é mais um palpite, na verdade), no entanto, não se aplica tanto a elas. O uso do véu tem uma explicação religiosa, que nada tem a ver com qualquer desejo de se diferenciar dos alemães. É a diferença nos homens que me intrigou.

É impressionante a quantidade de turcos que vestem jaquetas ou casacos pretos brilhosos. É quase um uniforme, principalmente entre aqueles com menos de 50 anos de idade. Além disso, muitos raspam à máquina o cabelo, deixando maior volume no topo da cabeça (ou só deixando cabelo ali, passando máquina zero em volta). Acredito, então, que há por trás disso uma vontade de se diferenciar e afirmar sua identidade. Se isso ocorre em função de um preconceito que sofrem ou de uma vontade própria de não se misturar (ou das duas coisas, que se retroalimentam), não serão suas roupas ou cortes de cabelo que responderão.

Continuarei observando, para poder formar uma opinião mais consistente sobre o fenômeno. Por razões puramente investigativas, portanto, em nome das ciências humanas e da paz mundial, farei o enorme esforço de continuar comendo döner kebap.

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