Um brasileiro que fala um alemão macarrônico chega a Frankfurt sem saber nem mesmo onde vai morar... Aqui narro minhas aventuras nesta temporada germânica: lugares interessantes, enrascadas em que me meto, esquisitices que percebo a cada dia. O nome do blog é uma analogia aos irmãos Grimm, alemães que compilaram muitas dezenas de contos de fada tradicionais, como Branca de Neve, João e Maria, Rapunzel, a Gata Borralheira, o Músico Maravilhoso, Chapeuzinho Vermelho, e a Bela Adormecida (mais detalhes em Vorstellung).

Centenas de fotos disponíveis em Ilustrações.


quarta-feira, 14 de abril de 2010

Kapitel XXVI – A Longa Viagem e a Bruxa Malvada

Hoje, andei de todos os meios de transporte público locais: metrô (U-Bahn), ônibus, bonde (Straßenbahn) e trem urbano (S-Bahn). Isso para chegar ao Ausländerbehörde, onde tentaria resolver minha difícil situação descrita nos Kapitel XX e XXI. Já posso adiantar que este Kapitel não termina com um “e eles viveram felizes para sempre”. Mas façamos como Jack, o estripador, e vamos “por partes”, começando pelo princípio, como reza a convenção.

Fui à universidade, de metrô, e lá fiquei apenas umas três horas. Afinal, tinha que tentar resolver alguma coisa do problema do visto, e o Ausländerbehörde fecharia às três. Almocei com Bertram no Mensa, o bandejão (ver Kapitel XXIV), e peguei com o Jens as coordenadas de como chegar lá no Ausländerbehörde. Precisava pegar um ônibus em frente ao Museu de História Natural (o dos dinossauros, perto da universidade; também ver isso no Kapitel XXI), ir até o ponto final e, lá perto, pegar um bonde. No bonde, teria que saltar depois de passar por um viaduto com linha férrea e pegar a rua diagonal. Por incrível que pareça, até aí deu tudo certo!

Eu nunca havia pegado ônibus, Straßenbahn ou S-Bahn em Frankfurt, só metrô. No ônibus, o motorista era um negro, de óculos escuros, brinco e barbinha estilosa, bem diferente do tipo que eu imaginava encontrar guiando na Alemanha. Ele logo viu que eu não sabia nem mesmo como comprar a passagem e me explicou tudo. Em inglês, naturalmente, pois também percebeu que minha compreensão da explicação em alemão não estava lá essas coisas. Saltei no ponto final e fiquei sem saber onde era a parada do bonde. Lá perto, duas mulheres foram para o meio da rua e entraram no bonde, que estava parado no sinal. Eu fui atrás e fiz o mesmo. Não sei se entrei do jeito certo ou não, mas entrei. Depois, vi que elas eram amigas do condutor, e acho que conversaram com ele em inglês; acredito que eram todos africanos.

Milagrosamente, saltei no lugar certo e encontrei a rua. O número do Ausländerbehörde era longe, de modo que foi uma longa caminhada com minha bolsa pesada (estava com o laptop) até chegar lá, às 2h20. Foi então que apareceu uma bruxa!

Aquelas expressões que estão nas apostilas de alemão – “guten Tag” para “boa tarde”, “auf Wiedersehen” para “até logo” – pouco se falam por aqui. As pessoas costumam se cumprimentar com um animado “hallo!”, desejar umas às outras, graciosamente, um “schönen Tag” (belo dia) e se despedir com um informal “tschüss”.

Faço essa digressão semântica para dar a dimensão do que pressenti ao cumprimentar com um “hallo” a mulher que me atenderia no Ausländerbehörde e ouvir como resposta um seco “guten Tag”. Comecei a explicar minha situação e logo perguntei se poderia falar em inglês. Ela fez aquele olhar perverso de quem se regozijava com os próprios pensamentos de “vou infernizar a vida desse pobre infeliz” e respondeu, com ar de enfado e a implícita mensagem de que estava sendo profundamente generosa com este terceiro-mundista invasor: “sim, em inglês você pode falar”.

Definitivamente, ela não transmitiu em qualquer momento a ideia de que, porventura, poderia cooperar comigo. Questionou meu seguro de saúde, reclamou que todos os documentos deveriam estar em alemão, entregou-me uma papelada para preencher e ignorou solenemente minhas explicações de que já fui aceito (o próprio consulado da Alemanha no Rio já me confirmou isso) e de que só preciso que os órgãos do governo alemão se comuniquem para que um avise isso ao outro.

Apesar de, na requisição de visto, eu já ter explicado que ficaria por mais de seis meses, que vinha estudar com bolsa financiada pelo CNPq, que tinha um convite da universidade e tudo mais, ela (como se fosse surda) continuou argumentando embasada na premissa de que eu vim apenas como turista e que tenho que passar por todo o processo para morar aqui. Eu não precisaria ter recolhido tantos documentos para dar entrada no visto se fosse para passar por isso agora. O site do consulado era bastante claro ao dizer que o visto não era necessário para eu vir, mas que era bom tirá-lo para já adiantar o processo do meu registro como morador; sem o visto, aí sim eu teria que começá-lo aqui. Dei entrada no visto no Brasil, ele saiu só depois de eu vir, mas saiu! E a bruxa quer que eu aja como se ele não tivesse sido concedido.

Saí de lá irritado, sem sequer me despedir da megera, cheio de novos papéis para analisar e, possivelmente, preencher. Terei que pensar em qual será minha estratégia para regularizar minha situação. Duas possibilidades seriam começar tudo de novo aqui ou pegar meu visto no Rio de Janeiro, mas tentarei o possível para descobrir uma alternativa C. Andei toda a rua de volta, com o grande peso do laptop, tomei um café expresso ruim, pouco quente, caro e servido só até a metade da xícara, e achei uma estação de trem S-Bahn. Não sabia para que lado ir, peguei o trem no sentido contrário, voltei e, na estação principal Hauptbahnhof, fiz a conexão com o metrô.

Era o fim da longa viagem. Está mais do que claro que burocracia excessiva com má comunicação interna também existe no primeiro mundo. Não dá para dizer “e viveram felizes para sempre”. Aliás, minha vontade na hora era a de esganar a bruxa. Aí, definitivamente, ela não viveria por muito mais tempo. Porém, como se diz, vontade é coisa que dá e passa... Mas será que a vontade passou?

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